De: Carlos Diegues, Brasil, 1980.
Nota: ★★★★
Bye Bye Brasil é uma beleza, uma maravilha,
O filme de Cacá Diegues faz o espectador mergulhar de cabeça no Brasil profundo, enfiar-se, chafurdar-se no coração deste país gigantesco demais, sem jeito demais, eternamente promessa de um futuro que jamais chega.
Realizado e lançado ainda durante a ditadura militar, é dedicado – como mostra o letreiro que o encerra, após 100 minutos de belo cinema – “Ao povo brasileiro do século XXI”.
Na época, Cacá Diegues enfatizou: “O filme é sobretudo sobre as coisas que estão nascendo e as coisas que estão acabando no Brasil”.
Rever Bye Bye Brasil agora, 38 anos, um fim de ditadura, uma Constituição e sete eleições presidenciais depois de seu lançamento em 1980, mexe muito com a gente. Mexe profundamente.
Tanta coisa nasceu, tanta coisa acabou, ao longo destas quatro décadas – e, no entanto, tanta coisa continuou tão parecida com a realidade que Bye Bye Brasil mostra.
A Caravana Rolidei apresentava seus números fuleiros de magia, dança, força…
É sobretudo um grande filme.
Mostra as aventuras e desventuras de uma trupe de artistas mambembe que percorre o interiorzão do país para apresentar seus números fuleiros de magia, dança, força, encantamento, distração. A trupe se dá o nome de Caranava Rolidei, e é formada originalmente por apenas três pessoas. Temos o Lorde Cigano, o líder, o mestre de cerimônias, o mágico – o papel de José Wilker. Temos Salomé, a artista “internacional”, vinda das ilhas do Caribe, dançarina de rumba – o papel de Betty Faria. E Andorinha, um negro gigantesco, forte, engolidor de fogo, entortecedor de barra de ferro, campeão de queda de braço, motorista do caminhão da trupe – o papel de Príncipe Nabor.
Na primeira cidade que a trupe visita, no início da ação, às margens do Rio São Francisco, deixa absolutamente fascinado o sertanejo e tocador de sanfona Ciço – o papel de Fábio Jr. Ciço pede, suplica ao Lorde Cigano para se unir ao grupo. E consegue: sobem no caminhão ele e sua mulher Dasdô – o papel de Zaira Zambelli –, grávida de um monte de meses, barrigão imenso. E a Caravana Rolidei parte para mais uma de suas emocionantes aventuras.
(A frase logo acima é uma private joke, uma piadinha interna. Desde 1980, quando vimos o filme, a cada vez que vou fazer uma viagem, por menor que seja, virou costume, tradição, dizer isso: E a Caravana Rolidei parte para mais uma de suas emocionantes aventuras.)
As aventuras da Caravana Rolidei estavam ficando menos e menos emocionantes, naquele início de filme, porque Lorde Cigano, a bela Salomé e forte Andorinha estavam tendo plateias cada vez menores, mesmo nas pequenas cidades perdidas do sertão do Nordeste, por causa da chegada de um competidor poderosíssimo: a televisão.
Cidade com espinha de peixe – o jeito com que Lorde Cigano chama as antenas de TV – era garantia de audiência pequena para os truques circenses dele e de Andorinha e a beleza de Salomé, incapazes de competir com as imagens mesmerizantes que passavam a sair dos aparelhos de TV que os prefeitos instalavam na praça central das pequeninas cidades.
Lorde Cigano cai no conto do caminhoneiro de que Altamira é o Eldorado
O filme acompanha a Caravana Rolidei desde o sertão, às margens do Rio São Francisco, até uma passagem por Maceió e um trecho do litoral alagoano, e depois numa longa travessia até a Transamazônica, até Altamira, a cidade que é descrita a Lorde Cigano por um caminhoneiro como o novo Eldorado brasileiro, um lugar onde os abacaxis são grandes que nem jacas, e todo mundo é cheio de dinheiro que ganha com minérios e mais minérios.
O caminhoneiro é interpretado, numa participação especial, por Carlos Kroeber, o grande ator mineiro de teatro e de TV.
