1 de maio de 2024
Editorial

Nossos podres poderes

Podres poderes é o título da letra de uma “música de protesto”, como se qualificava à época, de Caetano Veloso. Ano: 1984, já próximo do fim da ditadura militar, a letra faz uma crítica à situação sociopolítica do Brasil, trazendo referências que, nem sempre ficavam claras à primeira vista, numa crítica às ditaduras que tomaram – e ainda tomam – a América do Sul e que, no Brasil, estava perto de chegar ao fim.

Dito isto e dado o devido crédito ao título, vamos em frente.

Os Três Poderes- Imagem: Google Imagens – Brasil Certo

A mídia se perde no meio de uma fumacinha “descoberta” na Câmara de vereadores do Rio: os “encargos especiais”, previstos em legislação específica, enquanto aquela Casa pega fogo e se consome com problema muito maior, que é a multidão de funcionários que, com ou sem os ditos encargos, não trabalha, só recebe, enquanto cuida de seus próprios interesses. Não seria esse o real problema?

Esses escândalos se repetem há anos, tanto na Câmara de Vereadores, como na ALERJ, evidenciando que os maiores malfeitores do Estado do Rio se alojam em salas suntuosas. Enquanto milhões de cidadãos trabalham duro para o cumprimento de suas obrigações, há milhares de outros, inescrupulosos que, descarada e vergonhosamente, se banqueteiam em detrimento do suor alheio.

A chaga não está somente no Rio de Janeiro. Ele é só um exemplo. Ela assola o Brasil em todos os níveis. Vejamos!

Em Brasília, por exemplo, na Câmara dos Deputados, em tomo de cada um dos 513 deputados, giram 36 funcionários; no Senado há 110 para cada um dos 81 senadores; no STJ cada um dos 33 ministros é orbitado por 150 funcionários; e no topo, em tomo de cada astro da nossa primeira grandeza judiciária, que são os 11 ministros do STF, entre concursados e terceirizados, gravitam 1.167 funcionários. Um escárnio!

O falecido Darcy Ribeiro dizia que ser membro dessas instituições é melhor do que ir para o Paraíso, porque para chegar lá, “não é preciso morrer”.

Precisamos de uma reforma política urgente!

Uma grande redução no número de nossos representantes nas Câmaras municipais, estaduais e federais, bem como de seus infindáveis auxiliares com suas benesses e penduricalhos.

Apenas como exemplo: nos EUA, com uma população quase duas vezes maior que a nossa, temos 435 deputados, já no Brasil, com a população de 215 milhões, temos 513. Por quê? Qual a justificativa? Somos um país continental? Então o que seriam os EUA?

No Senado, os EUA têm 100 senadores para seus 50 estados, enquanto que nós, aqui na Terra Brasilis, temos 81 para 26 estados. Nem vou falar na suplência do senado por aqui, porque é vergonhosa. O suplente nem é votado e assume em caso de morte ou indicação para cargo no Executivo de seu senador principal, quando o correto seria que o mais votado abaixo daquele assumisse o cargo. E, pasmem: o normal é o filho ou a mulher do senador eleito, ser seu suplente.

Precisamos também acabar com o sistema eleitoral proporcional, bem como com o conhecido coeficiente eleitoral – que é definido pela soma do número de votos válidos (votos de legenda + votos nominais, excluindo-se os brancos e os nulos), dividida pelo número de cadeiras em disputa. Apenas partidos isolados e coligações que atingirem o quociente eleitoral têm direito a alguma vaga.

Por que retirar do cálculo os votos em brando e nulos? Eles são a manifestação de vontade do eleitor na urna e deveriam ser considerados sim. O medo da classe política é que se estes votos atingirem 51% do total de eleitores, a eleição teria que ser invalidada, segundo a Constituição. Por isso eles não os consideram válidos e fazem aquele cálculo rocambolesco.

Sim, é isso mesmo. Não basta ser o mais votado. O partido que tem o maior número de cadeiras (maior voto de legenda), pode eleger um deputado com 50 votos, dependendo de seu partido, em detrimento de outro com 100mil votos. Um absurdo!

