25 de abril de 2024
Colunistas Ricardo Noblat

Se menstruasse e lhe faltasse dinheiro, Bolsonaro não faria o que fez


Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, Atletas olímpicos e paralímpicos dos Jogos de Tóquio são recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto
Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Congresso deve derrubar veto a projeto que socorria mulheres vulneráveis com absorventes distribuídos pelo SUS.

Se o presidente Jair Bolsonaro menstruasse ao menos uma vez a cada semestre, não vetaria como vetou a parte do projeto de lei que garantia o fornecimento pelo SUS de oito absorventes por mês às mulheres vulneráveis. Com certeza, não vetaria se lhe faltasse dinheiro para comprar os absorventes de Michelle.

Afinal, a família sempre está em primeiro lugar – desde que seja a dele, naturalmente. A propósito, lembra o que ele disse em reunião ministerial do ano passado quando quis intervir na Polícia Federal? Disse, olhando no olho do então ministro Sergio Moro, que depois saiu dali para pedir demissão:

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foderem minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final”.

Mas, infelizmente, o presidente não menstrua e dispensa absorventes. Usa fraldão. E tem predisposição perversa contra mulheres, gays, negros, quilombolas, intelectuais e pobres. Ante o risco de ser derrotado ano que vem, corre atrás de dinheiro para reforçar o Bolsa-Família, que antes odiava.

Pobre vota, essa é a questão. Mulher também vota, mas a aversão de Bolsonaro a elas o impede de ver que deveria tratá-las muito bem, quando nada para atrair seu apoio. É justo entre as mulheres que a popularidade dele mais sangra, apontam todas as pesquisas de intenção de voto. Há razões de sobra para isso.

Em 2019, ele vetou integralmente o Projeto de Lei nº 2.538, que obrigava serviços de saúde públicos e privados a notificar num prazo de 24 horas delegacias de polícia sobre indícios de violência contra a mulher. Justificou que a matéria “contrariava interesse público”. Os deputados se insurgiram e derrubaram o veto.

Em março agora, Bolsonaro recusou-se a assinar uma declaração do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O documento subscrito por mandatários de 60 países era um compromisso de realizar ações de saúde feminina no combate à Covid-19 para diminuir “as desigualdades históricas”.

No último dia 2, ele atualizou a Política Nacional de Segurança Pública. O programa deixa de contabilizar nas estatísticas o crime de feminicídio (homicídio de mulheres provocado pelo ódio de gênero). E assim dificulta o monitoramento e políticas públicas que poderiam surgir a partir dos dados.

Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos, o governo Bolsonaro cortou em 51% os recursos de 2021 para a Casa da Mulher Brasileira. Em 2020, as casas usadas para acolher mulheres em situação de violência receberam 124,3 milhões. Este ano, os recursos liberados foram de 59,8 milhões.

Entre 2019 e 2021, inspirados por Bolsonaro, deputados conservadores que o seguem incondicionalmente apresentaram na Câmara sete projetos de lei que criminalizam a interrupção da gravidez mesmo nos casos hoje admitidos – entre esses, o aborto em decorrência de violência sexual. Basta ou quer mais?

Mais de quatro milhões de jovens não têm acesso a itens de higiene básica nas escolas brasileiras quando estão no período menstrual. Uma a cada quatro dessas meninas que menstruam faltam às aulas por não ter acesso a tais, um acesso que ficará ainda mais difícil depois do mais recente ato de estupidez de Bolsonaro.

Estavam contempladas no projeto de lei, além de jovens, mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema, além de presidiárias, e internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. Seriam 5,6 milhões de mulheres contempladas no final. A que preço?

Com a palavra, a deputada Celina Leão (PP-DF), coordenadora da bancada feminina da Câmara e eleitora de Bolsonaro:

“Se 84 milhões é muito dinheiro para dar a mínima condição para meninas e mulheres, então o governo tem que repensar o modo de tratar meninas e mulheres deste Brasil. Nós definimos os valores no Orçamento. Se pode comprar papel higiênico para as escolas, por que não pode comprar absorvente?”.

Ocorre que absorvente para Bolsonaro, sabe Celina… Ou dito de outra maneira: para Bolsonaro, sabe Celina, absorvente… Não, deixa pra lá. Com a palavra a deputada Tabata Amaral (PSB-SP):

“O veto quase integral de Bolsonaro ao projeto de lei dos absorventes é um atentado à dignidade das meninas e mulheres mais vulneráveis. Todos precisam se posicionar contra esse absurdo. É urgente que o Congresso derrube esse veto!”.

Fonte: Blog do Noblat

Ricardo Noblat

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

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