Inteligente, safo, esperto, Lorde Cigano demonstra-se ali também ingênuo. Acredita no conto do Eldorado contado pelo caminhoneiro, e decide ir com a Caravana Rolidei para Altamira.
A passagem pelo litoral alagoano serve para que Ciço conheça o mar, desejo profundo que ele já havia expressado. A escolha de Alagoas para que Ciço conheça o mar, e fique sabendo, pelo Lorde Cigano, que lá do outro lado fica a África, não é despropositada, à toa. Cacá Diegues é alagoano de Maceió, de onde saiu criança quando a família se mudou para o Rio de Janeiro.
Naturalmente, haverá aventuras também internas, entre eles, entre os participantes da pequena trupe. O sertanejo sanfoneiro Ciço vai se apaixonar perdidamente por Salomé. E Dasdô, a sertaneja calada, fechada, um tanto enigmática, terá uma aventura com Lorde Cigano. Nada muito estranho. Era final dos anos 70, iniciozinho dos anos 80, os mágicos anos entre a descoberta da pílula e a chegada da aids: todo mundo comia todo mundo mesmo.
O filme pertence a um veio de obras sobre artistas mambembes em viagem
Depois de rever agora Bye Bye Brasil, fiquei pensando que o filme pertence a um veio de obras sobre andanças de grupos mambembes, que inclui diversos musicais americanos dos anos 30 a 50, como, por exemplo, Sangue de Artista/Babes in Arms (1939) e O Mundo da Fantasia/There’s No Business Like Show Business (1954), e também como Mulheres e Luzes/Luci del Varietà (1951), o primeiro filme de Federico Fellini como diretor, dividindo a tarefa com Alberto Lattuada.
Não dá para saber se Cacá Diegues pensou em Mulheres e Luzes quando resolveu escrever a história e o roteiro de Bye Bye Brasil. Claro que ele tinha visto o filme, provavelmente mais de uma vez.
Achei interessante me lembrar dele. Um tem a ver com o outro. Mulheres e Luzes também mostra coisas que estavam nascendo e coisas que estavam acabando na Itália daqueles anos de reconstrução pós-guerra.
José Wilker e Betty Faria estavam no auge do auge, e Fábio Jr. arrasava corações
Deve ter sido uma epopeia filmar Bye Bye Brasil. A equipe percorreu cerca de 16 mil quilômetros, durante 5 meses, passando por 12 cidades em 6 diferentes Estados.
Creio que é necessário registrar, lembrar, que em 1980 José Wilker e Betty Faria estavam no absoluto auge do sucesso, tanto no cinema quanto na TV. Pertenciam à elite da elite, o crème de la crème. Ele vinha da novela Gabriela (1975), Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), o sucesso mais estrondoso do cinema brasileiro até então, e mais Xica da Silva (1976), do próprio Cacá Diegues.
Ela tinha participado de várias das novelas de maior sucesso dos anos 70 – O Bofe (1972), O Espigão (1974), Pecado Capital (1975). Em 1980 estaria também em Água Viva. Havia brilhado em A Estrela Sobe (1974), o belo filme de Bruno Barreto baseado na novela de Marques Rabelo, e tinha tido participação especial em Dona Flor e Seus Dois Maridos.
Foi o primeiro filme de Fábio Jr., mas o rapaz, então novinho (estava com 27 anos em 1980), boa pinta, chegara à TV arrasando corações.
Zaíra Zambelli, que completa o quarteto dos principais atores do filme, também estava em começo de carreira no cinema e na TV. Entre os quatro filmes de que participara antes de Bye Bye Brasil – em papéis bem pequenos –, estava Chuvas de Verão, que Cacá Diegues havia lançado em 1978, com Jofre Soares e Marieta Severo nos principais papéis.
Tanto Jofre quanto Marieta estão em Bye Bye Brasil, em participações especiais. Eu me lembrava bem de Marieta, apesar de ter visto o filme apenas uma vez, segundo as minhas anotações, em abril de 1980, recém-lançado. Ela aparece pouquíssimo, em uma única sequência, já bem para o final, como uma assistente social em Brasília. Mas não me lembrava da participação de Joffre Soares; falo dela um pouco adiante.
