No meio do salão Brasil há manifestações contraditórias e, mesmo assim, cheias de sentido e significado, dispostas entre o barulho infernal das redes e o incrível silêncio dos que estão de esgueira, apenas brechando os acontecimentos ou que se mantêm bem longe deles, por escolha, medo, impossibilidade, ou mesmo pela própria sanidade. Mas apure sua percepção: o silêncio já ruge. E pode ser o que modificará o futuro.
Não precisa de copo na parede com o ouvido encostado. Nem adiantaria, para a ampla maioria ainda não há sons, palavras de ordem, não há opinião formada, apenas o segredo e o acompanhamento silente vindo de muitos que estão aqui nesse mesmo chão, suportando, como nós, tanta realidade junta, lutando pela sobrevivência. Muitas vezes apenas sem acesso a canais de descarrego ou imobilizado até algum momento onde o que sente será dito, pronunciado. Ou não. Não são cegos – tudo veem; não são surdos, nem insensíveis. Estão atingidos – a certeza.
O rompimento pode ser apenas aquele momento de apertar o botão verde de “Confirma”, e logo depois ouvir, sim, aquele sonoro barulhinho indicando que o voto foi computado.
Alguns meses angustiantes ainda nos separam desse momento, e até lá estaremos sendo surpreendidos continuamente. O certo mesmo, agora, é que toda a comunicação anda truncada, difícil, às vezes até bastante violenta, já que essa dimensão aparenta agora ter obrigatoriamente apenas dois lados, antagônicos, direções para onde forçosamente deve ser feita a adesão; e isso não é verdade.
Então, o silêncio, o resmungo, a perigosa omissão. Só isso pode explicar esse ar parado nas ruas, mesmo diante de tanta ventania varrendo a razão, a lógica, o bom senso, qualquer mínima normalidade bombardeada pelo contrário do silêncio, e ao estamos sendo submetidos – à verborragia desatada dos que se adiantam tentando laçar corações e mentes mais distraídos de uma população tão cheia de contrastes. Como sempre não tem bonzinho na história.
O silêncio ruge. Murmúrios audíveis apenas a aqueles que têm mais experiência, sensibilidade e disponibilidade para ouvi-los estão em todas as partes: no transporte coletivo, horrorizados diante das gôndolas dos supermercados, nas feiras, nos bares e em todos os inúmeros locais onde desabafos de gente comum ocorre na vida real. São eles, gritos parados no ar, que não nos dão a certeza absoluta de que as pesquisas que agora pululam publicamente – há as que são trancadas a sete chaves pelos contendores, essas sim sempre mais intestinas – já retratem fielmente o pensamento nacional. Há sim uma oposição maior a ser reunida, que precisa se encontrar, entender que pior que está, ficará, e que toda ela será dinamitada se não ceder.
O que falta é o caminho. O estrondo explosivo só possível com a união de forças em torno de uma pauta comum, mínima, mas comum, por uma democracia contundente e compreensível à maioria, que torne possível a construção de algum projeto nesse momento tão especialmente delicado que vivemos, e não só aqui.
O silêncio pode guardar a esperança. E também vem demonstrando o desprezo. Às instituições, inclusive algumas poucas ainda guardiãs do que nos resta. Demonstram a insatisfação e descrença. A incredulidade e o grande desapontamento com o apoio e a traição na história de heróis de barro que se desmancham rapidamente.
Temos cada vez menos tempo nesse relógio mais barulhento em tique-taques a partir desse mês, os prazos. Para buscar recuperar algum ânimo. Poucos dias para fazer chegar aos mais jovens a necessidade de sua participação no processo que especialmente lhes dirá respeito em suas vidas. Que possam saber identificar os perigos, inclusive vindos da tecnologia que cria um bando de “gente”, robôs, que além de não existirem, opinam, desinformam, insuflam, manipulados criminosamente como os mudos marionetes presos a fios que, se olhados atentamente, os fios estarão bem visíveis.
É preciso escutar o silêncio e todos os seus significados, muito além do toque de recolher.
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).