Durante 10 dias, tive a oportunidade de usar – e avaliar – o carrinho azul que você vê nas fotos deste post, a Chevrolet Tracker em sua versão topo de linha, a Premier. Com ela, fiz alguns bons passeios seguros em relação à pandemia – aliás, esse foi o primeiro test-drive que fiz depois de seis meses praticamente sem sair de casa. E me desloquei (pouco), também, pela cidade em dias úteis. Tempo e trajetos suficientes para concluir que, o que essa SUV tem de mais bacana é não se comportar como seria de se esperar em uma SUV. Falando assim, pode parecer que estou acusando os engenheiros da GM de nos empurrarem gato por lebre, ou hatch por utilitário esportivo, mas não é isso. Explico a seguir.
Faz já um bom tempo que os chamados veículos utilitários esportivos (ou sport utility vehicles, em inglês) ganharam a preferência de uma enorme fatia do mercado. Inicialmente nos Estados Unidos e, em seguida em outros cantos do mundo, incluindo aqui o Brasil. Não vou me estender muito nos motivos para isso, sobre os quais já falamos tanto, eu e todos os colegas que escrevem sobre carros. Apenas lembrar que a posição de dirigir, mais elevada que a dos carros de passeio comuns, é uma dessas razões principais para tal preferência do consumidor.
O problema é que, ao tornar o carro mais alto, elevando junto seu centro de gravidade, duas coisas importantes acabam sendo sacrificadas: a estabilidade e a, digamos, dinâmica – e junto com ela o prazer – de dirigir. Graças ao avanço da tecnologia automotiva, o primeiro dos dois problemas consegue ser bastante amenizado com uma série de sensores e controles, que ajudam a manter as rodas onde elas devem estar, ou seja, pousadas sobre o piso. Mas, ainda assim, conduzir esses carros dificilmente passa aquelas sensações de agilidade (e não falo apenas de aceleração e velocidade máxima), manobrabilidade e arrojo que um bom sedã ou hatch com a mesmíssima plataforma mecânica proporcionariam.
Assim é, por exemplo, com o Audi Q3 em relação ao irmão A3, com o VW T-Cross em relação ao Polo, com o Ford Ecosport em relação ao (finado) Fiesta e por aí vai. E era isso que eu esperava encontrar no Tracker em relação ao novo Onix, com o qual ela igualmente compartilha sua base. Mas, felizmente, não foi bem assim. Muito do que tem impulsionado o sucesso dos novos compactos hatch e sedã da linha Chevrolet em termos de conforto e desempenho – esse, nas versões turbo, claro – encontrei, também, nessa versão “aventureira” da linha. O espaço interno é bom e o pacote de recursos e acessórios, nessa Premier, é até mais generoso. E inclui recursos de segurança providenciais, como detetor de ponto cego, controles eletrônicos de estabilidade e de tração e sistema de frenagem automática de emergência, em caso de colisão iminente.
Mais força que no Onix
Nessa opção mais cara – assim como na intermediária LTZ –, o motor da Tracker é um pouco maior que o dos irmãos Onix. No lugar do 1.0 de três cilindros turbinado, há um 1.2, também tricilíndrico e turbinado. São 133cv de potência e 21,4 kgfm de torque (com álcool) contra 116cv e 16,8 kgfm dos manos mais baixos (há ainda uma versão mais barata da Tracker com o 1.0). Se não chega a impressionar como a geração anterior dessa SUV, que trazia o mesmo propulsor 1.4 turbo do Cruze, com seus 153cv e 24 kgfm, o atual tem força suficiente para todas as situações mais comuns, como subidas mais puxadas, arrancadas e retomadas de velocidade.
Em um dos passeios, éramos quatro a bordo e subimos para Santa Teresa, bairro carioca que fica no alto do morro. Ladeiras íngremes de paralelepípedos foram vencidas sem muito esforço aparente e com total conforto. O teto solar panorâmico – um opcional dessa Premier –, aliás, é perfeito para fazer turismo, mesmo em nossa própria cidade. Salvo quando o giro do motor ultrapassa os 3.500 rpm aproximadamente, mal se dá conta de sua existência. A suspensão bem acertada também dá conta de amortecer ondulações e buracos, sem deixar de ser justa o suficiente para passar confiança nas curvas.
E aí volto à tal semelhança com hatches e sedãs. Juntando suspensão, motor, posição de dirigir e até o desenho (de que gostei bastante) da carroceria, essa Tracker passa uma sensação geral muito mais parecida com a de um carro “comum” que com a de um utilitário – como, inclusive, sua antecessora passava. Ela oscila muito pouco e praticamente não faz aqueles movimentos típicos de transferência de peso maior em arrancadas, curvas ou freadas. Somando isso ao bom desempenho, o resultado é que ela é um carro bem gostoso de dirigir, algo raro – pelo menos para mim – nesse segmento.
No final das contas
Mas nem tudo, claro, é perfeito. A despeito do bom acabamento geral e do bom padrão de forração dos bancos, o plástico duro domina alguns painéis, especialmente o das portas traseiras, que não têm a mesma seção forrada em couro sintético das dianteiras. Os bancos traseiros são bipartidos, e se dobram para ampliar o espaço do porta-malas, mas como os assentos não são articulados, formam uma espécie de degrau, que dificulta um pouco a arrumação de bagagens maiores ou em maior número. Modelos de outras marcas resolvem isso um pouco melhor deixando o assoalho do porta-malas mais plano. E faltam – sei lá porque – as borboletas para trocas manuais de marchas atrás do volante, de que senti falta especialmente quando descia ladeiras e serras. O câmbio automático de seis marchas, comum a toda a linha da Chevrolet atual, funciona bem direitinho e até permite essas trocas manuais por um botãozinho na alavanca de mudança, mas que não é lá muito ergonômico.
O painel de istrumentos é bem completo e de ótima leitura, mas predominantemente analógico. Digital, apenas uma pequena tela central com informações do coputador de bordo. Tudo bem que a tela da multimídia é logo ali e de bom tamanho, mas os concorrentes já oferecem painéis em TFT, com possibilidade de configurações diferentes das informações, pelo menos nas versões mais caras.
Colocando tudo isso na balança, a Tracker – especialmente nessa versão completinha – se mostrou uma ótima opção para quem deseja seguir a tendência geral e ter um veículo com estilo utilitário e urbano, sem abrir mão do prazer de dirigir. Na cidade, aliás, ela mostra mais uma de suas virtudes nem sempre presentes em utilitários: é extremamente fácil de estacionar, com porte menor do que aparenta, bom jogo de direção e ótima visibilidade (ajudada pela câmera de ré). Mais uma vez, nem parece um SUV. E isso é ótimo.
Chevrolet Tracker Premier 2020 – Ficha técnica (dados do fabricante, álcool/gasolina)
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