Só nomes importantes no elenco e nas equipes
A dupla central de atores no auge do auge da fama, um galã novato chegando com tudo, grandes atores topando fazer pequenas participações especiais. Era natural: Cacá Diegues, já em 1980, estava com tudo e não estava prosa. Era um dos diretores mais respeitados, admirados, reconhecidos do cinema brasileiro. (Um dos que mais admiro, desde sempre, desde que, ainda adolescente, vi A Grande Cidade, de 1966, e Ganga Zumba, de 1963, nessa ordem.)
Podia se dar ao luxo de ter José Wilker e Betty Faria como protagonistas, e Joffre Soares, Marieta Severo e Carlos Kroeber em pequenas participações especiais.
Os nomes que aparecem nos créditos iniciais e nos finais – é tudo um luxo só. Os produtores são Lucy e Luiz Carlos Barreto, o casal que já faz mais de meio século é sinônimo de cinema brasileiro.
O diretor de fotografia é um dos melhores que já houve, Lauro Escorel.
O coreógrafo é Carlos Machado (1908-1992), o Rei da Noite, produtor de espetáculos musicais no formato de teatro de revista, o sujeito que tinha as vedetes mais belas do país em seus shows nos anos 40 e 50.
O primeiro assistente de direção era um jovem filho do casal Barretão e Lucy, Fábio Barreto, que mais tarde dirigiria O Quatrilho (1995). Mais tarde ainda – ninguém é perfeito – dirigiria também Lula, o Filho do Brasil (2009).
Uma trilha sonora impressionante, brilhante, e uma canção extraordinária
Na trilha sonora, então, Bye Bye Brasil excede tudo o que pode ser excedido. A canção título é uma parceria Roberto Menescal (música) e Chico Buarque (letra).
Só por ter dado ensejo a que fosse criada a canção “Bye bye Brasil” o filme Bye Bye Brasil já valeria. O grande poeta estava especialmente inspirado quando criou os versos para a melodia de Menescal. E quantos versos! Quase 70 – é uma das letras mais compridas que Chico Buarque já escreveu. Maior que isso, só Bob Dylan, mas Bob Dylan é outra história, é MIB. Oi, coração Não dá pra falar muito não Espera passar o avião Assim que o inverno passar Eu acho que vou te buscar Aqui tá fazendo calor Deu pane no ventilador Já tem fliperama em Macau Tomei a costeira em Belém do Pará Puseram uma usina no mar Talvez fique ruim pra pescar Meu amor No Tocantins O chefe dos parintintins Vidrou na minha calça Lee Eu vi uns patins pra você Eu vi um Brasil na tevê Capaz de cair um toró Estou me sentindo tão só Oh, tenha dó de mim Pintou uma chance legal Um lance lá na capital Nem tem que ter ginasial Meu amor No Tabariz O som é que nem os Bee Gees Dancei com uma dona infeliz Que tem um tufão nos quadris Tem um japonês trás de mim Eu vou dar um pulo em Manaus Aqui tá quarenta e dois graus O sol nunca mais vai se pôr Eu tenho saudades da nossa canção Saudades de roça e sertão Bom mesmo é ter um caminhão Meu amor Baby, bye bye Abraços na mãe e no pai Eu acho que vou desligar As fichas já vão terminar Eu vou me mandar de trenó Pra Rua do Sol, Maceió Peguei uma doença em Ilhéus Mas já tô quase bom Em março vou pro Ceará Com a benção do meu orixá Eu acho bauxita por lá Meu amor Bye bye, Brasil A última ficha caiu Eu penso em vocês night and day Explica que tá tudo okay Eu só ando dentro da lei Eu quero voltar, podes crer Eu vi um Brasil na tevê Peguei uma doença em Belém Agora já tá tudo bem Mas a ligação tá no fim Tem um japonês trás de mim Aquela aquarela mudou Na estrada peguei uma cor Capaz de cair um toró Estou me sentindo um jiló Eu tenho tesão é no mar Assim que o inverno passar Bateu uma saudade de ti Tô a fim de encarar um siri Com a benção de Nosso Senhor O sol nunca mais vai se pôr
As orquestrações – a não ser que eu esteja enganado – são de Roberto Menescal.
