29 de março de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Vítimas nos noticiários

Muito estranho o país cuja imprensa é seletiva também na escolha da desgraça para noticiar.

No mesmo dia em que morreu o comediante Paulo Gustavo, que vinha lutando  contra o coronavírus em um hospital no Rio, cercado de todos os cuidados, uma chacina em uma creche no sul do país deixou cinco vítimas entre crianças e adultos. O fato rendeu apenas um sub destaque  na mídia em geral.

Na morte, não importa quem é a vítima, em importância e popularidade, se era famoso ou não.  Mas é impossível uma tragédia como a que aconteceu em Saudades, interior de Santa Catarina, não causar tanta comoção e não receber um tratamento equânime por parte da imprensa. Como se ambos os fatos rivalizassem entre si.

Em tese, em se tratando de que as vítimas eram três bebês de menos de dois anos e duas professoras entre 20 e 30 anos, o evento da escola mereceria maior cobertura da imprensa. Todas mortas a golpes de facão por um jovem da pequena cidade.

Por três dias emissoras de TV e mídias diversas deram destaque  ao passamento do ator, como sua morte afetou sua família,  como reagiu sua mãe, seu cônjuge, qual foi seu último trabalho etcetera e tal. Com direito até à uma reprise de uma apresentação feita no final do ano passado.

Tudo bem para quem se interessa pela vida dos famosos, mas e quanto aos bebês e professoras? Estavam saudáveis, em mais um dia de seus cotidianos e foram surpreendidos por um assassino em série. As circunstâncias devem ter sido muito piores do que filmes de terror.

Quantas histórias de protagonistas de tantas famílias foram perdidas no último ano? Fatos que têm marcado a vida de todos os sobreviventes sejam eles idosos, jovens ou crianças, de todas as classes sociais, personalidades ou pessoas comuns.

O que causa incômodo é a  desproporção no tratamento das notícias sobre o ator e as vítimas assassinadas. Afinal porque alguém se preocuparia com cinco vidas anônimas, mais a do jovem, autor dos crimes,  que resolveu invadir uma escola infantil e matar quem estivesse pela frente?

De vez em quando acontece de um maluco sair da toca e extravasar seu ódio de atacado,  mas não concorrendo com um ator comediante estrelado. Este é o Brasil entre tantos, de dentro e de fora da tela. Talvez, para a grande imprensa, o enredo de biografias comuns seja entediante.

Quanto ao criminoso da escola, internado e em estado grave, sabe-se que é um rapaz de comportamento estranho e fechado. De acordo com testemunhas ele sofria de bullying desde pequeno.

Pessoas da comunidade de Saudades, próximas do autor dos crimes, disseram que o jovem se esquivava do convívio com outros de sua idade e torturava animais. Qualquer pai e mãe estranharia tais fatos e o comportamento extremamente contido do rapaz. Mas não foi assim.  Resta esperar que, se sobreviver à tentativa de suicídio cometida após atacar as vitimas, ele possa pagar pelos seus crimes. Já Paulo Gustavo será mais um nome na lista das vítimas de Covid.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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