28 de março de 2024
Sergio Vaz

O PT não entende nada de pobres

Foto: Arquivo Google

Além de roubar e mentir, o partido usou o santo nome do povo em vão.
O PT sempre falou em nome dos pobres. Sempre agiu como se tivesse procuração dos pobres, assinada por O Povo, reconhecida em cartório. Como se só ele soubesse o que os pobres querem, desejam, anseiam.
O PT não entende nada de pobres. Tudo o que o PT defende é o oposto do que os pobres querem.
Os pobres não gostam de Estado imenso, forte, onipresente. Nem acham que os patrões são os vilões, os lobos maus. Acham que o Estado cobra muito imposto, impõe muitos entraves burocráticos, gerencia mal a economia, e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas.
Para os pobres – ao contrário do que diz e pratica o PT –, o principal confronto que há na sociedade não é entre ricos e pobres, entre patrões e trabalhadores. O embate que existe é entre o Estado e os cidadãos, entre a sociedade e seus governados.
Os pobres não enxergam o mundo dividido entre trabalhadores versus burguesia, trabalhadores versus patrões. Entendem que um precisa do outro, já que estão todos no mesmo barco.
Os pobres não querem ser tratados como coitadinhos. Acreditam que com esforço podem melhorar de vida, podem chegar lá.
Os pobres acreditam em mérito.
Os dois primeiros parágrafos são conclusões minhas. Os demais, não. Quem diz isso tudo aí nos cinco parágrafos anteriores são sou eu, não é o Reinaldo Azevedo, a Veja, O Estadão, O Globo, o FHC, o PSDB. São as conclusões a que chegou uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, o braço acadêmico do próprio Partido dos Trabalhadores.
A notícia não é novíssima: foi divulgada pela primeira vez, que eu saiba, em editorial do Estadão na segunda-feira da outra semana, dia 3 de abril. Na terça, 4/3, o Estadão publicou reportagem sobre a pesquisa, e O Globo publicou a sua na quarta, 5/3.
A notícia não é novíssima, mas me parece uma das mais importantes dos últimos anos, e é por isso que, embora com atraso, quis falar dela aqui.
O PT não entende nada de pobres!
Pesquisa feita pela fundação ligada ao próprio partido demonstrou isso fartamente.
O PT não apenas roubou demais, ao longo dos longos, intermináveis 13 anos, 5 meses e 12 dias em que presidiu o Brasil. Não só mentiu demais.
Além de tanta roubalheira e tanta mentira, o PT fez um discurso equivocado, falho, não verdadeiro.
Baseou-se em suas próprias idéias, no arcabouço ideológico de seus fundadores e principais lideranças, gente da classe média, aquela que Marilena Chauí odeia tanto – e não naquilo que os mais pobres, os da periferia, os trabalhadores de verdade pensam, querem, almejam, desejam.
O PT usou o santo nome do povo em vão.
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Um trecho do relatório sobre a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, pinçado por Elio Gaspari em sua coluna de domingo, 9/4, em O Globo e na Folha de S. Paulo, diz o seguinte:
“O campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hemogênicas mais consistentes e menos maniqueístas ou pejorativas sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança.”
Segundo Elio Gaspari, Madame Natasha – a personagem criada por ele que sabe Português muito bem – concedeu uma de suas bolsas de estudo aos redatores do relatório. Segundo Madame Natasha, o que eles quiseram dizer foi o seguinte, devidamente traduzido para o Português:
“Vamos parar de dizer tolices sobre indivíduo, família, religião e segurança.”
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A piada de Gaspari é ótima. É sempre bom rir das idiotices petistas. Mas o assunto é sério. Abaixo vão as íntegras da reportagem do Globo e do editorial do Estadão sobre a pesquisa que demonstra que o PT não entende patavina de povo.
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O desencanto de ex-eleitores do PT
Reportagem de Sérgio Roxo, O Globo, 5/4/2017.
Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, com ex-eleitores do partido aponta um descolamento entre o discurso da legenda e o que pensam moradores da periferia de São Paulo. O levantamento qualitativo, feito entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, revela que, para a população de favelas e de bairros afastados do Centro, o Estado é o grande adversário do cidadão. Também, ao contrário do que tem apregoado o PT, não existe disputa entre ricos e pobres.
O embate entre esquerda e direita, tão propagado pelos dirigentes petistas, é considerado inexistente.
— É visível que há uma desconexão muito forte entre o discurso petista e a periferia — avalia o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV.
A pesquisa ouviu eleitores que votaram no PT no passado, mas não optaram nem por Dilma Rousseff na disputa presidencial de 2014 tampouco por Fernando Haddad na eleição municipal de 2016. Os entrevistados tinham renda familiar de até cinco salários mínimos, e 30% deles eram beneficiários de algum programa social (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida ou Prouni).
Os entrevistados indicaram a corrupção como o principal problema do país. A política é considerada “suja”.
— A inclusão social da era Lula foi colocada em xeque muito rapidamente. E emerge desse período uma visão disseminada de um Estado corrupto — afirma Teixeira.
As queixas contra o Estado têm como alvo principal a cobrança de impostos. As irmãs Beth Pereira, de 42 anos, e Marisete Pereira da Silva, de 39 anos, se juntam aos descontentes com o valor das taxas. Os tributos são apontados por elas como obstáculo para formalizarem a loja de venda de doces na Favela de Paraisópolis, a segunda maior de São Paulo.
— São muito impostos. Se pagarmos tudo, não sobra nada para gente. E o pior é que não sabemos para onde vai o dinheiro que eles arrecadam — reclama Beth, que começou a trabalhar aos 14 anos como doméstica e, há cinco anos, abriu o seu negócio próprio ao lado da irmã.
As duas, como os entrevistados da pesquisa, já foram eleitoras do ex-presidente Lula e Dilma Rousseff.
