Dos meus 18 anos (1964) até minha partida para França em 1973, vivi no Brasil sob o regime militar.
Aliás, grande parte da América Latina estava sob regime autoritário.
Nesse período, a ‘resistência’ de parte da minha geração se voltava contra a supressão das liberdades individuais, dos direitos políticos e da livre expressão do pensamento.
Alguns jovens militantes radicalizaram, partindo para o confronto direto se filiando à luta armada como soldados da ‘ditadura do proletariado’. Outros, se colocando como A ‘vanguarda’ que lideraria o povo para o bom caminho do socialismo.
Alguns remanescentes desse confronto fizeram autocrítica revelando publicamente quais eram as reais intenções do confronto armado com as forças do estado. Outros, ainda hoje, se vangloriam de ‘vitórias’ em combate e outros mais preferem não falar sobre o assunto.
Não há como negar que na ocasião as várias frentes de luta contra a supressão das liberdades, se misturava ‘randomicamente’ com movimentos de esquerda que espocavam pelo mundo na luta por mudanças, simbolizada no combate a tudo que era velho e à opressão cruel.
Seja na França (maio de 68) contra a mão pesada do Estado nas universidades, seja nos EUA, nos movimentos contra o ‘apartheid’, contra guerra do Vietnam, em paralelo aos movimentos da contracultura, da liberação do sexo, drogas e rock n’ roll, a impressão de quem não vivenciou esse período é a de que havia uma hegemonia das esquerdas, voltada para a luta contra os regimes militares, o capitalismo, o conservadorismo e tudo mais que representasse o ‘establish’. Tudo junto e misturado.
O tal ‘poder jovem’ foi uma catapulta que lançou a sociedade desbravar novos caminhos. Mas, por outro lado, colocou muita pedra no caminho, ao impulsionar a jovem militância para a radicalização, dificultando o empenho de figuras magistrais, como Martin Luther King, pressionado a tomar posições radicais contra o estado americano na figura do presidente Johnson, com quem mantinha estreitas relações e que contribuiu de fato para consolidar os avanços contra o ‘apartheid.’ A ‘radicalização’ anti americana do MLK era tudo que as forças obscurantistas mais queriam. Hoover, o dono do FBI, se coçava para fichar MLK como comunista e antiamericanista e diluir o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e a empolgante campanha de não violência e de amor ao próximo.
Paradoxalmente, a militância de esquerda torcia pela mesma coisa. Solicitava atitudes críticas mais duras e incisivas de MLK contra o governo Johnson e o ‘imperialismo’ norte americano e tudo que a América representava.Só posso imaginar o drama de consciência que MLK teve que suportar para garantir que as conquistas contra o ‘apartheid’ não retrocedessem por conta de atos radicais.
A realidade é assim, cheia de nuances.
Dos meus três filhos, uma nasceu nos estertores do regime militar. Os outros dois nasceram após a abertura política, mais precisamente no entreato dos últimos 30 anos, quando o pais foi governado por presidentes de viés neo esquerdista.
Do ‘fabiano’ FHC ao ‘neo-progressista’ Lula e seus parceiros, meus dois filhos mais novos viveram sob governos de orientação ‘neo’ esquerdista.
Eles não têm a mais vaga ideia do que seja um governo de direita. Isso para não falar do liberalismo que em países como a Inglaterra e os EUA, implantaram as mais consistentes reformas, preservando e ampliando os direitos individuais, o estado de direito, a democracia e estimulando o livre mercado. Dois países democratas, com largo e precioso histórico.
Para colocar abaixo a vontade de mudança expressada agora pelo eleitor, negando a história que registra a predominância dos governos ‘neo’ progressistas vigentes no país nos últimos 30 anos, simplesmente ameaçando os eleitores que desejam mudanças os ultrajado de “fascistas / nazistas”, é um passo atrás – um reacionarismo desrespeitoso, estúpido e inaceitável contra aqueles que lutaram para restauração e a consolidação da democracia brasileira.
Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial “Em Busca da Essência” Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.