24 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

O grande chefe

O exercício mais difícil de pensar um país nestes tempos é se afastar das paixões e não escolher um lado. Parece impossível, afinal o outro sempre vai se parecer com o inimigo.

E quem é o bicho papão do mundo hoje, Putin ou Xi Jinping? Um é o chefe de estado do maior país do mundo em dimensão – quase metade da Europa e cerca de um terço da Ásia — que reúne uma enorme diversidade étnica e cultural, 193 grupos, dos quais vários ainda vivem em regime tribal.

Nunca foi fácil a convivência na ex-união soviética, mas é fato que Vladimir Putin tem envergadura para gerenciar politicamente o que sobrou e dominar as novas repúblicas resultantes de sua dissolução.

O outro, o chinês governa para 1,4 bilhão de pessoas, 56 etnias, um país com contrastes extremos, que tem em seu território a maior parte da cadeia montanhosa do Himalaia, uma porção do deserto de Gobi e pouca planície agricultável. Só para ficar nisso.

Óbvio que cada um desses gigantes e seus líderes merecem um estudo à parte. Então vamos ao russo.

Imagem: Google Imagens – Brasil de FAto

Qual é o segredo de Putin, o que faz dele talvez o maior líder do mundo? Como ele consegue exercer o controle em um país tão vasto, com tantas diferenças culturais e geográficas?

Muitos se perguntam como ele se tornou uma espécie de czar contemporâneo, riquíssimo e poderoso. Ele emergiu de dentro da estrutura do partido comunista russo e se fez dentro da FSB, a herdeira orgânica da antiga KGB, agência de espionagem russa.

Hoje, com exceção da Ucrânia, a vizinha mais hostil, devido à anexação da Crimeia em 2014, os outros países da região não representam perigo. Convivem diplomaticamente, em certa medida, com a afinidade de quem conviveu muito tempo sob o mesmo teto.

Compenetrado e estrategista, Vladimir Putin ganhou a confiança do ex-presidente Boris Yeltsin, durante a guerra da Chechênia, província à margem do Cáucaso, de maioria islâmica, que reivindicava a independência, após a dissolução da União Soviética.

A guerra contra Moscou durou dois anos, de 1994 a 1996, resultando em 50 mil mortos e culminou com um tratado de paz humilhante para o Kremlin. Isso foi nos estertores do desmembramento das repúblicas soviéticas.

Em reconhecimento ao desempenho frente às rebeliões em seu território, Yeltsin nomeou Vladimir Putin como primeiro-ministro, em 1999, dando início a uma virada no jogo geopolítico da Rússia.

Quatro meses depois, o presidente renunciou, deixando o controle do país para o premier, em conformidade com a constituição russa. Contam as más línguas que foi uma saída honrosa para o presidente, abalado pelo alcoolismo e outros problemas que o impediram de continuar.

Já em 2000, Putin ganhou as eleições para presidente e, em pouco mais de um mês após assumir o governo, atacou a Chechênia e sufocou a rebelião. A capital Grozny foi arrasada. Um episódio sangrento dos novos tempos.

Após quatro anos reelegeu-se e depois disso tem se mantido no poder através de sucessões combinadas e artifícios legais. Seu comando já soma 20 anos.

O estilo do presidente russo se encaixa bem no trinômio controle, força e discrição. A Chechênia descobriu isso, a Ossetia do Norte, que tentou rebelar-se e ainda reivindica um país, viveu ataques pesados, também.

Na guerra da Síria a participação russa deu proteção ao ditador Bashar Al-Assad, contra os curdos, armados pelos Estados Unidos, e também à Turquia. Bem como todos os oligarcas e bilionários do país, presos, perseguidos e banidos. Ficaram famosos os casos de envenenamento de opositores e ex-agentes da FSB, mesmo fora do país. Um claro exemplo de que o governo russo é implacável contra os inimigos e os atinge em qualquer lugar. E as táticas são tão sutis que é difícil provar.

O fato é que o homem forte da Rússia, em que pesem os métodos criminosos de calar opositores, levantou a economia do país, tirando-o das antigas e arcaicas estruturas soviéticas.

A modernização passa também por um interessante método de ouvir o povo como o “grande pai da pátria”. Putin realiza anualmente a “Linha direta” com o presidente que permite ao cidadão interagir com ele e perguntar sobre qualquer assunto. Ele permanece por várias horas, ao vivo em um estúdio de TV, à disposição do público para atender às mais variadas demandas – de falta de rede de água, escolas em mau estado, salários baixos de guarda civis, omissão de governos provinciais e outros assuntos. Sobram até ameaças sutis à maus gestores diante de denúncias mais graves: “é bom que ele se preocupe”, respondeu severamente a uma munícipe que reclamou do descaso de um prefeito, na edição deste ano, realizada em junho passado. Muito interessante.

A Rússia é a maior exportadora de gás do mundo e a segunda maior de petróleo, depois da Arábia Saudita. Coisa que poucos sabem. Isso dá ao país uma vantagem econômica e estratégica enorme, visto que a Europa depende da importação do gás russo para sobreviver. Mesmo o maior antagonista, o Reino Unido, importa 65% do gás que consome da Rússia, e a França, 62%.

Afora isso, Vladimir Putin conta com área suficiente para empreender. É o país que tem a maior costa no Ártico. Região que promete ser o maior desafio de transporte do eixo continental norte. O degelo da calota polar, que está em curso, devido ao aquecimento global do planeta, possibilitará uma integração mais curta com a Europa, Ásia e América do Norte. Uma vantagem enorme para a Rússia, que já mantém infraestrutura nas suas terras geladas e navios quebra-gelo de grande porte na região.

Por essas e outras, Vladimir Putin é um grande líder do século XXI. Um sujeito estrategista, mão de ferro e com ambições sem limites.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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