E os temas “tocados” pelo sanfoneiro Ciço na verdade são executados e foram compostos pelo grande Dominguinhos.
Nos créditos iniciais, errinhos de grafia em dois nomes
Nos créditos iniciais, no entanto, é dito que as composições são de Roberto Menescal, Chico Buarque e Dominguinho. Assim, com o sanfoneiro que Luiz Gonzaga abençoou como seu herdeiro reduzido ao singular. Esse detalhinho me chamou a atenção. Diacho: uma produção tão sensacional, um filme tão maravilhoso – não poderiam ter tido mais cuidado nos créditos?
Ainda um detalhinho sobre os créditos iniciais: o nome da atriz está grafado Bety Faria. Assim, com um t só. Dominguinhos sem o s, Betty Faria sem um dos tês. Mas aí, nessa questão específica, talvez não se possa dizer que houve erro. O nome de Elisabeth Maria Silva de Faria, essa bela mulher nascida no Rio de Janeiro em 1941, já apareceu grafado como Bete Faria, Bety Faria e Betty Faria. Dezenas de novelas, dezenas de filmes, dezenas de anos de carreira gloriosa – Betty Faria parece não caber numa grafia só.
A própria grafia do título é controversa. A rigor, a rigor, pelas regras gramaticais, o certo seria Bye, Bye, Brasil. No filme as vírgulas foram jogadas fora – é Bye Bye Brasil mesmo. Tem algum sentido, fala-se sem pausa, direto, como uma coisa só, uma aliteração. O DVD lançado pela Paramount no Brasil traz Bye Bye Brazil, sem vírgulas, mas com Z. (Ah, sim, e traz Betty Faria com dois tês.)
Mas isso são questiúnculas, minudências.
Um filme de grandes momentos, sequências memoráveis, antológicas
Bye Bye Brasil é um filme repleto de grandes momentos.
* A sequência dentro da tenda em que a Caravana Rolidei se apresenta, e o Lorde Cigano diz que vai realizar o grande sonho dos brasileiros: que no Brasil, assim como nos países ricos do mundo, caia neve – e aí cai “neve”, e ouvimos ao fundo Bing Crosby cantar “White Christmas”. É um momento de magia pura.
* O nascimento da filhinha de Dasdô e Ciço, no caminhão da Caravana Rolidei parado no meio da Transamazônica – e o Lorde Cigano anunciando, com aquele jeito eterno dele de mestre de cerimônia de circo mambembe, que a garotinha iria se chamar Altamira – talvez Mirinha, para os íntimos.
* A tomada aérea do caminhão rodando sozinho na Transamazônica deserta, um minúsculo inseto no meio da floresta fechada, enquanto os acordes de “Bye Bye Brasil” em versão grande orquestra ecoam bem alto. Uau, que maravilha de tomada!
* A primeira tomada de Ciço tocando sanfona na boleia do caminhão andando na Transamazônica. Mary diz que a tomada extraordinária faz lembrar a maravilha que é a travessia das drag queens pelo deserto australiano em Priscilla, a Rainha do Deserto (1994).
* A sequência em que, numa cidadezinha miserável, assolada pela seca, Lorde Cigano se encontra com um homem que vai se identificar como Zé da Luz – o papel do grande Joffre Soares. Lorde Cigano nota que ele não é do lugar, e Zé da Luz responde que tem “um negocinho que nem o seu”: ele exibe filmes para a população das pequeninas cidades que nunca tiveram uma sala de cinema. E mostra para Lorde Cigano – e para nós – o início de O Ébrio, que Gilda de Abreu lançou em 1946, com Vicente Celestino.
