25 de abril de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Sob o domínio dos ratos

A tentativa de afrouxar leis anticorrupção é efeito da aliança deletéria Bolsonaro-centrão.

Relaxamento da lei da improbidade e das regras para prisão de parlamentares, com abrandamento na Lei da Ficha Limpa. O pacote da impunidade, deflagrado fora dos ritos regimentais e com celeridade jamais vista, é o primeiro efeito prático da aliança deletéria entre o centrão e o presidente Jair Bolsonaro, aquele que enganou seus eleitores se dizendo um combatente da corrupção.

A reação pública contrária foi tamanha que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se viu obrigado a voltar atrás na velocidade da tramitação da PEC da blindagem. Mas só fez depois de tentar passar o trator por cima de tudo e todos por dois dias seguidos. Derrotado, agora diz que vai criar uma comissão para analisar o tema.

As mudanças pretendidas, associadas a outras patrocinadas diretamente pelo governo, são o maior cavalo de pau já dado na legislação que, mesmo de forma tímida, protege parcialmente o Estado das garras da corrupção.

Tocada com menos ruídos, a lei da improbidade pode ser totalmente degenerada, com alterações para lá de danosas.

A descriminalização do nepotismo – prática da qual a família Bolsonaro é entusiasta, já tendo empregado mais de 100 parentes e amigos -, é apenas um dos itens da indecorosa proposta. Por ser escandalosa demais, pode ter sido colocada como bode em uma sala na qual o perdão alcançaria fraudes em licitações e até a legalização da carteirada. Pretende-se ainda deixar de fora das punições por improbidade o agente público que desrespeitar a lei de acesso à informação e quem deixar de prestar contas no prazo legal. Um escândalo.

Enquanto isso, o fim do foro privilegiado para políticos adormece no Parlamento há exatos 1.364 dias. E a lei que estabelece prisão para condenados em segunda instância, inicialmente defendida por Bolsonaro e incluída pelo ex-ministro Sérgio Moro no pacote anticorrupção desidratado pelo seu ex-chefe, se perdeu nos escaninhos da Câmara.

O afrouxamento de medidas anticorrupção tem sido tratado como pauta do Congresso, mas Bolsonaro não tem como escapar do fato de os absurdos só terem saído da gaveta depois de seus aliados assumirem as presidências da Câmara e do Senado. Coroa ainda uma série de ações praticadas a conta-gotas que aliviam corruptos, a começar pela decisão do presidente de mexer na Coaf, em meados de 2019, depois de o órgão fornecer provas de prevaricação de seu primogênito. Também com o intuito de proteger os seus, Bolsonaro interveio na Polícia Federal, ação denunciada por Moro em abril do ano passado, cuja lerdeza da investigação faz inveja a uma tartaruga.

Na semana passada, o Conselho de Ética da Câmara arquivou a denúncia contra o 03, Eduardo, que teria quebrado o decoro com lichamento virtual da colega e hoje inimiga Joice Hasselmann (PSL-SP). Flávio, o senador, navega em outras esferas. Acabou de ser beneficiado pelo STJ por uma conveniente interpretação processual no caso do desvio de dinheiro público apelidado de rachadinha. O voto que estimulou a anulação veio de João Otávio Noronha, a quem Bolsonaro já havia declarado “amor à primeira vista”.

Vira e mexe Bolsonaro bate no peito para dizer que não há corrupção em seu governo. Mas deve explicações sobre a manutenção de ministros cultivadores de laranjais, dos preços exorbitantes da cloroquina produzida pelo Exército e, mais próximo de si, das peripécias do primeiro amigo Fabrício Queiroz. Tem, assim como Lula, seus aloprados de plantão.

Em dezembro de 2012, quando o Supremo encerrou o julgamento do mensalão, tido à época como o maior escândalo de corrupção da História, o Brasil suspirou aliviado. Pela primeira vez, gente graúda ia para cadeia. Os políticos se livraram rapidamente da encrenca, deixando as penas pesadas para os operadores do esquema, tendo à frente o publicitário Marco Valério. Como se ele, e não os políticos beneficiados pela ladroagem, fosse o bandido maior.

Dois anos depois, a Lava-Jato começou a mostrar a um país estarrecido que o esgarçamento no tecido do Estado era maior e muito mais grave. Renovou-se o crédito no encarceramento de poderosos. Mas, na contramão da expectativa dos brasileiros – 70% continuam apoiando a Lava- Jato -, a operação foi suspensa pelo PGR de Bolsonaro, Augusto Aras. E as mais de 170 condenações em primeira e segunda instâncias obtidas pelo grupo de Curitiba, com quase R$ 5 bilhões de ressarcimento de dinheiro roubado, estão a um milímetro de serem anuladas a partir de escutas obtidas por hackers, portanto, ilícitas.

Para a alegria de Bolsonaro, o maior beneficiário dessa provável reversão será o ex Lula, adversário preferencial do capitão para 2022.

Os que dela se lambuzam dizem que corrupção é um mal endêmico. Usam o dito como desculpa, embora ele reforce os motivos para recrudescer as punições, e não para afrouxá-las.

Tal como se conseguiu constranger Lira e os seus a recuarem na PEC da impunidade, é preciso mobilização permanente para evitar que os ratos de sempre e os de ocasião continuem a corroer o país, a encher os bolsos, ampliar fatias de poder ou ludibriar o eleitor com promessas ilusionistas e populistas.

Este artigo foi originariamente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 28/2/2021.

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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