20 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

A cloroquina é vilã?

 

Foto: Google Imagens – Correio Braziliense

Os extremos nunca foram benéficos  à democracia de qualquer país. E é exatamente esse o momento que estamos vivendo no Brasil.

Nos palanques a todo momento ouve-se ser isso e aquilo bom para o “estado democrático de direito”. Virou bordão.  Mas quem entre os que gritam estão de fato imbuídos de sentimento patriótico?

Ora, ninguém quer um país de mansos, a não ser aqueles que esperam do povo uma reação bovina. Entre esquerda e direita muitos gostariam que o eleitor só dissesse amém.  Mas isso, pouco a pouco, está mudando.

Começa a haver uma certa reação por parte daqueles que sempre permaneceram calados, submissos ao poder.  Isso é bom. Só que enquanto o questionamento ganha força, a polarização exacerbada fecha o cerco  e gera um ranço intragável.

As duas vertentes que disputam verdades, como se fossem absolutas, estão transformando o atual cenário político nacional num bate-boca federal. Acusações sem provas, escândalos,  desvios de recursos no combate à pandemia, maus gestores etc. Mais do mesmo com aditivo virulento.

Não se pode compactuar com crimes e excessos em tempo nenhum, muito menos em meio à maior crise de saúde jamais vista no mundo.

Não é só no Brasil que existem dúvidas quanto ao que fazer porque ninguém estava preparado para o que aí está. Até mesmo a China, o palco de origem da pandemia, vem enfrentando seus desatinos, só que em silêncio — fechada entre espadas como qualquer ditadura.

Os protocolos de combate à pandemia, medicamentos, saúde pública, infraestrutura hospitalar, treinamento de profissionais de linha de frente,  saíram dos manuais para a prática agora. Todos estão sendo postos à prova.

Dadas as proporções, a humanidade desconhecia algo tão devastador.  Países de todos os continentes estão enfrentando seus próprios dilemas em todos os aspectos.

Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, acabava de amarrar o “brexit”, retirada da União Europeia, quando o coronavírus chegou à península.  Desdenhou o poder de contaminação achando que tudo ficaria restrito à Itália,  o epicentro europeu logo no começo, e se deu mal. Por sorte de não  contraiu a cepa mais grave. Hoje posa ao lado do norte-americano Joe Biden, que acelera seu programa de imunização, sem máscara e tudo bem. Os EUA, que também não obriga o uso de máscaras, são treinados para as guerras,  conhecem muito sobre administração de crises e têm grandes laboratórios no seu território. Grande vantagem.

Itália e Espanha também subestimaram o potencial letal da covid-19 e tiveram duas ondas de contaminação,  uma mais potente que a outra. O fato é  que certezas, ninguém tem. É tudo na base de muito estudo, tentativa e erro.

No Brasil, a polêmica está na criminalização do uso da cloroquina, hidroxicloroquina, invermectina, como tratamento precoce em pacientes com covid-19, ou qualquer coisa que o presidente da República propagandeie.

Como o país  está dividido em dois e a turma do entretanto não apita, uma ala da política defende o uso e a outra execra. Nenhum dos dois por convicção ou baseados em estudos científicos concluídos.

Em muitos países está em uso o que se convencionou chamar de “kit covid”. Não só contendo esses fármacos, mas um conjunto de “medicações de ataque”, para fazer frente à doença antes de seu agravamento.

É fato que os componentes foram idealizados para combater os efeitos de outras doenças não da covid-19. Mas essa alternativa  não surgiu do nada e nem foi por obra do Bolsonaro.

Quem começou a polêmica, sem querer, foi o médico microbiologista francês,  Didier Raoult, diretor do Instituto Hospital  Universidade Méditerranée, da França. Mesmo sendo ele defensor da droga, não há resultado conclusivo, nem em seu país. Há reportes de êxito bem como do aumento de risco de arritimias em pacientes portadores de doenças cardíacas.  Apenas evidências de resultados clínicos.

