O presidente da República, Jair Bolsonaro, discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília (DF)
05/04/2019 (Evaristo Sá/AFP)
É arriscado apostar se o Bolsonaro dócil da semana passada vai perdurar.
Piadas, tapinhas nas costas, abraços efusivos e fotos. O mesmo Jair Bolsonaro que até poucos dias atrás enxovalhava políticos e jornalistas agora é todo sorrisos. Na quinta-feira, passou o dia recebendo presidentes de partidos, fez carinho, falou coisas em que ele não crê, pediu desculpas em particular pelas caneladas públicas que distribuiu.
Na manhã seguinte divertiu-se em um café da manhã com a imprensa. Respondeu a mais de 30 perguntas, disse frases de efeito, brincou e gargalhou como se amigo fosse de gente que ele cansou de xingar.
Não há como maldizer uma conversão para melhores modos, especialmente se eles podem pacificar ânimos, destravar o governo e fazer o país andar. O problema é acreditar em mudança de humor tão repentina e radical. E que a tal transfiguração exibida tenha alcançado o espírito do presidente. Pouco ou nada provável.
Nem os mais próximos creem nessa metamorfose.
Gustavo Bebbiano, escudeiro desde a primeira hora, demitido da Secretaria-Geral da Presidência porque tinha em sua agenda um encontro com a “inimiga” TV Globo, não deve ter entendido nada. Foi punido por uma condescendência que agora o presidente pratica. Nas redes sociais, os combatentes amenizaram o tom de repente, encolheram os palavrões e as agressões gratuitas aos que até ontem eram os diabólicos representantes da velha política. Tudo a confirmar a existência de uma ordem unida.
Sem ter o que mostrar 100 dias depois de tomar posse e com estilo populista que o aproxima do seu maior rival, Bolsonaro parece ter sido aconselhado a encarnar algo semelhante ao “Lulinha paz e amor” que a marquetagem do ex criou. Mesmo sem ter a ginga de Lula, o capitão, quando quer, consegue manejar tiradas para construir narrativas que o interessam.
“Tem vídeo meu que circula e eu penso: falei isso mesmo?”, disse aos jornalistas, debochando de si. Ao mesmo tempo rejeitou a hipótese de se redimir ou, pelo menos, se explicar pelos impropérios que vomita – “Vou me arrepender porque fiz xixi na cama aos 5 anos? Saiu, pô!”.
Com esse discurso, ele se coloca como ingênuo, como quem fala sem pensar e deixa escapar frases como a lançada contra a deputada Maria do Rosário, que não merecia ser estuprada por que era feia, ou a de que ele não conseguiria amar um filho homossexual – “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Imagina que pode colocar todas as ofensas que imputou a muitos na categoria do “saiu, pô!”.
Seus fiéis torcedores dirão que é o jeito Bolsonaro de ser, “sincerão”. Mas não conseguem explicar por que só agora, depois de se ver encurralado por não conseguir adesão no Congresso nem de seu próprio partido, o PSL, a sinceridade perdeu a beligerância.
Há quem garanta que o presidente se assustou com a corrosão veloz de sua popularidade. Ou que tenha sido convencido pelos militares depois de a sirene de risco disparar quando o seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, foi escorraçado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara sem que uma só alma servisse como extintor.
Parte do quebra-cabeças será resolvido nesta semana, quando o destino do ministro da Educação Ricardo Vélez for selado para o bem ou para o mal. No digladio escancarado, a turma da farda, que prega a tolerância, pode ou não vencer os seguidores de Olavo de Carvalho, catequista do caos adorado pela prole do presidente.
Nesse puxa e estica, é arriscado apostar se o Bolsonaro dócil da semana passada vai resistir ao fel que os fundamentalistas, temporariamente sob controle, adoram esparramar. A conferir se sua conversão à realidade tem alguma chance de ser fruto do juízo ou se é mera enganação.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 7/4/2019.
Fonte: Blog do Noblat – Veja Abril
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Usamos cookies em nosso site para oferecer a você a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e visitas repetidas. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookies" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.