3 de outubro de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

O que não faz o amor…

Dias atrás fui jantar com um velho amigo macrobiótico. Há muito tempo não nos encontrávamos pessoalmente.

O encontro só aconteceu depois de uma longa negociação por telefone e WhatsApp para que o jantar fosse em campo neutro.

Eu não queria que fosse na casa dele. Tinha meus motivos para isso. Meu velho amigo foi o primeiro macrobiótico, zen budista do Rio de Janeiro. Ir na sua casa em Santa Tereza era como ir a um templo no Japão. Tinha poucos móveis.

Éramos orientados a deixar os sapatos na soleira da porta para adentrar o amplo recinto.O piso da casa era todo coberto por tatames e o ambiente, impregnado por décadas pelo cheiro de incensos misturado ao do missô, tempero oriental que ele usava para todos os pratos que preparava na nossa frente, em seu kimono samurai, descrevendo os benefícios para saúde de cada vegetal que colocava no platô quente, os mexendo com gestos pausados que lembravam movimentos de um mestre shiatzu. Era um show à parte que despertava o encanto das meninas e a diversão dos amigos. Era tudo impecável, muito bem encenado.

Rigorosamente disciplinado.


Muito antes dos decretos oficiais politicamente corretos em prol da saúde da humanidade, no seu templo já era proibido fumar cigarro, charuto ou derivados do tabaco. Maconha podia.

A bebida ofertada pela casa era saquê. Quem já tomou um porre de saquê, sabe o que é um trauma oriental. Se sobreviver, no dia seguinte terá que recorrer aos discípulos do Dr Freud para se ver livre dos pesadelos com dragões e ninjas ameaçadores.

Esse amigo nasceu na metade do século passado em Alcântaras, município do Ceará. Veio jovem para o Rio para estudar Física. Para nossa turma ele era a confirmação inequívoca de que um dia o Ceará governará o Brasil e logo depois o mundo todo.

Como não sou um anfitrião qualificado, o jantar não poderia ser na minha casa.

Escolher um restaurante da cidade em época de pandemia é tarefa difícil. É melhor adiar. Deixar esse jantar para depois do fim do mundo.

Mas ele insistiu. Queria que fosse logo.

Decidiu-se então que o território propício para o encontro/jantar seria a casa da namorada dele que fica no Horto.

O jantar era importante mas logo percebi que mais importante ainda era o encontro presencial no qual orgulhosamente ele apresentaria a jovem e bela namorada.

Talvez, para deletar da minha memória e da de um amigo das antigas que também lá estava, as velhas lembranças da sua ex companheira, a qual, nas conversas mais recentes ele não mais chamava pelo nome próprio. Se referia a ela como “A megera”.

Não bastasse essa surpresa, nosso amigo, com testemunho ocular dos convidados, traçou um suculento bife de picanha no estilo tradicional gaúcho. Ali, diante dos meus olhos, vi que tudo pode mudar. Nada é permanente.

Sua namorada é gaúcha, mudou-se para o Rio depois que descobriu o amor num laboratório de física em Campinas, onde o meu velho amigo ministrou aulas.

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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