2 de maio de 2024
Veículos

A redução do ICMS é legal? Fomos ouvir um especialista

Peço licença para tratar aqui hoje de um tema que, se tem relação com automóveis, está mais ligado ainda à economia – e ao Direito: a polêmica envolvendo a alteração nas regras para a cobrança do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS sobre os combustíveis. Como não sou lá muito versado no assunto, procurei o especialista em Direito Tributário Gustavo de Toledo Degelo, do escritório Briganti Advogados, que respondeu a algumas das minhas “dúvidas de leigo”, que imagino sejam também a de muitos vocês.

Comecemos com uma pequena contextualização. Por uma série de fatores, muitos deles externos, o preço dos combustíveis no Brasil vem subindo a beça nesses últimos tempos, puxando com ele a inflação. Se isso já é um problemão para a classe média – que, muitas vezes, tem o carro de passeio como meio de transporte e até de trabalho –, é muito pior para os mais pobres. Afinal, o diesel nas alturas reboca “para cima” os preços de praticamente tudo o que depende de logística – o que, traduzindo quer dizer caminhão e, sendo mais direto, inclui comida.

Como não conseguem interferir no preço “bruto” dos combustíveis – que está atrelado à cotação internacional e sujeito a fatores como a atual guerra na Europa –, os governantes têm procurado outras formas de, ainda que temporariamente, reduzir o custo final desses produtos nos postos. Especialmente em um ano de eleições para presidente, governadores, senadores e deputados, ninguém quer ficar mal na fita. Foi nesse contexto que foi proposta e aprovada a Lei Complementar 194/2022, que estabelece um teto máximo – de 17% – para a cobrança do ICMS por todo o país (até aqui, essa alíquota varia – e muito – entre os diferentes estados). Se diminui o preço final dos combustíveis (especialmente da gasolina e do etanol, pois o diesel já se enquadra nesse patamar na maioria das regiões), por outro lado a nova regra reduz significativamente a arrecadação dos estados – com impacto direto no custeio de áreas como a da Educação e a da Saúde, abrindo espaço para a contestação judicial. E é aí que o Dr. Gustavo entra em campo para nos esclarecer.

Rebimboca – O projeto de lei que limita a cobrança de ICMS sobre combustíveis – e também sobre energia elétrica, serviços de telecomunicações e de transporte público – já foi aprovado. Ele é constitucional?

Gustavo de Toledo Degelo – Entendo que a Lei Complementar 194/2022 é, sim, constitucional, uma vez que o trâmite do seu projeto observou as etapas impostas pela Constituição Federal junto ao Congresso Nacional. No mesmo sentido, a nova lei alterou o Código Tributário Nacional e a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), ambas legislações próprias para tratar do ICMS conforme determinação constitucional. Por outro lado, não podemos excluir a possibilidade de um Estado membro acionar o STF para questionar a legislação em questão, ainda mais diante do fato de que a limitação da alíquota do ICMS resultará numa redução da arrecadação tributária para o Fisco Estadual. [Nota da Rebimboca: após esta entrevista, na noite de 27/6, onze estados e o Distrito Federal ajuizaram, na noite de segunda-feira (27/6), uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata de dispositivos da Lei 194/2022]

Existe algum tipo de jurisprudência nesse sentido (casos semelhantes e/ou análogos no passado)?

Com relação à necessidade de observar a seletividade do ICMS, em 22 de novembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) 714.139 (Tema 745), e fixou o entendimento de que a alíquota do ICMS para os serviços de telecomunicação e energia elétrica não pode ultrapassar a alíquota média (17%/18%), por serem essenciais e, por este motivo, quando um Estado ultrapassa o percentual da alíquota média acaba por violar a Constituição Federal.

Ainda que entre em vigor, que efeito prático essa norma teria sobre o preço final cobrado aos consumidores?

A alíquota do ICMS sobre os combustíveis varia de Estado para Estado e a base de cálculo para sua incidência era o preço médio do combustível vendido ao consumidor final, também chamado de PMPF – Preço Médio Ponderado a Consumir Final. Contudo, com a publicação da LC 192/2022, a base de cálculo do ICMS passou a ser a unidade de medida dos combustíveis – como, por exemplo, a quantidade de litros vendidos –, uniformes em todo o território nacional. Os Estados passam então a ter um teto para instituição da alíquota do ICMS, definido pela média estadual (17% ou 18%). Portanto, seu efeito será percebido no preço final dos combustíveis para os casos de a alíquota praticada ser superior à alíquota média.

Ela teria alguma influência sobre futuros reajustes de preços?

Fixar um teto para o ICMS nos combustíveis significa limitar a aplicação da alíquota, mas não resulta na alteração do valor do combustível negociado. Isto é, ainda que a Lei Complementar estabeleça um limitador do percentual da alíquota a ser aplicada, a Petrobras pode alterar o valor do seu produto comercializado.

Em termos legais, o que seria possível fazer para reduzir a incidência de impostos sobre etanol, gás de cozinha, gasolina e diesel?

Sobre os combustíveis há a incidência do ICMS, PIS, COFINS e CIDE-Combustível. Com relação ao ICMS, a forma de reduzir seu impacto é a alteração legislativa pelo Congresso Nacional, como foi feito com a publicação da LC 194/2022. O mesmo acontece com o PIS e a COFINS. Nestes dois últimos, cabe lembrar que a mesma 192/2022 reduziu a alíquota de ambos para zero até 31 de dezembro de 2022. Por fim, com relação à CIDE-Combustível, por se tratar de um tributo extrafiscal, o Presidente da República pode alterar a sua alíquota por meio de decreto.

Como “procurador” do maior acionista da Petrobras (36,61% da composição acionária, entre ações pertencem à União e o BNDES, segundo o site da empresa em https://www.investidorpetrobras.com.br/visao-geral/composicao-acionaria/, o governo federal poderia legalmente limitar reajustes de preços?

A Petrobras é uma empresa estatal de economia mista, de capital aberto, e que elege os membros do seu conselho de administração por mandatos de até dois anos. O fato de o Governo Federal ser o maior acionista lhe dá o poder de indicar a maior parte dos conselheiros que, por sua vez, escolherão o presidente da companhia. Mas isso não lhe dá autonomia de modificar o preço de mercado dos combustíveis.

Na mesma condição mencionada acima, o governo poderia reverter os dividendos que recebe periodicamente da empresa especificamente para custear um fundo que barateasse esses produtos ou parte deles (caso do gás de cozinha)?

Os dividendos efetivamente recebidos pelo Governo Federal estão, por força de lei, vinculados a uma destinação específica. A Lei nº 9.530/97, que dispõe sobre a utilização dos dividendos e do superavit financeiro de fundos e de entidades da Administração Pública Federal indireta, determina que a receita do Tesouro Nacional decorrente de pagamento de dividendos deve ser utilizada para amortização da dívida pública federal. Portanto, a meu ver, há vedação legal para a destinação desse dividendos com outro fim. O Governo, por sua vez, poderia pensar em outras formas de custear, ainda que provisoriamente, o valor do combustível, elegendo para tanto outras fontes de custeio possíveis no orçamento público federal, iniciativa esta que tem sido regularmente noticiada pela imprensa.

Imagem vetorial de um carro clássico, puxando para cima na bomba de gasolina de estilo antigo. Preto e branco desenho de um veículo no antigo posto de gasolina.

Fonte: Blog Rebimboca

Henrique Koifman

Jornalista, blogueiro e motorista amador.

Jornalista, blogueiro e motorista amador.

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