Minha chérie e sobrinha favorita, Maria Fernanda. Ops! Você é minha única sobrinha, mas tá valendo, continua a “preDileta”.
Hoje, juro e prometo não falar de morte, muito menos de política que são a mesma coisa. Muito cabelo contrário! Vou escrever sobre vida, vida e mais vida. A tua segunda vida que vai começar dia 17 de agosto, em Roma.
Da noite para o dia, aos 18 anos, você bate as asinhas de linda borboleta. Tua coragem e curiosidade me enchem de orgulho. Está indo, sozinha, não para morar, mas viver, um ano na Itália, um dos lugares mais lindos deste belo e louco mundo. Mais precisamente em uma cidade que nem cidade é; a “comuna” de Mercato San Severino, perto de Nápoles, perto de Salerno, perto do longe de nós.
Você já foi e está passeando, fazendo hora, em Aparecida do Norte e Campos do Jordão, antes de pegar o avião, São Paulo, dia 16. Coisas da tua mãe, minha querida irmã Nívea, que já delira sem você. Você, rumo às mais lindas igrejas e catedrais e ela te aplicando este santuário tão gigante, quanto brega. Tudo bem, mais um incentivo para o exílio.
Como qualquer bom tio, quisera eu ter te presenteado, com mil euros! Mas se eu tivesse 999 euros, te levaria até Roma e depois ficava por lá, vendendo meu corpinho nos arrabaldes do Coliseu, da Via Appia ou do Trastevere.
Pelas regras do intercâmbio, em casa de família, você só poderá receber visitas familiares depois de sete meses, o que me é deveras conveniente, por dois motivos. O primeiro; já fiz as contas, é que será primavera, sempre a melhor estação na Europa, fora o verão, outono e inverno. O segundo motivo é ter seis meses para economizar e te visitar. Como não tenho o que economizar, usarei o exemplo dos pais do Woody Allen, quando ele passou um fim de semana fora de casa: alugar teu quarto e vender tuas coisas, beleza?
Por falar em família, qualquer problema aí, me avise aqui. Tenho uns amigos em Nápoles, Palermo e Corleone que me devem uns favores…
Mas agora, vou falar (mais) sério, o que não é minha especialidade.
Pequena retrospectiva, com muita perspectiva. Quando você era um projeto de gente, escrevi uma crônica de Natal sobre tuas peripécias. Modéstia às favas; recomendo a todos. O título é “Cowboys, Anjos e Ferozes Carrosséis”. Está no site do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, do dia 29 de um dezembro dourado de 2005. Separei alguns trechos.
“Quase com dois anos, minha sobrinha, Maria Fernanda, está cada vez mais linda e inteligente”.
Entre 1001 presentes, “um DVD para Maria Fernanda, que não sabe a diferença entre um CD e um urubu azul voando na América do Sul… ‘Toquinho no Mundo da Criança’”.
“Maria Fernanda atômica, indomável, sorridente, gritante, feliz como uma criança de um ano e 11 meses. Divertia-se mais com as embalagens do que os presentes; pulando, caindo; falando seu irresistível e, para mim, incompreensível idioma: o ‘bebês’”.
“Maria Fernanda ria, agitava os braços, dançava, rodopiava, gritava e caía sentada. Eu, paralisado. A primeira canção era “O Caderno”, de Toquinho e Mutinho”.
“Conta a história do caderno companheiro e amigo inseparável de uma menina: ‘Sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco até o be-abá … Serei sempre seu confidente fiel se seu pranto molhar o meu papel … Sou eu que vou ser seu amigo, vou lhe dar abrigo se você quiser, quando surgirem seus primeiros raios de mulher. A vida se abrirá num feroz carrossel e você vai rasgar o meu papel’. Mais lindo foi ver Maria Fernanda longe da realidade desses versos. Maria Fernanda está longe de viver a vida da menina do Caderno”.
Pois é, Maria Fernanda, o longe chegou.
Em 2005, tuas mãozinhas de feltro, papel e lápis serviam apenas pra rabiscar a mais legítima arte contemporânea. Chorava com dor de ouvido e não por motivos “seríssimos”, como o primeiro pé na bunda, o segundo amor não correspondido, a perda eterna do amor infinito que não durou. Estava a meses-luz de seus primeiros raios de mulher e das aflições do sexo. Não sabia o que é feroz, nem carrossel; que a vida e o tempo não param, mas acabam quando deveriam estar apenas começando.
Eu, tio bobo, com meus três tristes tigres, só desejava que Maria Fernanda vivesse ao máximo sua Casa de Brinquedos, em seu Mundo Encantado, País de Maravilhas. Desejava que seu carrossel não fosse tão feroz quanto o meu; mesmo que a vida siga sempre em frente, o que se há de fazer!