* Toda a sequência final, em que a nova Caravana Rolidey, com ipissilone, chega para tentar seduzir novamente Ciço e Dasdô. Tudo, tudo, nessa sequência: o caminhão cheio de neon, a cabeleireira de Salomê toda iluminada como era iluminado O Cavaleiro Elétrico de Sydney Pollack do ano anterior, 1979. (Cacá Diegues teria tido tempo de ver o filme de Pollack e copiar a ideia no filme que rodou naquele mesmo ano? Não creio. Foi inspiração dele mesmo, com toda certeza.)
* A tomada em que os índios chegam perto do acampamento da Caravana Rolidei. É um arraso, um absurdo. Cacá Diegues e o diretor de fotografia Eduardo Escorel demonstram que aprenderam as lições que tomaram nos filmes de John Ford, de Serguei Eisenstein. De repente o espectador vê ali no alto da colina, como se estivessem prontos para no minuto seguinte atacar, um grande grupo de índios. Corta, e então vemos o mesmo grupo de índios em tomada bem mais fechada, um travelling em plano americano, a câmara andando suavemente da esquerda para a direita, exatamente como nós escrevemos, da esquerda para a direita, focalizando o grupo de índios – e desta vez vemos suas roupas, seus rostos. Não são índios guerreiros, prontos para no segundo seguinte atacar o comboio de invasores brancos. Não, não, nada disso – são índios absolutamente aculturados, de alma mais branca que a de uma filha de Tafarel com a Xuxa, que usam roupas, adereços, troços, teréns idênticos aos dos brasileiros das grandes cidades todas. O maior desejo da mãe do cacique, que não se desgruda de um grande rádio de pilha, é viajar de avião.
Roger Ebert fala de um momento mágico de cinema, um dos maiores
“Um belo filme nostálgico sobre o fim dos espetáculos ambulantes”, elogia o Guide des Films de Jean Tulard sobre Bye Bye Brésil. “Ao mesmo tempo exuberante e emocionante.”
O livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer diz: “Onde poderia haver só o registro de uma vida patética fadada a definhar, vemos personagens imbuídos de uma fascinação sincera pela ideia do espetáculo. Quando o bufão Lorde Cigano ‘faz nevar no sertão’ ou ‘se comunica com os espíritos’, o filme se aproxima do lirismo felliniano. Mas as quimeras – ver o mar, encontrar o Eldorado na Amazônia – são expressões fiéis da alma brasileira.”
Naquele que foi o guia de filmes mais vendido do mundo, na época em que se vendiam guias de filmes, Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Comédia-drama safada sobre uma trupe de artistas viajantes é na verdade um registro de viagem pelo país, das selvas a cidadezinhas ribeirinhas. Não exatamente o total prazer de Dona Flor and Her Two Husbands, mas ainda assim um dos melhores produtos importados do Brasil.”
Já Roger Ebert, o crítico que tinha imenso prazer em ver filmes, deu a nota máxima, 4 estrelas.
“É raro nos depararmos com verdadeiras grandes imagens de cinema, e nós os guardamos como ricos souvenirs – imagens como Jack Nicholson com o capacete do futebol americano em Easy Rider, o osso se transformando na nave espacial em 2001, o pavão abrindo suas penas na neve em Amarcord e o ataque de helicóptero em Apocalypse Now.
“A essa curta lista de grandes imagens, um filme chamado Bye Bye Brazil adiciona mais uma. Uma pequena, pobre trupe de artistas viajantes está apresentando um show numa cidadezinha brasileira. As pessoas se sentam juntas em um lugar suarento, cheio de fumaça, enquanto o mágico cria por um breve momento a ilusão de que ele e sua audiência são mais sofisticados do que são mesmo. É o momento do clímax da sua apresentação, e ele surge com uma imagem totalmente inesperada por sua audiência, e por nós: Bing Crosby canta ‘White Christmas’ enquanto neva sobre seu público.
“Aquele momento fornece mais que uma imagem. Fornece um balanço sucinto de Bye Bye Brazil, um filme que existe exatamente na falha geológica entre a civilização moderna do Brasil e os remansos calmos de seu interior. O filme mostra o Brasil como uma nação em que a cultura ocidental assimilada pela metade (na forma de Bing Crosby, sistemas públicos, políticos) coexiste com pobreza, superstição, simples sentimentos e o fato permanente da existência da floresta tropical.”
