19 de abril de 2024
Colunistas Sylvia Belinky

Inferno astral na pandemia

Eu já sabia!! Fiquei tentando me prevenir mas, infelizmente, essas tentativas são vãs: não há o que se possa fazer contra o “inferno astral”, assim chamado merecidamente porque, ainda que não se creia em superstições, e se queira “fazer de conta que nada”… IMPOSSÍVEL!
Eu, na verdade, não me sinto particularmente atingida por ele, mas quero crer que, desta vez, somado à pandemia e ao fato de que não podemos sair de casa, espairecer, terá ficado mais fácil aos fados nos dar umas rasteiras, dessas que não quebram a perna, mas que nos fazem voltar e refazer coisas que já deveriam ter ficado prontas há um tempão… como esta crônica, por exemplo!
Conto uma passagem típica: há alguns dias, fui tomar alguns comprimidos pela manhã e justamente um deles, cujo preço UNITÁRIO gira em torno dos R$ 15,00, caiu no chão e eu só percebi porque comecei a pisar nele. Nem pestanejei: catei do chão, passei na calça “prá limpar” pus na boca e engoli. Porém, nem dois minutos depois me lembrei que estamos em pandemia e desinfetamos tudo com álcool gel – minhas unhas estão dissolvendo literalmente com esse tratamento mais água e sabão a cada 20 minutos (com sorte!) – e o chão da minha cozinha, por onde passam gatos, cachorro, pessoas, estava tudo menos “imaculado”…
Tive a certeza: VOU MORRER ANTES DO FINAL DO MÊS! Pior: vou passar meu aniversário internada num hospital totalmente sozinha, onde ninguém vai poder me dar os parabéns – coitados de meu marido, meu filho… Só que, quando souberem por que fui internada, como fiz pra me contaminar… vão querer me cortar o pescoço! Decidido: não vou contar, não vou falar nada, ficaremos todos na maior dúvida: se eu quase não saio, lavo as mãos a toda hora, passo álcool gel…
Vou me aguentar muda, calada, e quando aparecerem os sintomas… NÃO!! DE JEITO ALGUM!! Vou contaminar todo mundo em casa antes de aparecerem os sintomas; não posso fazer isso; tremenda falta de responsabilidade… CARAMBA! E, agora?!
Parei pra pensar:  vou ligar para meu convênio de saúde para perguntar a respeito dessa total falta de… higiene! Porque foi isso: não foi inconsequência, foi mesmo algo que, em circunstâncias normais eu faria sem pensar se tem ou não tem sujeira; mas estamos falando de algo muito mais sério, de uma pandemia…
Expliquei para a atendente o que tinha acontecido e o que eu queria saber: como faço pra saber se já estou infectada? Não consegui falar no mesmo dia – isso é o efeito inferno astral –  só no dia seguinte. E tive que ficar me policiando para não me trair e fazer algum comentário indevido…
Fiquei me despedindo mentalmente de tudo e de todos e, no dia seguinte, uma enfermeira me liga e diz: “A senhora queria saber?…” Contei a ela e a pergunta veio, direta:
– “Mas o chão não estava limpo?”
– Não senhora, não estava.
– Mas a casa não é sua?
– É sim, mas é a cozinha, onde todos passam a toda hora, além dos gatos, do cachorro…
– Mas…
– Moça, sou eu quem limpa e estou lhe dizendo com a maior sinceridade: estava sujo! Bem sujo! Era de manhã e eu só passo pano à tarde!
– Mas, ainda assim, diz ela, ainda que estivesse sujo, pelo tempo que esse comprimido passou no chão, não daria para ter se contaminado de forma alguma!
Eu queria soltar fogos, dar um beijo na moça, sair comemorando o aniversário em altos brados, mas…
– Então a senhora tem certeza?
– Absoluta! Para não confiar apenas no meu ponto de vista, falei com dois médicos que disseram a mesma coisa…
Agradeci toda feliz, desliguei aliviada de não ter contado pra ninguém e deixado todo mundo em cólicas – e querendo me matar, claro!
Essa paranoia que nos acometeu com razão total e absoluta demonstra que nada se compara a ela, infelizmente e o inferno astral perto dela é só uma oportunidade para dar boas risadas!
Sylvia Marcia Belinky

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

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