Precisei ir à Receita Federal e não tinha ninguém que me pudesse substituir. O site da receita não era claro o suficiente e, como na ocasião em que tive que resolver assunto ligado à declaração de renda de minha mãe, lá fui eu me informar “ao vivo e em cores”.
Não deixa de ser engraçado que sempre fui aos lugares e resolvi os problemas sozinha, mas, depois do início dessa pandemia, tudo se tornou desculpa para não mais sair de casa, não mais me virar… E parece que fiquei inerte e inerme…
Não. Inerme, não! Ainda que de mudança e não exatamente por “vontade própria”, tratei de me mexer e ir atrás do que, em outros tempos eu chamaria de “meus interesses”.
Chamei um táxi e fui até a Receita. Chegando, descubro que não tinha levado nem dinheiro, nem cartão. Como já saí antes sem celular e depois sem máscara – mas, tristemente, ainda não aprendi que precisava ter uma lista de checagem antes de sair – fui capaz de resolver o problema com algum choro e ranger de dentes.
Aliás, pedir um celular emprestado pode ser uma das tarefas mais desgastantes para alguém: é quase como pedir… uma cueca, ou uma calcinha emprestada, tão íntimo ele se tornou!!
Bom, eu precisava entrar lá e minha situação era tudo, menos tranquila. Mas, o rapaz na direção me diz, com um sorriso:
“_ A senhora não se preocupe! Eu lhe dou meu cartão com meus dados e quando a senhora dispuser da quantia, me avisa que eu vou buscar!”
Por muito que eu acredite no gênero humano – e eu nem acredito tanto assim – isso é completamente… inesperado!
Para minha surpresa – mais uma – ele diz que pode me esperar, que não cobra a hora parada, que gosta de ler – trouxe um livro – acha uma praça com uma sombra e espera que eu ligue avisando que estou saindo. Topo o arranjo, até porque vai me facilitar para pagar a corrida e imagino que até é engenhoso da parte dele ser “tão gentil”.
Mas, uma surpresa me aguardava: Rafael (esse é o seu nome), formado em Administração de Empresas, trabalha com táxi há bastante tempo – se revezava com seu pai, mas comprou um táxi por conta própria e faz desse seu jeito bom e afável seu modo de vida.
Bom papo, inteligente, bem humorado, informado a respeito de tudo, rapidamente se transforma numa pessoa de confiança em quem pensamos na hora de um aperto, para resolver um impasse de ir e voltar de algum lugar em algum horário “pouco ortodoxo”, como estar num laboratório para um exame às 6 da manhã, buscar ou levar alguém, tarde da noite, num dia de chuva…
Fica lotado num ponto de táxi perto da minha casa, mas faz corridas combinadas com seus passageiros. Anota o custo da ida, deduz do tempo parado, coloca o valor da volta e faz disso seu modo de vida e um jogo ganha-ganha nessa pandemia.
Está ocupado o dia todo, tem clientes no bairro que vão, como eu, indicando outros, porque além de tudo não há quem não queira conviver com uma pessoa cordial e bem educada que oferece um acordo ganha-ganha.
Simples e fácil? Nem tanto, mas admirável.
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!
1 Comentário