Tenho vagas lembranças da Copa do Mundo de 70, quando o Brasil foi tricampeão no México. Lembranças em P&B, numa velha televisão, na rua Guilherme da Silva, 190, Cambuí, Campinas.
Em 1971, sempre em Campinas, eu tinha nove anos. Bola e futebol eram apenas diversão e obrigação no Colégio Progresso.
Nos anos seguintes, ainda em Campinas, levado pelo primo José Octávio de Freitas Oliveira, virei “bugrino”, que quer dizer torcedor do Guarani Futebol Clube. E eu estava no estádio “Brinco de Ouro da Princesa do Oeste”, quando o Bugre foi campeão brasileiro em 1978. O primeiro campeão a gente nunca esquece.
Mas no meio do caminho, tinha um tal de Atlético Mineiro.
No Brasileirão de 1977, que terminou em 78, eu ainda engatinhava no futebol, quando o Galo perdeu a final, invicto, com mil pontos, nos pênaltis, para o São Paulo, no Mineirão.
Naquele 5 de março de 1978, mesmo em Campinas e sempre Guarani, virei atleticano. Era muita injustiça para um adolescente de 15 anos. Nunca me arrependi. Virei Galo por solidariedade. Sempre fui pró frascos e comprimidos injustiçados.
1977 tem mais duas datas importantes. Dia 7 de março, gastei a primeira de minhas sete vidas. Fui atropelado por um “Corcel 1” e quebrei a perna esquerda em dois lugares: tíbia e perônio. Hoje, até um destes ossos mudou de nome!
Depois de muito gesso e fisioterapia, em outubro de 1977, “sequestrado” pelo amigo Alexandre Marucci Bastos, virei também corintiano. Ele praticamente me arrastou, de trem – Campinas – São Paulo – até o Morumbi. Fui pé quente! O Corinthians foi campeão paulista depois de 23 anos! Ainda bem que fiquei corintiano, antes de conhecer o torcedor mais famoso do “Curíntia”, o ladrão mor do Brasil.
No Rio, por causa de Nelson Rodrigues e Chico Buarque, sou Fluminense. Hoje, só por causa do Nelson.
Mas voltemos ao que interessa e com Carlos Drummond de Andrade: “O primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou, mas o coração continua”.
Ainda tenho o coração em pedaços pelo Guarani, Corinthians e Fluminense. Mas o dono de tudo, incluindo as tripas, é o Galo. Isso porque, desde 1996, moro em BH e aqui é Galo, porra!
Dizem que o Atlético não ganhava um título brasileiro há 50 anos, desde aquele bom e velho 1971, de Dadá Maravilha. Todavia e cotovia, minha história com o Galo começou em 77 e só virou vício 19 anos depois.
Mas voltemos a 1978, Campinas, claro. Minha primeira Copa do Mundo. Ah! Nasci em 1962, quando o Brasil foi Bi no Chile. 1970 já contei.
Em 1978, Copa da Argentina, aí sim, eu já adorava futebol, como o idiota que sou até hoje. “Brasil Campeão Moral”, lembram?
Em 1980, com o Rei Reinaldo, o Galo foi roubado pelo Flamengo.
Em 1981 também, mas na Libertadores.
Vale nem repetir as duas histórias. Um vexame, uma vergonha, uma CBF! Quem quiser detalhes, basta clicar no Google: “maior roubo do futebol brasileiro”. Mesma coisa para “maior ladrão do Brasil”, aquele corintiano filho da puta.
1977, 1980 e 1981. Como um talibã, com a gana de Osama e a ira do Irã, fiquei ainda mais fanático pelo Atlético, o Galo.
Torci, sofri, fiquei muito puto. Quando o Galo foi rebaixado, dei minhas camisas oficiais pro ex-cunhado esquisitão, José Henrique Soares Ferreira; aguentei muita gozação, mas o coração continuava.
Tudo bem. Meus amigos e minhas melhores mulheres eram Galo. Eu era feliz, sabia e sem títulos.
Foda-se! Título é título, não é sentimento. Título dá pra explicar, contar, lustrar. Torcer pro Galo é outra coisa. É como dar “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, sem sair do lugar, sem sair do livro do Julio Verne.
O Galo é o Galo e vice-versa.
Aí, 50 anos depois, distraídos, vencemos!
Começou de leve, eu sempre desconfiado.
O time tinha até o Cuca e o Rever de 2013, daquela inolvidável Libertadores de São Victor e São Ronaldinho Gaúcho.
Yes! Eu acredito, mas sempre duvidando. De novo, liguei o foda-se! Uma vez homem de malandra, sempre corno manso.
Mas e o Galo?
O Galo foi ganhando, ganhando, ganhando, até que venceu. E eu podia fazer nada para evitar.
Passei o ano, com o amigo, primo e desembargador, Antônio Carlos Monteiro de Faria ou Faria de Monteiro, em Barbacena, torcendo, vibrando, comemorando e sendo torturado pelo Galo, no Bar do Levi. Sim, Levi, aquele flamenguista.
Haja Brahma! Haja conhaque! Haja inverno! Haja Coronavírus!
Os dias passavam e os gols entravam. E eu aplaudindo um tal de Hulk, sendo que meu ídolo em quadrinhos sempre foi o Tarzan. Minto, era a Jane, aquela gostosa!
E além do Hulk, tinha o “resto”.
De repente, quinta-feira, ao lado da doce amiga Thaís Weick, o Galo foi campeão. Gritamos até ficar com dó de mim.
Mas faltava algo, faltava o Mineirão, nosso Salão de Festas, nosso Palácio das Artes. Faltava Belo Horizonte. E o domingo finalmente chegou, despretensiosamente.
Meus amigos Dulce e Fábio Campos me convidaram para uma tarde num bar chamado PoiZé Bar e Petisqueria.
Pois é, fica o dito e o redito por não dito, mas abusemos de Drummond. Como do jeito mais natural, dois carinhos se procuram, a bola procurou e achou a rede.
O Galo fez um, tomou dois, empatou e virou. Aí fez mais dois, tomou mais um e fomos felizes para sempre. Aliás, nunca fomos tão felizes!
PS: E o Galo? Nem precisava mais, mas o Galo ganhou. Juro.
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.