3 de outubro de 2024
Carlos Eduardo Leão

“Você é muito chato. Ponto final!”

Deixo claro desde o início que esse “chato” do título do texto sou eu mesmo, viu?

A frase foi proferida por Thaïs, minha mulher, na volta de um excelente almoço que tivemos hoje, numa fazenda de amigos, nos arredores de Belo Horizonte. Explico.

“É asfalto até aí?”

“Não apenas asfalto mas a estrada é ducaramba”. Embora comece com “duca” a palavra não foi bem ducaramba. No WhatsApp permite-se a verdadeira. Aqui não.

“Venha na vermelhinha e curta a estrada”.

A minha sanha começou nessa conversa. Mas, como o fazendeiro é um aficionado por carros, e dono de uma coleção de esportivos invejável, acreditei.

A estrada, impecável! Até chegarmos na porteira cinematográfica da fazenda cuja cancela abria comandada por inteligência artificial, a vida era bela. Dali até à sede, a estrada era de terra batida que não vê chuva há, pelo menos, 6 meses. Na minha frente apenas uma GMC Hummer. Pra quem não conhece, um pequeno “caminhão”.

Os aficionados por esportivos entendem perfeitamente o que senti naquela hora. Não era apenas poeira. Era uma nuvem amarronzada densa. Um nevoeiro de pó que me permitia enxergar no máximo um metro à frente.

“Você trocou de carro?”

“Não. Acabou de mudar de cor. Mimetismo! Porsche camaleão!” Pela resposta ao anfitrião já dá pra entender o humor com que cheguei à bendita fazenda.

Parecia que estava no meio do século XVIII ao adentrar à casa secular. Mobiliário, decoração, obras de arte, tapetes e adornos espalhados num ambiente sombrio e taciturno remeteram-me às grandes propriedades rurais da época áurea do açúcar no Brasil.

Ou seja, tudo aquilo que não faz bem ao meu espírito. Não sei explicar, mas esses ambientes me deprimem e me oprimem. Essa sensação de aperto no peito repete-se também em cidades históricas e suas atrações turísticas. Prefiro a contemporaneidade. Prefiro a 5ª Avenida, a Rodeo Drive, a Oscar Freire, os shoppings centers, as buzinas dos carros, as algazarras humanas das ruas. Prefiro a fazenda do Ellos.

Mas até aqui tudo bem, a não ser o convite do anfitrião, only for men, para conhecer os arredores da fazenda. Que sina a minha, meu Deus! E lá vamos nós de Hummer. Paramos no curral, no criatório de suínos, na granja, na baia, na capineira, no açude e, por fim, na gigantesca horta onde tomei uma corrida de um ganso bravo pra cacete que, segundo o fazendeiro era crucial no combate aos inimigos daquele ambiente.

De volta à sede, agradecido a Jesus por estar vivo após o angustiante tour, esbaldamo-nos na melhor das champanhes, dos Bordeaux, das carnes nobres, das sobremesas celestiais, do Cohiba robusto acompanhado pelo indefectível Napoleon e dos bate-papos alegres e descompromissados alienando-nos por algumas horas desse Brasil improvável.

Já mencionado, de volta à civilização no início da noite, após a indefectível reclamação de Thaïs em relação à altura e conforto do carro, comentei sobre o exposto acima e ela, impiedosamente, deu o título a essa crônica.

Em relação à minha pouquíssima aptidão aos encantamentos dos ambientes rurais o que me deixa menos triste é a certeza absoluta que tenho seguidores, embora velados…

Carlos Eduardo Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

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