29 de março de 2024
Walter Navarro

A Felicidade é Vermelha

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Não quero falar de política. Então, ia declarar meu amor ao Horário de Verão, só pra desafinar o coro dos descontentes. Mas, como “o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”, deixo o verão pra semana que vem, mesmo porque o horário vai até 17 de fevereiro.
O acaso de hoje me levou ao Hospital Felício Rocho. Pra quem não conhece, é um dos maiores e melhores de Belo Horizonte. Não, não tive uma recaída, graças a Deus. Tive sim, minha cota, ano passado. Longa história. Chega!
Fui visitar minha irmã Adriana que fez uma cirurgia plástica, hoje, 17 de outubro, quando escrevo. Ela fez aquela redução de estômago, emagreceu mil arrobas, então, resolveu retirar, digamos, as sobras de campanha.
Aí resolvi escrever sobre o Felício Rocho, desde que, claro, tivesse algo interessante, de pitoresco. E tinha, espero que gostem. Escolhi divagar sobre o nome que sempre me incomodou. Acho este nome muito brega, feio. Tanto que, num efeito de transferência, achava que o hospital fosse a mesma coisa e até pior: sujo, degradado, perigoso, ineficiente. As pessoas deveriam ter mais cuidado ao batizar hospitais, cidades, pessoas, etc… Nosso maldito preconceito estraga muita coisa.
Hospital da Baleia, também em Belo Horizonte, dispensa comentários.
Belo Horizonte, por exemplo, não é um nome feio, mas ridículo! Isso é nome de cidade? São Paulo e Rio de Janeiro também. O que salvam certas cidades, com estes nomes, são as próprias cidades, quando são bonitas, claro. Ipanema, Copacabana, Leblon são lindos nomes de bairro, mas só no Rio… Cópias são horríveis por natureza. Não recomendo o bairro Ipanema em BH, nem as cópias do Cristo Redentor Brasil afora e adentro. Gosto nem do original…
Nomes legais de capitais brasileiras? Difícil, mas vamos lá, muito subjetivo: Palmas, Maceió, Aracaju, Porto Velho, Macapá, Recife, Fortaleza; acho que só.
Mas voltemos ao Felício Rocho. Achava que era homenagem a um médico, errei feio. Mas a feiura do nome tem explicação; a mania que este povo tem de abrasileirar nomes estrangeiros. E traduzem errado, claro.
Felício Rocho, deveria ser, no máximo, Felício Roxo porque vem de Felice Rosso… E olhe lá, porque “rosso”, em italiano, é “vermelho”, como vinho tinto e as Brigadas Vermelhas, de sinistra memória.
E também não gosto de roxo, me lembra as malemolências de Collor e velório, caixão, procissão de Sexta-feira da Paixão… De calcinha roxa eu gosto…
Com um pouco de Google e história, descobrimos tudo, acho… “A fundação Felice Rosso foi criada em 1937 e mantém o hospital em funcionamento desde 1952. A entidade sem fins lucrativos foi criada pelo imigrante Felice Nicola Rosso, natural de Bataglia, província de Salerno, Itália”.
Aqui em Belo Horizonte, temos o ótimo restaurante Província de Salerno, do meu amigo Remo Peluso.
Rosso chegou ao Brasil em 1880. E tinha nada de médico. Como bom imigrante, foi mascate, “chofer de praça” no Rio de Janeiro e, ao mudar-se para Juiz de Fora, foi negociante de ferragens e depois, adoro!, pequeno empresário do serviço funerário. Como o “Sr. Ávila”, série mexicana que recomendo.
Foi entre ataúdes que ele virou Felício Rocho.
Como veio parar em Belo Horizonte? Boa pergunta, eu teria ficado no Rio, mas, o bom Felício veio a convite do Bernardo Monteiro – hoje, uma de nossas arborizadas avenidas.
Como bom imigrante, de novo, veio para explorar o serviço funerário de Belo Horizonte, mas também para cuidar dos vivos que passavam pela cidade, trabalhando  no ramo hoteleiro. Foi dono dos hotéis Avenida e Internacional.
Em 1921, conheceu o advogado capixaba Américo Gasparini, personagem central para a existência da Fundação e do Hospital. Teriam sido…, deixa pra lá…
“Aos 70 anos, sem herdeiros, foi convencido por Gasparini, seu ‘amigo’… advogado e testamenteiro, a construir um hospital para atendimento a pessoas de baixa renda. Em 24 de março de 1937, foi assinada escritura pública que instituía a Fundação Felice Rosso e, em 9 de maio de 1937, depositada a pedra fundamental do hospital, cujo projeto da planta teve como responsável o arquiteto Rafaello Berti. Com a morte de Felício Rocho, um mês antes da aprovação da planta do hospital, Gasparini tomou a frente dos trabalhos da Fundação e da construção do prédio. Após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a construção do hospital é paralisada e a edificação passa para as mãos do Exército, sendo retomada após o término da guerra. O hospital foi finalmente inaugurado em 21 de junho de 1952, sob o comando de Gasparini”.
Gostaram da história? Eu gostei. Uma curiosidade a menos, um assunto a mais para bares. E é legal pensar que, não fosse minha irmã, eu  nunca saberia quem foi Felice Rosso e por que Hospital Felício Rocho…
O título desta crônica, “A Felicidade é Vermelha”?
Óbvia homenagem ao Felice, com o nome de um de meus filmes favoritos: “Trois couleurs: Rouge” (A Fraternidade é Vermelha), 1994. Último e melhor filme, pra mim, do polonês Krzysztof  Kieslowski.
É o terceiro filme da trilogia das cores, baseada nas três cores da bandeira francesa e nas três palavras do lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade, Fraternidade. O filme completa a trilogia e trata do ideal da fraternidade. Os dois primeiros, não gosto muito.
A trama de “A Fraternidade é Vermelha” é ótima e ainda tem o excelente ator, Jean-Louis Trintgnant e a deliciosa atriz, Irène Jacob, como Valentine…
E não é que “A Fraternidade é Vermelha”, sem modéstia, é bela homenagem ao “Felice Vermelho”? Querem exemplo maior de fraternidade do que um empresário deixar sua fortuna para um hospital dedicado aos mais necessitados?
PS: Ah! Dizem que o Hospital Felício Rocho é mal assombrado, mas quem não é? E isso é outra história.
PS2: Feliz ano novo, hoje, Vinicius de Moraes.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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