Algumas palavras sobre essa pintura, realizada entre os últimos dois meses de 2024 e primeira quinzena de 2025, que nesta terça feira foi transportada e instalada no escritório dos proprietários.
Não tenho hábito dar título às minhas pinturas, mesmo sabendo que as coisas materiais e imateriais, ainda que efêmeras, quando nascem ou brotam no mundo, recebem nomes/títulos para serem identificadas,citadas e lembradas.
Porém, raramente, nomeio minhas pinturas.
Nomeá-las acontece às vezes quando, durante o processo criativo, determinados eventos externos se misturam aos instigamentos estéticos e pensamentos abstratos que, simultaneamente, ocorrem no diálogo com o fazer, aguçando minha percepção das coisas ao redor.
É o caso desta pintura nomeada “O Eterno Agora”, um tributo ao amigo Antonio Cicero.
Logo na fase inicial deste trabalho, soube que Cicero havia interrompido o ciclo da sua existência.
Esse ato, que para muitas pessoas pode parecer controverso, em mim calou profundamente como um gesto de consciência extrema – uma última e derradeira poesia, emanada das complexas e misteriosas questões sobre a vida e a morte, tão citadas em prosa e verso no correr da história da humanidade.
Nas etapas intermediárias desta pintura, pausava as sessões de trabalho com a leitura dos ensaios publicados nesta obra póstuma.
Alguns desses ensaios eu já havia lido, pois integravam os textos publicados pelo Ciclos de Conferências organizados por Adauto Novaes.
Foi Adauto quem me comunicou, com antecedência, que fora convidado pelo Antonio Cicero para organizar a coletânea de sete ensaios reunidos nesta edição,datados de 2005 a 2020 e intitulado “O Eterno Agora”, lançada poucos dias após sua morte.
Ainda que tangencie a ideia do “Eterno Retorno” de Nietzsche e remeta ao “Aqui e Agora”- conceito central da Gestalt terapia, que enfatiza o momento presente circunscrito às motivações, ações, sonhos e reações objetivas contidas no tempo psíquico de uma existência, a ideia de um ‘eterno agora’ abre outra perspectiva, já que o termo criado por Antonio Cicero, estende-se a outras proposições na medida em que não há retorno ao agora. E,ao aludir à ideia inquietante de um agora eterno, Cicero nos induz à reflexão no que concerne à doutrina católica e suas variantes, para a qual os seres são criados para a eternidade.
Essas divagações me trouxeram à mente o maravilhoso diálogo de Alice: “Quanto tempo dura o eterno? Coelho: Às vezes apenas um segundo”
É difícil para mim descrever os sentimentos e reflexões que o ato poético-dramático, definitivo e libertador – do Antonio Cicero, em paralelo à leitura dos ensaios, me suscitou no correr da experiência pictórica que deu corpo a esta pintura.
“Poesia e pensamento abstrato – esses dois estados do espírito – viajam juntos, sempre em diálogo entre uma forma de criação e outra.
A obra do poeta carrega uma filosofia: uma explicitação da incerteza da vida humana.
A obra do filósofo nos revela não um pensamento sobre as incertezas do mundo, mas uma experiência do mundo, ou seja, a do homem no mundo, abrindo o horizonte do possível.
O pensamento abstrato antecipa e prevê. Poesia e pensamento abstrato andam cercados de mistério e certa obscuridade. Eis o enigma, diz Adauto Novaes, na apresentação da coletânea de ensaios do Antonio Cicero, agora e para sempre, inserida no fluxo contínuo do ‘eterno agora’
Clipe* ateliê/iluminação e som ambiental “Max Richter -The Waves- Tuesday”
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Adriano de Aquino 2024/2025 Rio de Janeiro “O Eterno Agora” Díptico Poliuretano Uretano sobre alumínio 100cm x 200cm Coleção Particular


Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial “Em Busca da Essência” Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.