Os lobos perderam a batalha. Mas há muita guerra à frente.
Na madrugada da quarta-feira, 4/4, postei um texto garantindo que o Supremo Tribunal Federal concederia o habeas corpus a Lula. Errei redondamente.
Na madrugada da sexta, 6/4, postei um texto garantindo que Lula deveria se entregar à Polícia Federal em Curitiba até às 17 horas, exatamente conforme determinou em sua sentença o juiz Sérgio Moro. Errei redondamente.
Neste último caso, foi simplesmente um erro de avaliação. No momento em que escrevia, finalzinho da noite da quinta, 5/4, Lula ainda estava no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo, juntamente com diversas lideranças do PT e alguns de seus advogados. O PT defendia que ele não se entregasse, que resistisse, porque seria politicamente mais vantajoso, enquanto os advogados, ao contrário, achavam que ele deveria sim, se entregar.
Errei: não soube fazer uma avaliação correta. Pensei que a lógica dos advogados iria se sobrepor à postura política radical de se opor a uma ordem da Justiça. Erro crasso: é claro que o PT prefere insistir em fazer de Lula um mártir.
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Já no caso do julgamento do habeas corpus, errei, sim, redondamente – mas errei junto com a maioria dos analistas políticos, mais as torcidas do Corinthians, do Flamengo, do Atlético Mineiro e de mais um bando de times.
Na madrugada da quarta, a expectativa geral era de que o STF concederia o habeas corpus a Lula por 6 a votos a 5. E sabia-se a escalação dos batedores de pênalti de cada lado.
Do lado dos que defendem que a Justiça seja feita após julgamentos nas duas instâncias que julgam os fatos, o caso em si, o mérito, votariam Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Carmen Lúcia.
Do lado dos que acham que tem que deixar o criminoso solto até que daqui a 20, 30, 40 anos o crime já tenha sido prescrito chutariam, perdão, votariam os conhecidos de sempre: Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e – por ter aí a oportunidade de votar de acordo com sua consciência, também a ministra Rosa Weber.
Rosa Weber, a única ministra do atual STF que não dá entrevistas, não adora ouvir o som da sua própria voz na TV, e só se pronuncia nos autos, surpreendeu: votou contra sua opinião pessoal, em respeito à posição assumida pelo colegiado quando discutiu o mérito da questão da prisão ou não após a segunda instância.
Rosa Weber me surpreendeu – e, na menor de todas as consequências de seu voto, tornou ridículo meu texto escrito poucas horas antes.
Mas ela não surpreendeu só a mim. Surpreendeu, a rigor, a quase todo o país.
Surpreendeu os petistas todos. Assim que Rosa Weber acabou de votar, os manifestantes lulo-petistas reunidos nas proximidades da Praça dos 3 Poderes começaram a se dispersar. Até no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo e em suas imediações, onde se concentravam lideranças e militantes, a dispersão começou exatamente após o voto da ministra (que, como todos sabem, foi indicada por Dilma Rousseff).
Rosa Weber surpreendeu quase o país inteiro – e, no entanto, foi de uma coerência magnífica, maravilhosa, majestosa.
Ela, pessoalmente, é contra a possibilidade de prisão após decisão em segunda instância. Ela defende que a prisão só pode ser autorizada após o tal do “transitado em julgado” – o instituto que garante liberdade a todos os criminosos que podem pagar bons advogados, somente acessível e usado pelo topo da pirâmide social. O instituto que, como muitíssimo bem lembrou com diversos exemplos o ministro Barroso, torna a Justiça brasileira lenta, inoperante, injusta – e faz com que os brasileiros não acreditem nela.
No entanto, Rosa Weber segue fielmente a decisão do colegiado – e a última decisão do colegiado, no segundo semestre de 2016, nem sequer dois anos atrás, foi de que as prisões após decisão em segunda instância podem ser autorizadas.
Por isso, em nome da fidelidade ao princípio do respeito às decisões colegiadas, Rosa Weber votou contra o habeas corpus a Lula.
Como fidelidade a princípios é algo raro, cada vez mais raro, no país como um todo e em Brasília em especial, a decisão da ministra surpreendeu.
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Triste país em que a fidelidade a princípios surpreende.
No país que foi durante 13 anos, 4 meses e 12 dias governado pelo partido do coronel-chefão que se orgulha de ser uma metamorfose ambulante, de negar hoje o que afirmou ontem, e afirmar amanhã o que havia negado anteontem, o que não surpreende é o fato de Gilmar Mendes mudar de ideia três vezes no curto espaço de nove anos.
Em 2009, Gilmar Mendes balançou as beiçolas para defender o “trânsito em julgado”, o direito de os criminosos ricos apelarem ad eternum, ad nauseam, até as calendas gregas: “Execução antecipada atenta contra ideia de dignidade humana”, pronunciou.
Bom dia, Gilmar diz – e logo se contradiz.
Em 2016, na votação que estabeleceu o entendimento em vigor até hoje (e que, de resto, sempre havia sido o entendimento no Brasil, e é o entendimento em 193 dos 194 países da ONU), Gilmar fez parte do grupo vencedor, do grupo dos 6 votos que estabeleceram a jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância: “O trânsito em julgado permite transformar o sistema num sistema de impunidade”.
Nesta quarta-feira, 4/4, defendeu o oposto do que havia defendido menos de dois anos antes: “Prisões (após segunda instância) empoderam um estamento que já está por demais empoderado, o dos procuradores e juízes”.
Mudar de opinião não é crime. De forma alguma.
Oscilar, balançar de um lado para outro, ir e vir sem parar, seguindo o que sopram as necessidades do momento, isso é falta de caráter, de dignidade. Dos atributos mínimos exigidos a um juiz de primeira instância – quanto mais a um da Corte Suprema.
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Se Lula for de fato preso – e deverá ser -, e permanecer preso por algum tempo – o que é uma possibilidade remota -, teremos motivos para comemorar.
Só que seria bom comemorar logo, rapidamente. Porque alegria de brasileiro do bem dura pouco. Cai como uma lágrima de amor, para citar Vinicius.
Os lobos perderam a batalha na quarta-feira, mas estão afiando as garras, reunindo forças, enriquecendo o arsenal de falácias, chicanas, sofismas, lorotas, fatuidades, embustes, fraudes, logros, tudo embalado em latinório rebuscado, para garantir que os criminosos ricos possam continuar impunes para todo o sempre. 6/4/2018, 14h30.
5 e 6/4/2018 A foto é de Pedro Ladeira/Folha Press. A arte, não consegui saber o nome do autor.
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