Nem vou falar dos Fundos Partidário e Eleitoral, ambos infames. Quem quiser se candidatar deve usar seus próprios recursos ou os de seu partido, que devem cobrar mensalidades de seus filiados para que, com esta grana, façam as suas propagandas eleitorais, sem usar nosso dinheiro para isso.

Precisamos nos livrar deste sistema político eleitoral e nos reinventarmos politicamente. Que democracia é essa cujo povo distribui dinheiro para que sempre os mesmos se locupletem?

Quando alguém quer ser médico, engenheiro, advogado, dentista, assim como qualquer outro profissional liberal investe em seus estudos, assumindo todos os custos decorrentes, certo? Então, por que cargas d’água nós devemos pagar a campanha para alguém que escolheu ser político?

Se é a vontade dele “servir a seu país”, que custeie este seu desejo, contando com a ajuda de seu partido, que também não tem que receber qualquer grana pública. Faça com que seus filiados, com suas contribuições, paguem as campanhas. Não dá? É pouco? Paciência, que façam campanhas mais baratas. Usem as Redes Sociais, sei lá, sejam criativos com o seu dinheiro… usem o horário político gratuito no Rádio e na TV aberta (que já é um absurdo), que são concessões públicas, mas não o nosso dinheiro.

Agora falemos do Senado que já começa errado em sua composição. É notório o absurdo de elegermos 3 senadores por estado. Desculpem-me os eleitores de estados menores, mas acho inadmissível, por exemplo, que o Acre, Rondônia, Amapá e Sergipe, por exemplo, terem o mesmo número de senadores do que São Paulo, Rio, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul, que têm muito mais eleitores.

Por favor, que fique bem claro que não estou dizendo que um estado é melhor ou pior do que o outro, e sim comparando o quantitativo eleitoral x representatividade de cada um deles.

Seus salários, embora mais altos do que muitos merecem, já seriam suficientes para eles exercerem seus mandatos. Os penduricalhos que são usados para burlar o teto constitucional são uma afronta ao povo. É auxílio-paletó (tirando uniformes, algum empregador dá dinheiro pra você comprar sua roupa de trabalho?); auxílio-creche, auxílio-escola e por aí vai… sem falarmos na absurda verba de gabinete, onde não há limite de funcionários, mas há limite de espaço físico, daí os funcionários têm que fazer revezamento para poderem caber nos gabinetes.

Auxílio-moradia no DF? Ora, quando o cara se candidatou não sabia que se fosse eleito teria que mudar pra Brasília? Pra que auxílio-moradia se temos apartamentos funcionais suficientes para todos os deputados. Não querem morar em apartamentos funcionais? Ok, que alugue um que lhe agrade e pague com seu salário. Não é assim que fazemos nós, os pobres mortais?

Para melhor entender como se formam os ganhos de um deputado federal, veja o link: https://www.camara.leg.br/noticias/441164-conheca-o-valor-do-salario-de-um-deputado-e-demais-verbas-parlamentares/

E a aposentadoria? São cidadãos de Primeira classe. Aposentam-se com apenas 2 mandatos (4 anos cada). Isso mesmo, aposentadoria com 8 anos de “trabalho”, sim, entre aspas, porque não podemos considerar trabalho, turnos de 3a a 5a feira, já que a 2a e na 6a não há trabalho – eles estão “em suas bases”. E ainda por cima têm dois recessos anuais. Por quê.

Plano de Saúde? Não, isso não existe pra eles. Como não existe? Todas as despesas médicas e hospitalares são pagas pela Câmara dos Deputados. Note-se que eu falei TODAS. Eles podem ir a qualquer médico, a qualquer hospital e são atendidos, e a Casa Legislativa paga integralmente. Não, não é reembolso. A Câmara e o Senado pagam as contas diretamente. É o Plano de Saúde dos sonhos de qualquer brasileiro.

Até quando nós, simples mortais, vamos nos deparar com tamanho abuso na gestão do dinheiro público. São verdadeiros assaltos aos cofres públicos sob o manto do legal, mas não ético.

Ah, nossos podres poderes…

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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