19 de abril de 2024
Sylvia Belinky

Um celular emprestado

Outro dia parei para pensar em como o advento do celular modificou todas as relações entre as pessoas.
Hoje, é o impensável imaginar alguém que não tenha e que não use um. Claro que há casos emblemáticos como o de Antonio Fagundes, que não tem e faz questão de permanecer sem, está sempre lendo ou curtindo coisas; sempre, sem celular… É claro que quem quiser falar com ele deve saber como chegar perto, oferecer um papel na novela…
Com ele não aconteceria a tremenda saia justa pela qual passei porque meu celular ficou sem bateria e eu, sem carteira, precisava que meu marido viesse me buscar onde eu estava e… Vocês não têm ideia do constrangimento que é pedir um celular emprestado… É (quase) como pedir uma calcinha emprestada a alguém desconhecida, ou a escova de dentes da criatura, no meio da escovação…
A gente se sente invadindo a vida da outra pessoa, como que pedindo pra ler os segredos dela com o marido – dela ou de outra, tanto faz … Fora o tempo que você leva avaliando quem poderia emprestar, sem ser um mico inominável – que seja só um mico, sem ser inominável, já que, mico? Será sempre!!

Quem sabe aquela mocinha… não, ela está digitando tão freneticamente que não vai dar para interromper assim, sem mais nem menos… Ou, quem sabe, aquele cara… Xiiii, vai pensar que estou achando um jeito de paquerá-lo, que quero algo mais do que simplesmente falar no celular… dele!!
Na vez em que tive que pedir emprestado, antes fui pedir emprestado na farmácia, explicar que “vou falar rapidinho, é só porque estou sem bateria e preciso…” Resposta: “Moça, não vai dar, o telefone é só para uso interno…”
Ai, caramba, saio da farmácia e fico assuntando todos que passam na rua com um celular (carregado, claro, já que ninguém vai fazer como eu, que saio com o meu que descarrega no caminho). Vejo um senhor e chego perto pra pedir – mas, ele me vê e esconde o celular: ele pensou que eu fosse ver o que ele estava digitando… ou que fosse roubá-lo! Gente!! E agora?! O que vou fazer?
E, finalmente, junto coragem e peço para… um motorista de táxi, que sorriu pra mim quando fui chegando, imediatamente abrindo a porta do carro… Mais do que depressa, peço desculpas, explico que estou sem celular, sem dinheiro, e ele logo faz uma cara de quem acha que vou pedir dinheiro emprestado, ou uma “contribuição”…
Consegui explicar que era só para dizer “Vem me buscar” e que ia ter que dizer onde, mas quando o marido viesse ele acertaria e… Será que consigo falar dele “a cobrar”? Qual é a sua operadora?… E a coisa ficando mais íntima, cheia de perguntas…

O motorista emprestou! “Vem me buscar” “Tô aqui, no metrô”. “Tô sem celular” “E sem grana!” “Rápido!” Desligo e sinto que devo muito mais do que jamais poderei pagar a esse sujeito fantástico!!… Uuuuuuuffffffaaaaa…

Sylvia Marcia Belinky

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

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