Anotei dois temas para tratar hoje. Ontem não deu tempo. Um deles é a morte da jovem negra Kathleen Romeu no Rio. Ela foi atingida por uma bala de fuzil, estava grávida e já havia escolhido o nome do bebê.
A avó estava com ela e escapou de ser baleada também.
De novo, jovens vidas sendo sacrificadas com uma burocrática reação. Em outros lugares, os próprios representantes políticos estariam mobilizados, as instituições se moveriam mais rápido.
Aqui, costumamos ter apenas um protesto de vizinhos e amigos, a imprensa cobre rotineiramente e tudo volta a uma aparente normalidade, até que novos disparos aconteçam.
Se compararmos com os Estados Unidos, vemos que o caminho de tomada de consciência no Brasil ainda é longo.
O presidente da Argentina, Alberto Fernandez, supondo que citava Octavio Paz, disse algumas bobagens: os brasileiros vieram da selva e os argentinos vieram da Europa de barco.
São múltiplos preconceitos aí. Para começar com a própria floresta. Já existem muitos trabalhos mostrando como a floresta foi estigmatizada como um lugar de perigo, onde se reúnem bruxas e malfeitores.
Nos anos 70, a propaganda oficial era de que a construção da Transamazônica representava a vitória da civilização contra a barbárie.
Hoje sabemos bem quem são os bárbaros. Tanto a floresta como os povos tradicionais prestam um grande serviço à humanidade. A suposição de que não existe cultura ali foi derrubada sistematicamente pelos próprios antropólogos que se dedicaram a estudá-la.
Não há nada demais em vir da selva, muito menos em se chamar da Silva.
O preconceito maior de Fernandez é contra as próprias etnias indígenas na Argentina. Algumas existem no Brasil, como os guaranis; outras também no Chile, como os mapuches.
Os argentinos têm essa tendência de suprimir o que há de herança indigena e africana no país. O próprio escritor Jorge Luis Borges, que tanto admirei, costumava dizer que os argentinos eram europeus deslocados.
Esse impulso de se identificar com o colonizador e suprimir os traços originais é muito comum. O escritor e médico Franz Fannon dedicou alguns livros a esse tema.
Fernandez pediu desculpas a quem se sentiu ofendido. Como brasileiro, orgulho-me da floresta e acho que se os argentinos a tivessem poderiam sair mais facilmente das dificuldades econômicas que os perseguem.
Mas creio que Fernandez atingiu mais o próprio povo. Não adianta falar em diversidade como discurso e suprimi-la na própria visão de mundo.
Fonte: Blog do Gabeira