O partido entende que a economia é um moleque travesso.
Entre os eixos básicos de seu programa de governo, apresentados por Fernando Haddad na semana passada, o PT incluiu uma tributação progressiva do spread bancário – a diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro,
É bem típico do PT.
Para o PT, os mercados, a composição dos preços dos bens e dos serviços, a lei da oferta e da procura, a inflação, os juros, tudo, enfim, que se relaciona à economia, é como um moleque malcriado.
Ele, o PT, sabe como domar o moleque. Ele, o PT, tem a absoluta certeza de que, com uns sermões, alguns castigos, uma porradinha aqui e ali, o moleque aprende a se comportar direitinho, e passa a obedecer à vontade dos governantes petistas.
Vimos isso durante o governo dos Trapalhões. Com Dilma, Mantega, Arno Augustin, Luciano Coutinho et caterva, o governo petista tentou segurar os juros na marra. Achavam que, com umas pauladas do Banco Central na cabeça, o moleque juros ficaria quietinho no seu cantinho.
Metida a entender de energia, a Trapalhona Em Chefa botou na cabeça que, com uns corretivos, a cara feia e a voz grossa, daria um jeito no moleque tarifas. O setor elétrico brasileiro vai demorar muitos anos para se recuperar da desorganização em que aquela senhora o meteu.
Fez a mesma coisa com os preços dos derivados de petróleo. A Petrobras, que já vinha sendo vítima da maior roubalheira da História da humanidade, perdeu com isso mais alguns bilhões de reais.
Pessoas de inteligência normal costumam aprender com seus erros. Ah, mas não os petistas!
Aí estão eles de novo, anunciando que, se eleitos, vão dar uns tapas na cara do spread para ver se ele aprende a deixar de ser besta.
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Como explica Miriam Leitão, com paciência, em artigo em O Globo da terça, 31/7:
“O choque que ele (Fernando Haddad) propõe é aumentar os tributos para os spreads altos e reduzir para os mais baixos. Se os impostos forem aumentados para as taxas mais altas, elas ficarão ainda maiores porque os bancos vão repassar, como sempre, o custo para o tomador do dinheiro ou toda a sua rede de clientes. Se reduzirem os impostos para os juros baixarem, isso seria na prática subsidiar o crédito bancário. E ele volta a falar em usar Banco do Brasil e Caixa para reduzir o custo dos financiamentos. Já foi feito no governo petista e deu errado.”
Não é complicadérrimo. Não é sânscrito, nem física quântica. Na verdade, é até simples – só os economistas do PT é que não entendem.
E Miriam Leitão prossegue:
“O que complica a vida de Haddad é o fato de o PT ter governado o país durante 13 anos, quatro meses e 11 dias. Para dizer que há 60 milhões de pessoas com cadastro negativo, tem que esquecer que era esse mesmo o número quando o partido deixou o poder. Quando diz que o programa prevê taxação de dividendos, imposto sobre herança, maior progressividade no sistema tributário, ele repete o que estão dizendo outros candidatos, mas precisa explicar por que isso não foi feito antes. (…)
“Quando Haddad critica os problemas econômicos atuais ele tem que apostar que ninguém se lembrará de que a crise começou no governo do próprio PT e não foi devido ao ex-ministro Joaquim Levy, como ele disse. O déficit público e a recessão começaram no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Haddad disse ao Valor que as agências reguladores foram ‘capturadas’. Sim, foram, mas não agora. O processo avassalador de escolha de indicados políticos para esses órgãos é dos governos petistas.”
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Na mesma terça, 31/7 desse artigo de Míriam Leitão. a economista Ana Carla Abrão publicou um texto arrasador no Estadão sobre exatamente essa questão.
Diz a economista:
“A par da esdrúxula idéia de batizar um programa retrógrado de choque de liberalismo e das óbvias intervenções e regulações autoritárias, foi com a proposta de uma criativa tributação progressiva do spread bancário que o programa violentou, ao mesmo tempo, o entendimento do problema e os conceitos básicos de economia.”
A proposta, resume ela, “é totalmente equivocada” – e, se posta em prática, levaria a uma redução dos volumes de crédito.
Também com muita paciência, Ana Carla Abrão dá explicações sobre o spread bancário, sua formação, para demonstrar que “a proposta petista erra duas vezes”.
“É no fator risco de crédito – esse sim particular, que se assenta a explicação para que se observe spreads maiores ou menores. São questões vinculadas à avaliação de risco; à probabilidade de inadimplência; à qualidade da garantia e à capacidade de recuperação do crédito que definem se o spread de uma operação será maior ou menor do que da outra. Essas são as bases do fundamental e necessário papel de seleção que os bancos devem exercer para que o mercado de crédito fomente o desenvolvimento e o bem-estar. É isso que permite que pequenos negócios e indivíduos com pior avaliação de risco tenham acesso a crédito.
