28 de março de 2024
Sergio Vaz

Oito Mulheres e um Segredo / Ocean’s 8

De: Gary Ross, EUA, 2018

Nota: ★★½☆

Oito Mulheres e um Segredo/Ocean’s 8, produção cara do cinemão americano, tinha bons elementos para fazer sucesso. O título original (assim como o brasileiro) já faz referência clara à trilogia da década passada, que juntava um elenco estelar liderado por George Clooney, Brad Pitt e Matt Damon – e que foi, é claro um sucesso espetacular.

Para fazer esta versão feminina do grupo de ladrões simpáticos, charmosos, elegantes que apronta um fantástico golpe, os produtores (entre eles Steven Soderbergh, que dirigiu os filmes de 2001, 2004 e 2007) juntaram grandes estrelas: Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Rihanna, Dakota Fanning, mais as ascendentes Sarah Paulson e Mindy Kalling.

Spin-off de uma franquia de tremendo sucesso, com um monte de grandes nomes. Seria muito difícil dar errado. Em termos de bilheteria, deu muito certo: com um orçamento de US$ 70 milhões, Ocean’s 8 rendeu US$ 140 milhões só nos Estados Unidos e Canadá, e mais US$ 157 milhões no resto do mundo. Total: US$ 297 milhões.

Spin-off. Acho que nunca havia usado essa expressão antes, mas ela é obrigatória para se falar de Ocean’s 8. Ocean’s 8 é o mais perfeito exemplo do que é um spin-off: uma obra – programa de rádio ou de TV, filme, história em quadrinho, o que for – derivada de outra. Uma derivação. Na internet, a Wikipedia e vários sites usam a palavra derivagem – algo que não está no meu Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, mas tudo bem. Um site chamado Meus Dicionários sintetiza que “o significado de Spin-off é, em sentido literal, derivagem ou derivado de algo” – e dá como exemplos, entre outros, as séries de TV Private Practice, criada a partir de Grey’s Anatomy, Better Call Saul, criada a partir de Breaking Bad, e Fear the Walking Dead, spin-off de The Walking Dead.

A lei Se Deu Certo, Faça Outro Parecido

É a lei da indústria: Se Deu Certo, Faça Outro Parecido. E é uma lei bem velhinha no cinema. Não sei se nos anos 30 já se usava a expressão spin-off, mas a rigor A Noiva de Frankenstein (1935) e O Filho de Frankenstein (1939) são spin-offs do Frankenstein de 1931, aquela maravilha dirigida pelo inglês James Whale.

Tem uma lei bem parecida, prima dessa aí. É a lei Se Deu Certo, Faça de Novo, também conhecida como lei Remake, ou Refilmagem.

Muitos dos jovens que se encantaram com Ocean’s 8 podem até não saber, mas o Onze Homens e um Segredo/Ocean’s 11 que Steven Soderbergh fez em 2001 é a refilmagem de Onze Homens e um Segredo/Ocean’s 11 de 1960, dirigido por Lewis Milestone. Naquele filme original, Danny Ocean, o chefe da turma, o que bola o plano e reúne os amigos para dar o grande golpe, era interpretado por Frank Sinatra – e os principais membros do grupo, pelos amigos de Frank Sinatra na vida real, os do Rat Pack: Dean Martin, Sammy Davis Jr, Peter Lawford.

A refilmagem de 2001, com George Clooney como Danny Ocean, foi um tremendo sucesso; custou US$ 85 milhões e rendeu no total US$ 450 milhões.

Se Deu Certo, Faça Outro Parecido – e aí vieram Doze Homens e Outro Segredo/Ocean’s Twelfe e Treze Homens e um Novo Segredo/Ocean’s Thirteen. Dois legítimos spin-offs – dois novos sucessos.

Se Deu Certo, Faça Outro Parecido – e aí Gary Ross, produtor, roteirista e de vez em quando diretor, teve a idéia de criar este Ocean’s 8. Oito Mulheres e um Segredo.

Bolou que Danny Ocean, aquele gênio do golpe, tinha uma irmã, Debbie, Debbie Ocean. Com isso já garantia o título que remete de imediato aos anteriores – Ocean’s 8, As 8 de Ocean.

Debbie (o papel de Sandra Bullock) passou uns 5 anos na prisão, condenada por um golpe que na verdade havia sido dado pelo então namorado dela. Durante aquele tempo, bolou um plano sensacional para roubar um espetacular colar de diamantes e mais algumas coisas no jantar de gala anual do Met, o Metropolitan Museum de Nova York, uma das festas mais badaladas e exclusivas do mundo – e, de quebra, se vingar do babaca do namorado que, enquanto ela esteve presa, se enriquecia como marchand.

Há um boa frase que Gary Ross – o autor do roteiro ao lado de Olivia Milch, com base na história que ele bolou – escreveu para Debbie Ocean-Sandra Bullock dizer para sua maior amiga, Lou (po papel de Cate Blanchett): – “Eu não conseguia ouvir os meus próprios pensamentos. Sabe como é, cinco mulheres em uma cela. Então consegui que me jogassem na solitária para algum tempo de paz e silêncio, e foi aí que finalmente bolei o plano.”