— Foi muita decepção depois — diz Marisete, também ex-doméstica, referindo-se às investigações da Lava-Jato.
Beth e Marisete contam que a situação delas e dos outros quatro irmãos hoje é muito melhor do que a de quando a família delas se estabeleceu na favela, em 1988, vinda de Vitória da Conquista, na Bahia.
— Conquistamos bastante coisa. Foi muito esforço e dedicação — afirma Beth.
Presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann diz que o objetivo da pesquisa foi conhecer melhor o segmento social que ascendeu socialmente com o PT no poder:
— A pesquisa consolida essa visão de que faltou um projeto de cidadania (durante os anos Lula e Dilma) mais do que um projeto de inclusão pelo consumo.
O sentimento de que o esforço pessoal possibilita uma melhora na condição de vida é retratado na pesquisa. “Apresentam discurso consistente de que não existem barreiras intransponíveis —‘com esforço tudo é superado’”, diz o relatório da pesquisa. É esse mais um ponto, na visão de especialistas, que distancia o PT.
— Aparentemente os representantes do PT continuam insistindo numa linha político-ideológica que é muito mais apropriada para a primeira metade do século 20, com uma perspectiva de luta de classes e coletivista que se sobrepõe ao indivíduo. Os entrevistados têm uma visão de valorização do papel do indivíduo — avalia o cientista político José Álvaro Moisés, professor da USP.
As citações a Lula entre os entrevistados acontecem mais em relação ao seu exemplo de ascensão social do que pelas políticas que implementou no governo. “Há uma busca por identificação com histórias de superação e sucesso, é nessa medida que figuras tão díspares como Lula, Silvio Santos e João Doria aparecem como exemplos”. Doria, aliás, é citado como “beneficiário do cenário de descrédito” por ser “um não político, gestor trabalhador que ascendeu e, por isso, não vai roubar”.
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O colapso do discurso petista
Editorial, Estadão, 3/4/2017.
A derrota sofrida pelo PT na eleição municipal de São Paulo foi tão acachapante que o partido resolveu tentar descobrir, com método científico, as razões desse desastre, que foi especialmente doloroso na periferia da capital, antigo reduto petista. Para isso, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, foi aos bairros mais pobres da cidade para entrevistar os eleitores que, embora tivessem votado no partido entre 2002 e 2012, se negaram a votar em Dilma Rousseff para a Presidência em 2014 e em Fernando Haddad para a Prefeitura em 2016.
O resultado desse trabalho ilustra o quão descolado da realidade está o discurso petista voltado para os mais pobres. Mais do que isso, permite perceber que esses eleitores, diferentemente do que apregoam os ideólogos petistas, consideram o Estado, e não a “burguesia”, como seu inimigo, valorizam a meritocracia e entendem que a crise ética da sociedade não é resultado de vícios estruturais, e sim de mau comportamento individual, que deve ser resolvido, antes de mais nada, pela família.
A pesquisa foi feita entre 22 de novembro de 2016 e 10 de janeiro deste ano, baseando-se em entrevistas em profundidade com moradores de bairros periféricos de São Paulo, acima de 18 anos, com renda familiar mensal de até cinco salários mínimos e que deixaram de votar no PT. Ao menos 30% dos entrevistados são ou foram beneficiários de programas sociais implementados pelos governos petistas. Ou seja, é o perfil tido como característico do eleitor petista, ao menos no imaginário dos que consideram o PT representante natural dos “excluídos”.
Como hipótese, o estudo afirma que o padrão de vida na periferia melhorou como resultado direto das políticas dos governos petistas, mas essa melhoria levou os moradores a “se identificarem mais com a ideologia liberal, que sobrevaloriza o mercado”. Com a crise econômica, prossegue a hipótese, esses moradores, ao contrário do que os petistas certamente esperavam, reagiram movidos pela “lógica da competição”, isto é, pela ideia de que é preciso que cada um trabalhe duro para superar os problemas. Tal visão é incompatível com uma ideologia que anula o indivíduo em favor da “classe trabalhadora”.
De um modo geral, a pesquisa concluiu que a política “não é prioridade no cotidiano” dos entrevistados. Quando falam do tema, em geral abordam os escândalos de corrupção. O estudo constatou também que “as categorias analíticas utilizadas pela militância política ou pelo meio acadêmico não fazem sentido para os entrevistados”, isto é, os embates entre “direita” e “esquerda” ou entre “reacionários” e “progressistas” simplesmente “não habitam o imaginário da população”. Além disso, constatou a pesquisa, “a cisão entre a classe trabalhadora e a burguesia também não perpassa o imaginário dos entrevistados”. Isso significa, em outras palavras, que toda a discussão sobre a divisão da sociedade entre “nós” e “eles”, promovida incessantemente pelo PT, é significativa somente para as classes médias e as suas redes sociais.
O estudo é obrigado a reconhecer que “o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores”, e sim “entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes”. Para os entrevistados, “todos são vítimas do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas”. A maioria, ademais, se disse favorável a “uma atuação mais integrada entre poder público e iniciativa privada em favor da coletividade”.
Dessa forma, segundo a Fundação Perseu Abramo, “abre-se espaço para o ‘liberalismo popular’, com demanda de menos Estado”. A entidade sugere que, se quiser voltar a prevalecer nas urnas, “o campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas”. É o reconhecimento, afinal, de que a estratégia petista de hostilizar as “elites” fracassou, e é também a prova de que um projeto político que racionalize o Estado, estimule a iniciativa privada e premie os melhores e mais esforçados é eleitoralmente viável.

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