E mais adiante: “O filme nos mostra uma sociedade que a maior parte das audiências americanas nunca viu nos filmes, o mundo de lugarejos bem pequenas do Brasil espalhadas ao longo de estradas que as ligam às demais cidades. A televisão ainda não chegou à maior parte desses lugares. A eletricidade é incerta. Os artistas fornecem mais que música e magia; eles proveem uma ligação com o estilo que é mais fascinante às audiências do que os truques do mágico. As pessoas não pagam tanto para ver o show, mas para se maravilhar diante desses seres estranhos que falam a mesma língua mas poderiam ter vindo de outro planeta”.
Mudou coisa demais, mas em muita coisa o Brasil está igual a 40 anos atrás
O próprio Cacá Diegues dizia, 38 anos atrás, que “o filme é sobretudo sobre as coisas que estão nascendo e as coisas que estão acabando no Brasil”.
Mudou coisa demais, mesmo nos confins mais distantes dos grandes centros urbanos, mesmo no sertão do Nordeste, nas profundezas da Amazônia. Não é exclusividade do Brasil, é claro, é fenômeno planetário, mas o fato é que não existe mais lugar algum em que não haja “espinha de peixe” – ou, em vez dela, as poderosas antenas parabólicas. Altamira, Sinop, Macau, Novo Aripuanã, Alta Floresta – qualquer cidade do Centro-Oeste, do Nordeste, do Norte está ligada em tempo real ao mundo todo. E o narrador da maravilhosa letra de Chico Buarque é hoje um ser de um mundo que morreu para todo o sempre, como os pistoleiros do Velho Oeste americano: hoje ele poderia falar com a namorada o tempo que quisesse, em seu celular. E não teria japonês nenhum atrás dele no orelhão, porque praticamente ninguém mais usa orelhão no pais que tem mais celular do que gente.
Plus ça change, plus c’est la même chose – ou, em brasileiro escorreito que qualquer Ciço do início da narrativa entenderia, quanto mais muda, mais é a mesma merda: quatro décadas depois do início das aventuras da Caravana Rolidei, o Brasil continua campeão mundial de injustiça social, e os partidos políticos continuam comandados por coronéis que exploram a miséria, a falta de educação e a crendice popular para se perpetuar no poder, exatamente como era nos cafundós do sertão do Nordeste quando Vicente Celestino cantava “O Ébrio”.
Algumas coisas não mudam mesmo. Bye Bye Brasil continua um filme tão forte, tão brilhante, quanto era no seu lançamento, ainda nos tempos da ditadura militar e da censura.
E o melhor crítico de cinema do mundo pôs o filme de Cacá Diegues ao lado das obras-primas de Dennis Hopper, Stanley Kubrick, Federico Fellini e Francis Ford Coppola.
Uau! Isso é que é! Sorry, periferia.
Anotação em maio de 2018
Bye Bye Brasil
De Carlos Diegues, Brasil, 1980.
Com José Wilker (Lorde Cigano), Betty Faria (Salomé), Fábio Jr. (Ciço), Zaira Zambelli (Dasdô)
e Príncipe Nabor (Andorinha), Emmanuel Cavalcanti (prefeito), Rodolfo Arena (lavrador), Aderbal Junior (sertanejo), Carlos Lagoeíro (sertanejo), Catalina Bonakie (viúva), Rinaldo Gines (chefe índio), Marcus Vinícius (empresário)
e, em participações especiais, Carlos Kroeber (caminhoneiro), Joffre Soares (Zé da Luz), Marieta Severo (assistente social)
Argumento e roteiro Carlos Diegues
Fotografia Lauro Escorel
Música Chico Buarque, Dominguinhos e Roberto Menescal
Montagem Anisio Medeiros e Mair Tavares
Direção de arte e figurinos Anísio Medeiros
Coreografia Carlos Machado
Assistentes de direção Fábio Barreto e Bruno Wainer
Produção Luiz Carlos Barreto. DVD Paramount.
Cor, 100 min (1h40)
R, ****
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