Dia 9, ao te abraçar e desejar boa viagem, sem chorar, impossível não lembrar que, há 40 anos, com apenas um ano a mais, fiz a mesma coisa, mas na França.
Quase a mesma coisa porque você já está me superando. Meu intercâmbio era de meros dois meses, que depois, sozinho, estiquei para quatro. O que me levou até a Grécia, passando, claro, de trem, por Roma, Nápoles, Siracusa; até voltar a Paris via Atenas, a antiga Iugoslávia, Bruxelas e finalmente Brasil. Nunca usei, só tirei, mas a primeira viagem é como o primeiro soutien…
Dois; quatro meses que me forjaram para sempre, a famosa picada da mosquinha azul das viagens…
Maria Fernanda, não olhe para trás. Vamos ficar bem. Prometo tomar conta da tua avó, da tua mãe e da Tia Didi. Fique tranqüila e “beba o mundo feito Coca-Cola”. Melhor, vinho, com moderação.
Você vai sentir uma dor de Camões, chorar; sem conseguir explicar o que é saudade. Em francês é “nostalgie”, em italiano, deve ser algo parecido.
Você vai sentir falta de casa e das mordomias que tua mãe te deu. Vai se sentir sozinha, mas não desista. A língua, uma dificuldade que passará voando. Mas aproveite cada segundo que equivale a um mês aqui, no mínimo.
Pense em teus tataravós, Geny e Rômolo Stefani, que saíram da Toscana, no início do século passado. Não falavam uma palavra de português e mesmo assim, buscaram uma vida melhor no Brasil, Inocentes! Sabiam de nada…
A Itália era uma zona. Era? Não sei quem disse que a Itália, com toda sua bagunça, deu ao mundo os maiores gênios, da Arte à Ciência, passando pelo resto de tudo. Enquanto a Suíça, com toda ordem e progresso, com o que contribuiu? O chato do Godard, relógios, chocolates de cacau alheio e suspeitas contas bancárias.
Se bem que, meu escultor favorito, Alberto Giacometti era suíço. Mas veja o nome dele… Mais italiano; impossível. E tem o Blaise Cendrars também. Exceções que confirmam a regra três.
E neste país maravilhoso, que todos deveriam conhecer antes de viver, você vai se superar e aprender que, “a verdadeira viagem não é descobrir uma nova terra, mas mudar, trocar, ganhar; ter um novo olhar”, sobre tudo, a começar pelo Brasil.
Enquanto te esperamos, aprenda, pergunte, veja, ouça, escreva, contemple, admire e fale, inclusive com as mãos, claro.
Não é vingança (vendetta), mas revanche. Supere teus antepassados e, claro, teu tio favorito, kkkkkkk. Você vai, enfim, entender, com carinho e muito desconto; Barbacena, o Brasil, o ravióli da tua avó Cléa e tua família, dramática como uma ópera.
Cuidado com os vulcões, terremotos e “canaglias” como eu e teu pai… Qualquer problema aí, me avise aqui. Tenho uns amigos em Nápoles, Palermo e Corleone que me devem uns favores…
Peço-te perdão por não ter te levado muito a sério, até hoje. No filme “Indiana Jones e a Última Cruzada”, Harrison Ford cobra do pai (Sean Connery) a atenção nunca recebida, quando criança. O pai responde: “Quando você ficou interessante, foi embora…”. “Capisce”?
Por isso, repito. Prometo te visitar, nem que seja numa jangada da Ferrari. Mas, agora, quem vai aprender sou eu. Quero te ver “em Roma, com os romanos”. E as lindas romanas, claro. Te passo a tocha olímpica. E você me apresentará Capri, onde, em homenagem à Danuza Leão, teremos “Champagne per brindare un incontro”. Melhor, reencontro, com o Peppino di Capri.
Por falar em Peppino, eu que parei em Pavarotti, João Gilberto cantando “Estate”; Lucio Dalla e Paolo Conte, quero que você me aplique música italiana do Século 21. Sertaneja não será; graças a Deus!
Quero, com você, aula de História e de futuro. Vou te rever mais bonita, forte, feliz e inteligente. Domando o Carrossel!
“Ferdinanda, Tugúrio, Patia” (não, não vou entregar teus apelidos aqui, em público, fica fria). Maria Fernanda! Tudo de ótimo e perfeito para você. Agora é a tua vez. Tentei e cheguei bem perto dos meus sonhos, tão perto que senti até o perfume deles. Termine o “trabalho” que comecei. E, como naquela música do Ivan Lins, quando você colher os frutos, diga o gosto pra mim.
Um “bacio” enorme do Tio Wutin, que te ama muito, mas tem a boba mania de mostrar a bunda, pra esconder o coração.
PS: Nunca deixe de lembrar, de sonhar e, principalmente, de fazer.
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.