19 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Tudo outra vez

Todo mundo tem um ideal de paraíso na terra. Um lugar onde seja possível encaixar a si mesmo, com todas as assimetrias, medos e apreensões. É como aquele sapato de que tanto se gosta e mesmo apertando aquele ossinho mais saliente, de um pé para o outro, se insiste em usar.

Até os loucos acreditam nisso. É possível encontrar uma lógica em que o próprio inferno seja acolhedor. Em certa medida todos temos esse lugar onde são gestados os infortúnios, rancores e desalinhos da alma.

Há aquele que faz e vive tudo isso em silêncio,  para que o próprio ego não o escute e o traia. Porém,  o vaidoso, que não cabe em si de tanta formosura e razão,  precisa de plateia para aplaudi-lo. E para os que estão no meio da turba, no psicótico universo de identificação que azeita as engrenagens em busca do perfect match, um pervertido para conduzi-lo para além da própria insignificância. E estes encontram os tais pontos de referência nas entranhas mais profundas  e os projetam para além de si mesmos.

Dá para imaginar como se formam os elos entre os adoradores do prânico Budha e os do capeta mais contorcido e cuspidor de blasfêmias. Como naquelas gárgulas que espiam suspensas nas bordas dos telhados medievais. Assustam só de olhar.

E como ser melhor, distinto ou mais tenebroso e cruel entre tantos iguais? É nessa linha que começam os descaminhos e se constroem as lendas do bem e do mal. Na verdade um precisa do outro para se opor, estabelecer a discórdia. Senão um não seria um e o outro, outro. E os exércitos  dos extremos não teriam por que lutar.

Os maiores confrontos da humanidade, não necessariamente  do bem contra o mal, mas com motivações específicas de cada grupo se enfrentaram até a ruína ou a vitória. 

Civilizações inteiras desapareceram no curso da história,  na tentativa de se ter  um comando único.  Se perpetraram no poder, alguns por milênios, mas caíram quando escassearam as faíscas da beligerância, se apaziguaram ou se renderam.

A uniformidade  é perfeita demais para abrigar os inconformados, os que saem fora da caixa por muitas razões. Principalmente pelo poder.

Hititas, persas, gregos, mongóis,  romanos, núbios, pretos, brancos, miscigenados vários foram vítimas dos mesmos algozes e pecados, numa constante repetitiva. O poder insano, o egoísmo e a soberba  contra todos os demais.

É a monotonia que incendeia as mentes e abre os flancos da discórdia. E é a ousadia que diferencia um dos outros, que gera líderes capazes de controlar mentes para brigarem pelos seus ideais.

Alguma similaridade disso tudo com nossas vidas nas empresas, nas cidades e na política em geral? As histórias se repetem com diferentes sujeitos e épocas.  O nazismo não seria o que foi, nem o fascismo, nem qualquer ditadura de esquerda ou direita, em qualquer tempo e lugar, sem todos os elementos.

Submeter o indivíduo, achatá-lo de tal modo que não possa respirar e oxigenar o próprio sentido de liberdade é o que põe um à frente  do outro. Um repique monocórdio em espiral que nunca terá fim. A fome e a insanidade têm temperado a calda quente da história da humanidade desde o princípio.

Há muito se busca a harmonia entre os divergentes, mas dificilmente isso ocorrerá. A única coisa capaz de colocar lado a lado os opostos é o dinheiro e o que ele pode comprar,  corromper e calar. E o próximo ano não será diferente para ricos e pobres mortais.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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