29 de abril de 2024
Editorial

Os verdadeiros motivos da visita de Macron

De novo vou sair da minha zona de conforto para falar um pouco de geopolítica, em função da visita de Macron ao Brasil.

Há algum tempo não víamos a visita de um Chefe de Estado aqui no Brasil, ainda mais com o burburinho causado por Macron, até porque não foi uma visita curta. Macron estava muito à vontade, mas nesta história de ganhar queijos e vinhos brasileiros, passear com Lula e bater fotos “maravilhosas”, ele deixou um bode na sala que é o acordo da Comunidade Europeia (CE) com o Mercosul, que pouco foi falado pela mídia.

Parodiando o filme “La la land”, os memes criaram o “LULA LAND” – Reprodução Twitter

Para entendermos bem o motivo desta visita, devemos lembrar que em dezembro de 2021, quando Lula precisava de um apoio auspicioso para fomentar sua campanha, Macron entendeu e o recebeu, literalmente esticando o tapete vermelho e banda formada, enfim, uma recepção de Chefe de Estado para o então candidato à presidência. Não era Chefe de Estado, mas foi recebido como se fosse. Isso deu um impulso enorme à candidatura de Lula, que ele precisava retribuir.

Agora quem está precisando é Macron. Ele precisa captar o eleitor francês mais jovem que está distante dele, mas muito próximo à candidatura de Marine Le Pen. A eleição francesa será daqui a dois meses, e a última pesquisa está dando 29% para Le Pen e 21% para Macron, logo, ele precisava de apoio externo, daí Lula estendeu a mão, em retribuição ao que Macron lhe fez quando ainda era candidato.

Macron se apresentou ao eleitor francês como uma espécie de líder do G7, mas um líder diferente dos demais, preocupado com os países emergentes e Lula queria se apresentar ao mundo como uma liderança eficiente do sul global. Enfim, Lula precisava retribuir o favor e os dois queriam aparecer bem na mídia. O bode na sala que era o acordo CE x Mercosul, ficou pra depois.

Quando olhamos para o agricultor francês, estamos olhando para o interior da França, que está assustado com a concorrência dos brasileiros, porque sabem que não vão conseguir chegar ao patamar do agronegócio brasileiro. Temos o maior rebanho do mundo. A estrutura montada em torno disso é muito eficiente. E é neste contexto que Macron precisa evitar o acordo. Ocorre que o acordo com o Mercosul tem um segundo lado, que é o interesse da indústria europeia no mercado brasileiro, sem falarmos na energia verde.

A França, assim como a Alemanha e outros países da CE, têm muito interesse de comprar “energia verde” do Brasil, e, no caso específico da França, há mais um produto: o Urânio. A França tem mais de 2/3 de sua energia produzida por energia nuclear, ou seja, ela precisa de Urânio e o Brasil tem a 8a. reserva mundial deste minério.

Este sim é um dos principais objetivos de Macron no Brasil. E foi um dos temas menos comentados para os investimentos franceses. O maior motivo da visita de Macron é midiática, mas também tem a função econômica.

Lula reforçou a nota do Itamaraty com relação à Venezuela. Na realidade, ele e Macron queriam “acertar as suas dívidas” com os EUA. O Brasil foi o “fiador” do Acordo de Barbados, quando os EUA, por interesse no petróleo venezuelano e nas boas relações com Lula, afrouxaram um pouco as sanções contra a Venezuela, principalmente as financeiras, para a compra de petróleo, o que aliviou um pouco a economia do país de Maduro.

Só que este acordo foi feito em troca de uma maior abertura política por parte de Maduro. O ditador aceitou o acordo, mas nunca cumpriu o acordado, pois a eleição “democrática” incluiu, obviamente, Maduro pela situação e, pela oposição, “quem Maduro quis que fosse”. Assim, não valeu o acordado em Barbados. Maria Corina Machado foi impedida de participar, tal qual Bolsonaro por aqui, mas isso é assunto para outro editorial.

Macron aproveitou esta visita, dizendo que fala pelo G7, que queria uma eleição limpa na Venezuela, daí Lula, pra não ficar pra trás, também resolveu, muito a contragosto, pressionar.

Se relembrarmos 2021, Bolsonaro não esqueceu a Venezuela, porque aquele país é uma região muito sensível a todos os militares latino-americanos. Por quê? Ora, a Venezuela é uma região que merece muito cuidado na relação com os EUA. Imaginem se a Venezuela se ajustar com os EUA. Em tese, isso poderia possibilitar a criação de uma base norte-americana na América Latina, onde os EUA poderiam estar dentro da Amazônia legal.

Se olharmos para o lado geopolítico, quando os EUA apertaram demais as sanções, a Venezuela foi para o lado da China e da Rússia. E Putin armou a Venezuela.

A visita de Mourão, no governo Bolsonaro, à Venezuela foi exatamente para que aquilo parasse ali, porque se este limite fosse ultrapassado, os EUA iriam agir. A Venezuela é sensível para o governo Lula e já era assim para Bolsonaro.

A Rússia entregou para a Venezuela mísseis de porte antiaéreos que são os mais modernos do mundo e ninguém na América Latina tem. A China investiu mais de 60 milhões de dólares, mantendo a Venezuela viva. Daí os EUA perceberam que a Venezuela era a possibilidade de a Rússia e a China entrarem no contexto latino-americano. Em função disso, os demais países como Colômbia e Peru se preocuparam, a fim de não permitir uma entrada dos EUA na América do Sul.

Por isso a Venezuela é tão sensível para muitos, e foi por isso que Macron falou nela, porque a comunidade europeia não quer uma entrada dos EUA e, muito menos da China e Rússia, porque afetaria seus interesses diretos. A Venezuela virou um epicentro de uma mudança geopolítica muito importante!

Vejam quantos subprodutos tivemos nesta visita de Macron.

Não dá pra negar que a diplomacia brasileira, leia-se: Itamaraty, aproveitou muito bem a viagem.

Macron precisava dela, mas o Brasil também precisava, principalmente, para consertar os escorregões do presidente Lula.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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