13 de dezembro de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Livres e soltos

A impunidade é fruto da união dos poderes econômico e político com leis arcaicas e protecionistas.

Corrupção não é invenção nacional. Mas o Brasil, mesmo tendo avançado na condenação de poderosos, mantém a patente da couraça para políticos e endinheirados. A blindagem legal afrouxa ou prorroga processos até a sua prescrição, reduz penas e os tira da cadeia com celeridade. Inclusive aqueles prontos a reincidir no delito.

A análise do cumprimento de penas do Mensalão e dos crimes apurados pela Lava-Jato é didática.

No Mensalão, tido como o julgamento do século, o Supremo Tribunal Federal condenou 24 políticos e empresários. Curiosamente, operadores políticos – José Dirceu, Delúbio Soares, Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto – tiveram punições inferiores a oito anos de reclusão, beneficiando-se rapidamente do regime semiaberto. Cumprido um sexto da pena, foram devolvidos para casa.

O sol quadrado também durou pouco para o foragido Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil no período áureo do governo Lula. Condenado a 12 anos e 7 meses, além de multa de R$ 1,2 milhão, fugiu para Itália. Capturado e extraditado ficou um ano e meio preso, pulando do semiaberto para a liberdade condicional.

Na cadeia restaram apenas os operadores financeiros, Marco Valério à frente, condenado a 37 anos de prisão. Beneficiários diretos esquema, como o ex Lula, nem mesmo chegaram a ser investigados.

As condenações resultantes das investigações da Lava-Jato foram mais duras, com penas pesadas. Mas também aqui os políticos se livraram mais cedo das grades do que empreiteiros e operadores.

Lula, o mais icônico deles, aguarda em liberdade a quarta decisão “final” do Supremo quanto à prisão após condenação em segunda instância. Sobre o tema, desde 2009 a Corte tem um entendimento gangorra, ora pode prender, ora não.

Reincidente – já havia sido condenado a mais de 7 anos no Mensalão -, Dirceu deveria cumprir pena de 23 anos por corrupção passiva e recebimento de vantagem indevida. Está solto. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), condenado a 15 anos, e o ex-deputado André Vargas (PT-PR), a 14 anos e 4 meses, também ficaram pouco tempo na cela.

Outros liberados são o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), esse último protagonista de um enredo que exprime a força da impunidade. Condenado no Mensalão a 7 anos de prisão e uma multa de R$ 1 milhão, Corrêa foi beneficiado com o semiaberto e fracionou a dívida. Só pagou a primeira parcela da fatura e continuou solto. Três anos depois caiu nas garras da Lava-Jato. Condenado a mais de 20 anos de xilindró, virou delator. Hoje, goza de prisão domiciliar – e de todos nós.

A delação, ainda sob dúvidas de veracidade, também está mantendo fora das grades o ex-ministro Antonio Palocci, sentenciado a 12 anos de prisão na 35ª fase da Lava-Jato.

Condenado a 266 anos de reclusão, o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, é o único político no âmbito das investigações da Lava-Jato que continua preso. Além dele só estão atrás das grades doleiros de segundo escalão e operadores financeiros.

Frisa-se que a impunidade obtida nos meandros judiciais nada tem a ver com as investigações da Lava-Jato, a maior e mais eficaz operação contra a corrupção a que o país assistiu, com números impressionantes. Em 6 anos, foram 500 denúncias à Justiça, mais de 1.300 ordens de busca e apreensão, 293 prisões preventivas e temporárias, R$ 4 bilhões devolvidos ao erário. Nem com a Greenfield, cuja investigação mandou para a cadeia o ex-ministro de Lula e de Michel Temer, Geddel Vieira Lima (MDB-BA), flagrado com R$ 51 milhões em dinheiro vivo mal ajambrados em malas dentro de um de seus apartamentos.

A impunidade é fruto da combinação perversa dos poderes econômico e político a uma legislação arcaica e protecionista.

Não raro, se dá pela prescrição. Pelo arcabouço legal que, em nome de assegurar a ampla defesa, beneficia os endinheirados que podem pagar por recursos judiciais infindos a bancas de advogados de prestígio. Por vezes também é alimentada pela criatividade dos togados. E, frequentemente, pelas vistas grossas e estímulos invertidos dos governantes de plantão.

Eixo da campanha de Jair Bolsonaro, o combate à corrupção foi para o espaço. Não frequenta o discurso do presidente desde que vieram à tona as encrencas do zero um, Flávio. Vale só para inimigos declarados, a exemplo do governador Wilson Witzel. O temor do impeachment também foi decisivo, levando-o a compactuar com velhos amigos da escória política, investigados e condenados. Entre eles gente do naipe de Jefferson (condenado a 7 anos, 14 dias e multa de R$ 926 mil) e Costa Neto (7 anos, 10 meses e R$ 1,6 milhão).

Bolsonaro detonou Sérgio Moro, símbolo da Lava-Jato, e aplaude o desmonte das forças-tarefas anticorrupção, generosamente patrocinado pelo procurador-geral Augusto Aras. Ergue-se, assim, um escudo extra aos neoaliados do presidente.

O tríplice golpe nas forças-tarefas, com as saídas sequenciais de Deltan Dallagnol da coordenação da Lava-Jato, dos sete integrantes do ramo paulista da Operação e do procurador Anselmo Lopes, da Greenfield, pode até não ter nada a ver com isso. Mas o tamanho da coincidência faz as pulgas pulularem por detrás das orelhas.

Fonte: Veja online

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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