O Dia Internacional da Mulher não significa nada. Estamos muito longe de um estado civilizatório que iguala homens e mulheres em direitos e deveres. Aqui é Brasil.
O próprio fato de um deputado paulista ir à outro país, em zona de guerra, para obsidiar “loiras lindas, fáceis e pobres”, além de vergonhoso, machista, é racista também.
Deveria ser imputado pelo crime de racismo sim, porque ele, Arthur do Val — e Renan Santos, o amigo do MBL que faz “tour de blonde” na Europa para comer loiras — citou as “loiras gostosas” inúmeras vezes.
Se ninguém disse, eu digo.
Cresci numa sociedade onde loira era fatal, “dada”, destruidora de lares como a curvilínea Marlyn Monroe e isso sempre incomodou. Se no caso ele se referisse à outra etnia o barulho seria bem pior.
Na mesma semana, um usuário do Facebook relatou um caso de assédio sofrido por uma senhora de 67 anos, em Santos, que teve que abandonar às pressas uma corrida de Uber, num semáforo, quando percebeu que o motorista estava se masturbando.
Esse tipo de constrangimento muitas mulheres sofrem. Todas têm histórias como essa para contar e não têm nenhuma graça. Não dá para descrever o asco e repulsa que causa esse tipo de fato. É preciso falar, reclamar, expor o sujeito que faz essas coisas. Parar de sentir vergonha de tocar nesse assunto porque a mulher não é culpada disso.
Isso faz parte de um comportamento misógino, abusador que não existiria se as mulheres tivessem coragem de revelar o agressor. E se as penas por abuso sexual fossem mais duras. No transporte público, mulheres de todas as idades são vítimas desse tipo de crime. Crime sim.
Na minha infância, no litoral, tinha o “homem da capa”, um psicopata que abordava meninas a caminho da escola. No confronto ele abria a capa e mostrava a genitália. As estudantes corriam apavoradas e tinham medo de contar em casa para os pais. Fomos ensinadas a não aceitar balinhas de estranhos. Mas não sobre como agir com esses molestadores.
Nessa mesma linha de assédio, dois fatos do mesmo tipo me vêm à mente. O primeiro aconteceu na igreja da Sé, centro de São Paulo. Era um fim de tarde, entrei na igreja para descansar e admirar o seu interior. Permaneci meditativa por um bom tempo até que, às minhas costas, um ruído chamou minha atenção. Um sujeito estava se masturbando. Assustada, gritei “some daqui!”, enquanto outras poucas pessoas, interrompidas em suas preces, vieram até mim. Até hoje isso me causa mal estar, em especial, porque um homem que veio em minha direção me disse: “precisa fazer esse escândalo só por isso?”.
Como só por isso? Me olhou de cima a baixo como se eu fosse culpada. Senti um misto de asco e ressentimento, um sensação de invasão de privacidade e ódio. Me fui dali carregando a culpa do mundo.
Em outra situação, aconteceu fato parecido em um cinema, numa seção matinê, forrada de crianças. Era o lançamento de um filme do Superman. Escolhi o horário porque queria me divertir, desopilar, participar das reações das crianças, gritar e rir junto com elas. Sempre fiz essas coisas. Quem nunca fez depois de velho, recomendo.
Aconteceu praticamente o mesmo. A diferença é que, movida pela kriptonita, eu me virei de repente e desci o braço no sujeito, que correu no meio da turba. Estragou minha tarde. Faz tempo, mas a indignação é a mesma.
A sociedade produz essas figuras doentias que nós mulheres temos que aguentar. Tenho certeza que todas as minhas amigas têm histórias parecidas para contar e até piores. De assédio de colegas e chefes e, no meu caso, até de entrevistados.
Não é chorumela, vitimismo, mimimi, é assédio, praticado por molestadores sexuais que são “relevados” pela sociedade, porque seus crimes não configuram agressão física. “Também, você é bonita”. Já ouvi isso e fui ao inferno e voltei, colérica. O fulano se retirou.
Não pode fazer gracinha, molestar na vida, no Messenger ou em qualquer lugar. Não é brincadeira, é desrespeito, abuso. Nas mídias sociais o terreno é fértil para essas agressões. Mulher não gosta disso.
Um dia bem triste para as mulheres vítimas da misoginia, do machismo endêmico infiltrado na estrutura social. Isso tem que acabar. Como diz uma amiga querida: “mamãe, caguei no maiô”.
Bye bye do Val.
Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.