18 de abril de 2024
Carlos Eduardo Leão Colunistas

No Céu com Danuza

Danuza Leão foi uma mulher além do seu tempo. Como diria Brecht, ela foi imprescindível!

Eu, Antônio Celso e Alex, amigos muito queridos da confraria da arte, estávamos num restaurante em Ipanema quando adentra uma mulher que nos chamou atenção pelo porte elegante. Não dava pra ver o rosto. Trajava jeans, camiseta e tênis. Até aí nada demais não fosse a postura e um brilho natural que transcendia naquele momento. Efusivamente recebida pelo maitre, sentou-se numa mesa próxima e aí pude reconhecê-la.

Embora primos (nossos pais eram irmãos) Danuza e eu não tínhamos muita proximidade mas, ao vê-la, senti-me compelido a cumprimentá-la. “Certamente você não deve estar me reconhecendo. Sou o Cadu, filho do seu tio Sólon”. Papai era o seu tio predileto e o mais chegado da sua família paterna, a quem ela, vez ou outra, pedia notícias protocolares deixando sempre nas entrelinhas um certo desinteresse pela convivência. “Não acredito! Você já está com essa cabeça totalmente branca? Pensei que só eu envelhecia!” Apesar da cabeça branca não significar obrigatoriamente velhice, saí do encontro encantado pelo inusitado bate papo.

Danuza Leão foi uma mulher muito além do seu tempo terreno. Icônica, irreverente, insubmissa, indomável, de uma escrita afiada que, na minha opinião, dividiu com Walter Navarro e Marco Lacerda, o status de maior cronista contemporânea brasileira pela sua visão de mundo extremamente aguçada, peculiar e, sobretudo, certeira que a fez merecidamente ganhadora do Prêmio Jabuti com Quase Tudo e Danuza Leão Fazendo as Malas. Lançou também clássicos da literatura como Na Sala com Danuza e foi colunista de Vogue e Folha.

Danuza foi uma personalidade excêntrica. Sua caneta era cortante e ácida que deixava ironias deliciosas para os que sabiam entender suas entrelinhas. Levava para o papel o seu pensamento verdadeiro, os questionamentos sobre as relações humanas e, sobretudo, a crítica aguda ao que um dia pensou como certo. Depois de viver intensamente a ilusão do “grand monde” internacional onde, geralmente, as aparências se sobrepõem às virtudes, Danuza, que foi a Gisele Bündchen de sua época, rendeu-se ao “É tudo tão simples”, um de seus “best-sellers”, onde defende o desapego como ferramenta de liberdade.

Reduziu seu impressionante closet a alguns jeans, camisetas e suéteres e só tolerava mesas de quatro pessoas. Manteve o propósito de evitar comemorações oficiais como aniversários e Natais e, já octogenária, viajar sozinha para Paris, sua maior paixão, hospedar-se no Wellcome, na Rive Gauche, e, ao entardecer, um Veuve Glicot no Café de Flore.

Quando publicou sua opinião no jornal de que “toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz”, confrontando os questionamentos da atriz francesa Catherine Deneuve sobre as inúmeras denúncias de assédio sexual que emergiram na época, Danuza foi literalmente execrada pelo politicamente correto que nascia no mundo.

Com isso, em 2019, Danuza anuncia que penduraria a caneta por achar que o mundo “encaretou”. “Quando comecei a escrever, podia tudo. Relendo coisas que escrevi há 15, 20 anos, mal posso acreditar na liberdade que se tinha – e como era bom. Mas não há bem que sempre dure; veio o politicamente correto e o moderno feminismo, que tornaram a vida melancólica e sem graça, afastando essa coisa tão boa, que é o encontro entre homens e mulheres. Encaretamos!”

Ao dizer um dia “Eu queria que me dessem no Natal um bom comprimido para dormir ou uma passagem para viajar”, concluo que Deus lhe antecipou o Natal. Você dormiu e viajou para a eternidade onde, certamente, encontrou a liberdade e a paz dos puros para escrever “No Céu com Danuza” que um dia todos leremos.

Esteja bem, prima.

Carlos Eduardo Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

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