Fui à Veneza apenas duas vezes, infelizmente. Há exatos 36 anos, em 1982, a caminho da Grécia, via Siracusa e voltando a Paris. Mas ainda assassinarei as saudades dela, espero.
Vi nada de triste lá, muito ao contrário.
Primeiro, porque eu tinha 20 anos e, é muito difícil, alguém ser triste em Veneza ou qualquer lugar, aos 20 anos.
A cidade é linda e feliz até no filme “Morte em Veneza”.
Mas temos mortes e mortes, certo? De doença, facada e de amor, como era o caso de “Que c’est triste Venise”, um dos clássicos de Charles Aznavour, que rima com “amour”, né chérie?
Morte não rima com amor, nem com tristeza, mas como rima!
Veneza é uma gostosa e, quando a conheci, era também toda descascada de decadência, colorida, imponente e fedorenta por causa dos canais. Parecia Havana, antes de eu conhecer Havana, exatos 30 anos depois.
Tomei todas sozinho; me perdi nas ruas de Veneza, sozinho e adorei.
Veneza mostrou-se ainda mais bela na volta, depois que, viajando de trem, saí de Atenas e cruzei toda a triste, comunista e cinzenta ex-Iugoslávia. Me senti em casa, ao sair do trem e dar de cara com os tons descascados, coloridos da cidade e com a fedentina de seus canais.
Dizem que Veneza continua afundando – ela avançou o mar e agora, pagando a conta, está sendo invadida por ele.
Até o cemitério fica numa ilha só para ele.
Quem visitou Veneza mais recentemente jura que a cidade não fede mais, os canais foram tratados e as casas pintadas. Acredito. Ela deve estar ainda mais suculenta.
Mas, por que raios e pelas barbas de Netuno a Veneza de Aznavour era tão triste?
Muita gente assovia e cantarola “Que c’est triste Venise”, mas não entende a letra, não sabe o motivo de tanta tristeza.
Vou tentar traduzir e responder mui livremente, tá?
Como é triste Veneza quando perdemos um amor, quando não nos amamos mais…
Ainda procuramos, em vão as palavras, mas o tédio as leva; como o vento leva as folhas mortas.
Bem que gostaríamos de chorar, mas não conseguimos.
Como é triste Veneza quando as barcarolas não deslizam mais, quando os silêncios cavam um vazio e o coração aperta; quando vemos as gôndolas abrigar a felicidade dos casais apaixonados.
Odeio casais felizes, kkkkkkkkkkkkk.
Como é triste Veneza no tempo dos amores mortos, quando não mais nos amamos.
Os museus e as igrejas abrem em vão suas portas, inútil paisagem, inútil beleza para nossos olhos decepcionados e cegos.
Como é triste Veneza, à noite, na laguna, quando procuramos a mão que não mais nos é estendida, sob a luz da lua, para tentarmos esquecer o que não foi dito.
Adeus todos os pombos da Praça São Marcos que nos seguiam. Adeus Ponte dos Suspiros, adeus sonhos perdidos.
É muito triste Veneza, no tempo dos amores defuntos, quando não nos amamos mais.
Gostaram? É por aí, mas em francês, com o Charles Aznavour é música e muito mais saborosa. A solução é ler esta crônica enquanto ele canta no Youtube…
São muito tristes Veneza, Paris, Barbacena, Belo Horizonte, Londres, Lisboa, Roma, La paz com chuva e até Cabul, no tempo dos amores que morreram, quando não nos amam mais, quando não nos amamos mais.
Quer dizer, Cabul não conheço, ainda, mas com certeza é triste, quando…
PS: Eu gostaria muito de rever Siracusa e Veneza, para me lembrar delas… em Paris, como fiz nesta foto, em 2012, 30 anos depois.
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.