19 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

A menina e o unicórnio

Foto: Google – Jornal Cruzeiro do Sul

Que história incrível a da menina e sua boia de unicórnio, à deriva no mar da Grécia. Como isso aconteceu? Se não fosse resgatada por tripulantes de um barco, em alto mar, não teria chances de sobreviver. E ela estava incrivelmente calma. O que me vem à mente é o vacilo dos pais ou dos responsáveis e toda a minha própria experiência com o mar.
Me lembro de um quase afogamento  que tive no passado, como tudo aconteceu e como me salvei. Uma informação básica que eu desconhecia,  apesar de ter crescido à beira-mar. Eu sempre sabia se ia mudar o tempo, se ia chover pelo vento e o cheiro que ele trazia. Mas não sabia ao certo como sobreviver na água. Nunca soube.
Na verdade eu tinha pavor da força do mar. Fato que, talvez, tenha herdado do meu pai, do que ele sempre dizia: “tudo o que se tira do mar, o mar recupera”. Era a explicação dele para os maremotos. Eu tinha fixação pelo tema e sempre perguntava se haveria algo do tipo na nossa cidade. Ele  dizia que não,  para me acalmar. Muitos anos depois, já adulta, descobri que houve um grande maremoto, em São Vicente, em 1541, que arrasou a vila. Uma polêmica até hoje gera debates acalorados. Foi uma onda só, dizem os oceanógrafos. Mas essa é  outra história.
Quantas experiências eu vivi por ter crescido em um bairro de pescadores. Meu vizinho, “seu” Athos, se aventurava em alto-mar e às vezes demorava para voltar.  Eu queria ver a cesta que ele sempre trazia, com uma grande diversidade de peixes e pescados. Eu adorava esse velho e ele a mim. Quando estava em casa sempre me chamava à tarde para arrancar os poucos fios brancos do alto da careca, enquanto descansava na rede. Eu  respeitava o seu conhecimento e gostava de ouvir suas histórias, que acabavam no primeiro cochilo. Eu tinha no máximo cinco anos.
Foi lá,  na São Vicente dos anos 1960, que eu testemunhei uma das maiores ressacas da história da cidade. O mar recuou tanto que foi possível  caminhar sob a Ponte Pensil. Eu morava do lado contrário à  praia, próximo de um braço de mar,  chamado de rio da vó, e que se conectava ao mangue. Nenhuma celebridade funesta da política local tinha pensado em aterrar aquele enorme berçário de espécies marinhas. Quando o “mar voltou” dessa ressaca, aquela água salobra e fétida de putrefação orgânica  invadiu tudo. Nossa casa também.  Fiquei em pânico com a possibilidade de a enchente nos engolir. Água  e lama invadiram as casas, trazendo junto diversos animais. Os caranguejos  subiam pela cortina. Nunca foi tão fácil pescar e nem temer. Quando as águas recuaram um enorme molusco, parecido com uma lesma do mar, estava no meu portão. Os biólogos foram lá resgatá-lo. Eu não queria enfrentar tudo aquilo outra vez. Por sorte nos mudamos para bem longe, do outro lado da cidade.
As idas à praia aconteciam pela manhã, bem cedo. Eu tinha uma boia de peixinhos e minha mãe não descuidava da gente por nenhum momento. A água do mar era verde transparente e nos permitia ver os siris e as estrelas-do-mar. No verão,  era meu pai quem nos levava, no fim da tarde, após voltar do trabalho. Quantas vezes eu  flutuei sobre seus braços, para aprender a nadar. Levei muitos “caldos”, era o que dizia quando uma onda mais forte te derrubava. Mas não aprendi, por medo. E o tempo passou.
É muito fácil estar à beira-mar e de repente ser levado para bem longe por uma correnteza. Deve ter acontecido isso com a garotinha na Grécia. Como aconteceu comigo.  Eu já era adulta e estava com mais três pessoas na Barra da Tijuca, no Rio, então uma praia quase deserta. Num momento estávamos brincando, num outro gritando por socorro. Foi um surfista que vinha remando com sua prancha em nossa direção  que gritava: “nade na diagonal!”. Ainda bem que eu entendi. Projetei o corpo para frente e saí, os outros me seguiram. Quando chegamos à praia já havia um pequeno grupo de pessoas nos esperando. Engoli muita água salgada.
Para quem já tinha medo do mar e passou por isso, concluí  que tudo pode acontecer em um minuto e com o mar não se brinca. A menina do unicórnio deve ter aprendido isso por mais que sua experiência tenha sido prazerosa. Ela não sabia doa riscos e seus pais também não.  Um episódio que ela jamais se esquecerá. Torço para que ela se torne uma exímia nadadora e não tenha mais aventuras assim.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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