HOJE, 18 anos sem meu pai, crônica de abril de 2001
jornal O Tempo
O pescador de borboletas
200 mil perdões, mas a coluna de hoje é só para os órfãos da Sociedade dos Poetas Mortos.
Já repararam que os caixas eletrônicos nunca funcionam quando o pai da gente morre? Sorte ter o amigo Eustáquio da banca. Comprei dois jornais com um cheque de R$ 32,40 e o troco de R$ 30 foi pro ônibus e táxi em Barbacena.
N’O TEMPO, a boa notícia do dia era uma pesquisa dizendo que os mineiros vivem mais que a média brasileira: Rarará!
Só os caixas 24h não funcionam. O céu continua azul e as pessoas te dão bom dia impunemente, na maior cara de pau.
Até 11 de abril éramos dois Walter Navarro. Agora sou o único e orgulhoso sobrevivente com esse nome tão antigo quanto o 18 de julho de 1923. Bye bye papai, a última ficha caiu, eu penso em você “night and day” e nada mais está “okay”. Tô me sentindo um jiló. No enterro do meu melhor amigo você estava lindo, como há muito eu não via, recuperou tua cara de Clark Gable tropical, cara única de meu único pai único. Bye pay heroy.
Eu queria que você tivesse brincado de vovô com meu filho, mas vou ficar de devendo mais essa. Também queria muito ter te dado menos ou nenhuma preocupação, mas, mesmo com toda tua proteção, a vida tem sido fácil não. Inda mais agora sem tua mão. É pai é pedra é o fim do caminho. Sorte tua não estar aqui e ver minha cara de quiabo. Na frente do teu caixão, simples como você, durante um eterno minuto, pensei em te roubar um cabelo grisalho. Pra te clonar, pra te renascer, te dar meu nome, trocar as fraldas do meu guri e te segurar no colo; o que seria muito mais agradável que carregar teu triste caixão de madeira marrom e depois, te deixar lá, na frialdade inorgânica da terra; sozinho e sem TV. A luz que se apagou numa quarta-feira de trevas e cinzas.
Quando você morreu, 0h40, eu acho que já dormia; certo de te rever, dia seguinte, pra gente comer mais um bacalhau de Semana Santa. Acho que deitei com o travesseiro esquerdo. Dizem que quando uma pessoa morre, em segundos, ela revê toda a vida. Você me viu? Reviu teus pais, tua infância, teus momentos mais felizes e os menos tristes? Tomara. Queria mesmo é que você revisse a minha cara feliz e bonita quando pela primeira vez tive consciência de ser teu filho e você meu pai, um rio cheio de pescarias que passou em minha vida. E agora pai? A festa acabou e não sei voltar pra casa sozinho. Agora tenho menos medo de morrer porque você está lá, invulnerável como os deuses e aqui nada mais pode te ferir; nem o desamor de uma mulher, nem a tísica. Nem mesmo a Petrobras pode te afundar. Onde você estiver, não se esqueça de mim. Quando me vir beijar outro homem qualquer, não se aborreça. Quando beijo um amigo estou certo de ser alguém como você. Alguém com tua força pra me proteger, com teu carinho pra me confortar, com olhos e coração bem abertos pra me compreender. Tá vendo? Até o Gil tá te mandando aquele abraço.
PS: Só mais uma coisinha e eu te deixo em paz. Se alguém aí te encher o saco, liga não. Pra mim, teu carro véio sempre vai ser melhor e mais bonito que o dos outros pais, tá? Vira esta página, mas não esquece de mim não. Se eu quiser falar com Deus eu te ligo, um beijo.
ABRIL de 2001 Jornal O Tempo.
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