Minha avó por parte de pai, a Rosa, chegou de navio ao Brasil, em 29 de setembro de 1929, seis meses depois que meu avô Aron tinha vindo. Ela trouxe seus três filhos: Tatiana, com 10 anos, meu pai Abram, com 7 anos e meio e meu tio Benjamin, de um ano.
Viajaram no transatlântico General Mitre por três semanas até aportarem em Santos. Meu avô foi encontrá-los no porto, levou as três crianças para uma pensão e as deixou lá, voltando para desembaraçar a bagagem – melhor dizendo, a tralha – da família.
Minha avó, dentista formada na melhor universidade da Estônia, em 1914, trouxera todos os seus instrumentos costurados em um acolchoado, embrulhado discretamente para não chamar a atenção, imaginando que, se tivesse que trabalhar, não teria dinheiro para comprá-los.
Meu avô, de posse de um dicionário, foi traduzindo tudo o que dizia o oficial da alfândega: “O que é isso?” e assim por diante, até chegarem ao acolchoado fatídico que, de devidamente enrolado, de repente escorregou e desenrolou, expondo todos os instrumentos que estavam costurados nele…
Minha avó muda estava e muda continuou – algo raro nela – e meu avô, de dicionário na mão, ficou esperando a pergunta que fatalmente viria. O oficial abaixou-se, pegou um porta-retratos na mão e disse: “O que é isto?!” Meu avô foi ver do que se tratava e o oficial insistiu, irritado: “O que é isto?! Quem são estes?”
Meu avô viu o porta-retratos na mão do homem, se recompôs e disse: “Somos nós dois…” e o oficial: e estes três?! “São nossos filhos!” “E onde eles estão?” Meu avô conseguiu explicar que estavam em uma pensão ali perto, ao que o oficial, aos berros, respondeu: “Peguem tudo o que é de vocês e vão cuidar dessas crianças AGORA, neste instante!!”
Os dois se entreolharam, juntaram rapidamente tudo o que era deles – e não era muita coisa – e saíram correndo dali, antes que o oficial mudasse de ideia…
Chegaram à pensão, subiram e encontraram os três encarapitados na cama de casal, chorando baixinho, com as outras três caminhas mijadas pelo Benjamin. Os três estavam apavorados, com medo das IMENSAS BARATAS que transitavam pelo quarto – sim, nenhum deles jamais tinha visto algo assim tão assustador!
E foi assim que começou a saga da família Belinky em terras brasileiras…
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!