“A proposta, ao ignorar a natureza da questão, comete então o segundo erro ao apresentar uma solução cujo resultado piora o problema ao invés de solucioná-lo. Com a tributação ‘democrática’, um eventual presidente petista conseguiria a proeza, levando-se em conta o já conhecido voluntarismo de descolar os preços dos seus fatores de custo (risco, em se tratando de crédito), de reduzir a oferta de crédito. Ou seja, a solução genial apresentada pelo ex-ministro da educação, mestre em economia, levaria à redução dos volumes de crédito.”
E põe os pingos nos is mais uma vez: “A discussão sobre a redução do custo do crédito no Brasil tem de partir, portanto, dos conceitos certos e não da retórica populista.”
A economista não deixa por menos:
“Há uma linha que não se pode cruzar, que é a da desonestidade intelectual que permite defender soluções erradas, cuja retórica possa eventualmente cativar. Vivemos isso nas eleições de 2014. A não ser que estejamos diante de um caso de desconhecimento das leis básicas de economia, o PT parece dobrar a aposta nessa estratégia.”
Abaixo, as íntegras dos dois artigos que reduzem as propostas petistas ao que elas são: poeira do cocô do cavalo do bandido. Ou pior que isso, como diz Ana Carla Abrão: um caso puro e simples de desonestidade intelectual.
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O PT esquece que governou
Por Míriam Leitão, O Globo, 31/7/2018
O PT nesta eleição tem muitos dilemas. O mais importante, claro, é saber quem será candidato e em que momento o partido sairá do processo de negação para encarar a realidade. O coordenador do programa do PT Fernando Haddad cometeu ato falho, ao falar que “se” Lula fosse candidato toda a esquerda estaria em torno do ex-presidente. Definida a candidatura viável, o partido terá que olhar para a própria experiência, de erros e acertos, e parar de fingir que concorre pela primeira vez “contra tudo isso que está aí”.
Nas suas entrevistas, Haddad tem esboçado um programa cheio de confusões que um economista não deveria fazer. É como se o PT não aprendesse nem com seus acertos. Ao assumir em 2003, o partido fez uma mudança importante e deixou de lado demagogias para entender que era preciso manter as bases do Plano Real, que colocara fim ao longo tormento hiperinflacionário.
O então ministro Antonio Palocci escolheu uma equipe competente, e Lula buscou no partido adversário o presidente do Banco Central. O governo elevou a meta de déficit primário, fortaleceu o sistema de metas de inflação e câmbio flutuante. Confirmou o tripé. Os índices de preços caíram, os temores se dissiparam e o partido levou o país a um período de prosperidade com políticas mais fortes de inclusão social. É essa a origem do bom recall do ex-presidente.
Depois disso, o PT considerou que era hora de implantar as suas ideias. Foi a era Guido Mantega. Inventou a nova matriz, deixou a inflação subir, manipulou dados fiscais e tomou uma série de decisões desastradas que levaram o país à recessão. Houve duas políticas econômicas, a segunda deu errado. Agora o dilema é como usar esta experiência e manter um discurso que atraia seu eleitor e ao mesmo tempo convença outras parcelas do eleitorado.
Fernando Haddad defendeu recentemente em entrevista ao Valor o que chamou de um “choque liberal” contra os elevados spreads bancários. Ele criticou a concentração do setor, mas ela se aprofundou a partir de 2008. Os quatro maiores bancos tinham 58% dos ativos bancários e quando Dilma saiu eles tinham 78%. Nada foi feito contra essa tendência no período. O choque que ele propõe é aumentar os tributos para os spreads altos e reduzir para os mais baixos. Se os impostos forem aumentados para as taxas mais altas, elas ficarão ainda maiores porque os bancos vão repassar, como sempre, o custo para o tomador do dinheiro ou toda a sua rede de clientes. Se reduzirem os impostos para os juros baixarem, isso seria na prática subsidiar o crédito bancário. E ele volta a falar em usar Banco do Brasil e Caixa para reduzir o custo dos financiamentos. Já foi feito no governo petista e deu errado.
O que complica a vida de Haddad é o fato de o PT ter governado o país durante 13 anos, quatro meses e 11 dias. Para dizer que há 60 milhões de pessoas com cadastro negativo, tem que esquecer que era esse mesmo o número quando o partido deixou o poder. Quando diz que o programa prevê taxação de dividendos, imposto sobre herança, maior progressividade no sistema tributário, ele repete o que estão dizendo outros candidatos, mas precisa explicar por que isso não foi feito antes. Além do mais, ele propõe, segundo disse ao Valor na semana passada, que será “acompanhado de redução da carga sobre pessoa jurídica”. Acabará dando no mesmo resultado do ponto de vista da arrecadação. É apenas uma forma diferente de cobrar.
Quando Haddad critica os problemas econômicos atuais ele tem que apostar que ninguém se lembrará de que a crise começou no governo do próprio PT e não foi devido ao ex-ministro Joaquim Levy, como ele disse. O déficit público e a recessão começaram no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Haddad disse ao “Valor” que as agências reguladores foram “capturadas”. Sim, foram, mas não agora. O processo avassalador de escolha de indicados políticos para esses órgãos é dos governos petistas.