“Tive anos para ensaiar”, diz a golpista

O filme começa no momento em que, depois de cinco anos presa, Debbie está diante do funcionário da área do sistema judiciário que decide sobre a liberdade condicional – parole, em inglês.

(Sempre achei fascinante que para liberdade condicional nos Estados Unidos se use o termo parole – que eles pronunciam, é claro, parôu –,

tirado de parole, que tanto em francês quanto em italiano é palavra. Claro, liberdade condicional é isso, é soltar o preso com base na palavra dele. Mas não consigo ouvir alguém em um filme falar “parôu” sem me lembrar de Dalida e Alain Delon cantando “Parole, parole” – “Une parole encore. / Parole, parole, parole / Ecoute-moi. / Parole, parole, parole / Je t’en prie. / Parole, parole, parole / Je te jure. / Parole, parole, parole, parole, parole

encore des paroles que tu sèmes au vent.”

Vixe: viajei. Perdão.)

A câmara fica fixa em Debbie Ocean-Sandra Bullock – e ela faz a cara mais inocente, mais boazinha que consegue. O funcionário, o Parole Board Officer, fala didaticamente, calmamente. A voz dele é do ator e diretor Griffin Dunne, do inesquecível After Hours (1985), de Martin Scorsese.

Parole Board Officer: – “Como você sabe, a condicional é um privilégio. E uma das restrições de qualquer condicional é evitar a companhia de qualquer pesoa que tenha uma ficha criminal de qualquer tipo. Isso incluiria boa parte de sua grande família.”

Debbie Ocean: – “Sim, e isso obviamente não é algo de que me orgulhe”.

Parole Board Officer: – “Isso seria um desafio impossível para você?”

Debbie Ocean: – “Não, não. Eu não quero aquela vida. Eu nunca quis aquela vida. Meu irmão, hum… Que ele descanse em paz – era um criminoso. Eu o amava, mas ele era um trapaceiro. Estava no seu sangue.”

Parole Board Officer: – “E não está no seu sangue?

Debbie Ocean: – “Não. Não, senhor. Hum… Eu me apaixonei pela pessoa errada. Foi um erro. Mas aconteceu. E se eu viesse a ser libertada… Quero dizer… No caso de acontecer de eu algum dia vir a ser libertada… Eu gostaria apenas de ter uma vida simples. Eu procuraria um emprego, faria alguns amigos, daria uma caminhada depois do trabalho no ar fresco e pagaria minhas contas.”

Na sequência seguinte, Debbie está pegando seus pertences originais de quando chegou ao presídio com uma guarda que, obviamente, a conhece muito bem, sabe que tipo de pessoa ela é.

O espectador não fica sequer sabendo o nome da guarda; ela é interpretada por Deidre Goodwin, e a atriz faz uma deliciosa cara de mulher inteligente, esperta, que sabe das coisas.

Quase caindo na risada, ela diz para Debbie: – “Vida simples, é?”

Debbie comenta: – “Ah, então você ficou sabendo, é?” E a guarda: – “Todo mundo ficou sabendo”.

Debbie encerra: – “Tive anos para ensaiar”.

Na minha opinião, essa sequência rápida, esse diálogo entre a golpista que está saindo em liberdade condicional e evidentemente vai partir para um novo golpe, e a guarda que está cansada de saber disso, é a melhor coisa deste Ocean’s 8.

Não é que seja um filme ruim. Não. É uma bem produzida diversão. Com toda certeza agradou a milhões e ainda vai agradar a outros mais.

O problema sou eu, não é o filme. Logo fui me desinteressando por aquela trama cheia de truquezinhos espertos que cada uma das mulheres reunidas por Debbie Ocean farão para conseguir roubar o tal colar bilionário y otras cositas más do Metropolitan.

Acho que passei da idade de ver filmes que fazem o elogio de ladrões, golpistas, foras da lei de maneira geral.

Prefiro os filmes que falam de pessoas que vivem a vida simples.

Anotação em junho de 2019

Oito Mulheres e um Segredo/Ocean’s 8

De Gary Ross, EUA, 2018

Com Sandra Bullock (Debbie Ocean), Cate Blanchett (Lou), Anne Hathaway (Daphne Kluger), Helena Bonham Carter (Rose), Mindy Kaling (Amita), Sarah Paulson (Tammy), Rihanna (Nine Ball), Awkwafina (Constance), Dakota Fanning (Penelope Stein), Richard Armitage (Claude Becker), Griffin Dunne (funcionário da condicional), Deidre Goodwin (a guarda da prisão), Daniella Rabbani (vendedora da Bergdorf), Brian J. Carter (Mr. Randall), Gemma Forbes (Mrs. Randall), Midori Francis (April)

e, em participação especial, Elliott Gould (Reuben)

Argumento e roteiro Gary Ross & Olivia Milch

Baseado em história de Gary Ross

Baseada em personagens criados por George Clayton Johnson &

Jack Golden Russell

Fotografia Eigil Bryld

Música Daniel Pemberton

Montagem Juliette Welffling

Casting Shayna Markowitx e Debra Zane

Produção Warner Bros., Village Roadshow Pictures, Rahway Road Productions, Smokehouse Pictures

Cor, 110 min (1h50)

O Boletim

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