O próprio semanário científico The Lancet, um dos maiores em credibilidade do mundo, decidiu rever a pesquisa publicada sobre o tema, em 22 de maio último,  junto a um universo de 96 mil pessoas. O resultado  diz que o uso da hidroxicloroquina não se mostrou um risco para a maioria das pessoas, nos seis continentes.

Se há a dúvida é porque o medicamento está sendo testado em muitos países,  como método de combate à fase inicial da covid.  Também se desconhecem resultados de estudos sobre os benefícios da cloroquina em associação com antivirais potentes, corticóides e vitamina C com zinco e outras composições. No Brasil,  o “kit covid”  já é  adotado por inúmeros convênios de saúde.

Todas essas abordagens medicamentosas carecem de estudos aprofundados. Mas há tempo para toda essa polêmica enquanto o número de vítimas cresce? Já há grupos de cientistas pesquisando a vulnerabilidade maior de contágio entre os grupos sanguíneos. As pesquisas entre doentes, divulgadas pela BBC, concluíram que os pacientes com tipo sanguíneo “A”  são mais vulneráveis e as que apresentam maior mortalidade. Nada conclusivo cientificamente também,  mas são linhas de investigação que a ciência está adotando para desvendar o coronavírus-19.

Já  pela terra brasilis a guerra à covid ganhou um caráter inquisidor, bem ao estilo  “Torquemada”. Quem defende ou já tomou hidroxicloroquina e/ou invermectina está cometendo  “crime contra a humanidade” porque não há comprovação científica para uso neste caso. Mas quais têm? As vacinas produzidas a toque de caixa pelos grandes laboratórios têm? Também não.  Só porque o mister presidente é  defensor e propagadeador voluntário da cloroquina criou-se a pendenga. Logo, quem usa ou usou é cúmplice e direita também. É muita bobageira junta.

Por conta dessa e várias maracutaias cometidas em estados e municípios é que surgiu a CPI da covid. Mas não tem nada de franciscano nisso. O intuito é  claro: promover a criminalização do presidente da República e desgastá-lo antes da próxima corrida eleitoral. Porque, afinal, assassino é pior do que ladrão,  não é mesmo?Não tem ninguém bonzinho nessa história.

Mas, o que não pode é uma comissão parlamentar de inquérito cometer excessos, com atitudes grosseiras à depoentes, como aconteceu com a doutora Nise Yamaguchi. Não se pode aprovar esse tipo de atitude, de senadores da República. E quem acha lícita a humilhação a que foi submetida a médica  tem que checar seu conjunto de princípios.

Mais repugnante foi ver o colega dela, Otto Alencar, senador pelo PSD da Bahia e médico ortopedista de formação, encurralá-la com uma “chamada oral” digna de carrascos de escolas dos anos 1950. Não se trata de concordar ou discordar simplesmente, mas a comissão não é um tribunal de exceção.

Seja Nise Yamaguchi “fada madrinha” de Bolsonaro ou não, seja mais pose do que pompa e circunstância, sobrou maldade e descortesia  para com ela. Nem vem ao mérito o grau de  influência que ela exerça nos corredores de ministérios informais. Aliás muito comuns em todos os governos brasileiros e estrangeiros. Os presidentes têm seus núcleos de palpiteiros oficiais, sem exceção.

Aliás, o que a grande maioria das pessoas não sabe  é como definir um vírus. É tratado comumente como “bicho” pela imprensa e por leigos, mas não é. Vírus é um organismo que sequer possui célula e necessita de hospedeiro para se reproduzir. A grande questão do sars covid-2 é a sua enorme capacidade de sofrer mutações, ser letal para algumas pessoas e outras não. Resta saber o quê pode interromper seu ciclo de superação.

Enquanto isso, a  cloroquina, mesmo sem eficácia comprovada no uso contra os males da covid, continuará sendo usada informalmente, bem como outros tantos medicamentos que possam atuar como potentes antivirais porque o que importa é salvar vidas. Enquanto isso, a valsa segue.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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