O PT tenta encontrar algum discurso radical, que agrade à militância, mas para isso é necessário esquecer o que ele fez quando esteve no poder. Haddad criticou o fato de o Comperj e Abreu e Lima estarem parados, mas esses dois investimentos foram superfaturados, usados para o pagamento de propina, produziram um volume enorme de prejuízo para a Petrobras. Há pontos que são apenas do governo Temer, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Mas a maioria das nossas aflições econômicas começou na administração petista. E ele finge não saber.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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Desconhecimento ou desonestidade?
Ana Carla Abrão, Estadão, 31/7/2018
O Partido dos Trabalhadores apresentou, na última semana, os eixos do seu programa de governo. A par da esdrúxula ideia de batizar um programa retrógrado de choque de liberalismo e das óbvias intervenções e regulações autoritárias, foi com a proposta de uma criativa tributação progressiva do spread bancário que o programa violentou, ao mesmo tempo, o entendimento do problema e os conceitos básicos de economia.
A proposta apresentada pelo coordenador do programa, o ex-prefeito Fernando Haddad, de penalizar via tributação os spreads altos e incentivar via tributação mais branda os spreads baixos, é totalmente equivocada.
Spread é tema complexo. Afirmo isso com base em experiência. Fiz meu doutorado em Economia com foco no assunto, pesquisei e trabalhei com o tema no Banco Central (BC) e atuei por mais de uma década – e em distintas posições – nas discussões e agendas de redução do spread bancário no Brasil. Mas não é necessário tanto para entender que a proposta petista erra duas vezes. Bastam bom senso e alguma pesquisa sobre o tema.
O spread é formado por componentes de custos e de rentabilidade. Desde o custo de captação até fatores como reservas compulsórias, despesas administrativas, custos regulatórios, estrutura de mercado e tributação, todos são fatores gerais que afetam o spread na sua base e, a par de um ou outro aspecto menos relevante, têm impacto de forma mais ou menos uniforme em todos os tipos de crédito. Tributação, além de ser um fator geral, se destaca pela sua relevância no Brasil, respondendo por 14% do spread, conforme cálculo do Bacen divulgado no último Relatório de Estabilidade Financeira.
Mas, ao contrário dos fatores gerais, é no fator risco de crédito – esse sim particular, que se assenta a explicação para que se observe spreads maiores ou menores. São questões vinculadas à avaliação de risco; à probabilidade de inadimplência; à qualidade da garantia e à capacidade de recuperação do crédito que definem se o spread de uma operação será maior ou menor do que da outra. Essas são as bases do fundamental e necessário papel de seleção que os bancos devem exercer para que o mercado de crédito fomente o desenvolvimento e o bem-estar. É isso que permite que pequenos negócios e indivíduos com pior avaliação de risco tenham acesso a crédito.
A proposta, ao ignorar a natureza da questão, comete então o segundo erro ao apresentar uma solução cujo resultado piora o problema ao invés de solucioná-lo. Com a tributação “democrática”, um eventual presidente petista conseguiria a proeza, levando-se em conta o já conhecido voluntarismo de descolar os preços dos seus fatores de custo (risco, em se tratando de crédito), de reduzir a oferta de crédito. Ou seja, a solução genial apresentada pelo ex-ministro da educação, mestre em economia, levaria à redução dos volumes de crédito.
A discussão sobre a redução do custo do crédito no Brasil tem de partir, portanto, dos conceitos certos e não da retórica populista. Há que se melhorar o ambiente de negócios para reduzir custos e atrair novos participantes, incentivar a inovação, ampliar o acesso à informação fomentando a competição – e haveria também que se reduzir a cunha tributária sobre a intermediação financeira, não fosse nossa penúria fiscal.
Colocar uma proposta de taxar o crédito e vendê-la com o verniz de tributar (ou incentivar) bancos é equivocado. O resultado desse discurso envernizado será, necessariamente, a redução da oferta de crédito, penalizando principalmente as pequenas empresas e a população de baixa renda, onde a assimetria de informação – e também o risco, são maiores.
É fundamental entender o que está por trás das propostas que surgem e ressoam com a proximidade das eleições. Mas há uma linha que não se pode cruzar, que é a da desonestidade intelectual que permite defender soluções erradas, cuja retórica possa eventualmente cativar. Vivemos isso nas eleições de 2014. A não ser que estejamos diante de um caso de desconhecimento das leis básicas de economia, o PT parece dobrar a aposta nessa estratégia. Deixo para o leitor a generosidade de conceder-lhes o benefício da dúvida.
(Ana Carla Abrão é economista e sócia da consultoria Oliver Wyman.)
Sergio Vaz
O PT insiste em estapear a economia
- Por O Boletim
- 1 de agosto de 2018
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