19 de abril de 2024
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Terceira idade

Gosto da minha terceira-idade. Além de driblar a outra opção – ou seja, a morte -, descubro, a cada dia, que a felicidade é simples. Alegro-me com pequenas coisas. Adoro o meu silêncio, o meu espaço, a minha paz. Amo a certeza de que, bem ou mal, cumpri todas as tarefas que a vida me impôs. É uma leveza saber que não culpo nada ou ninguém por meus fracassos ou tristezas. Nessa altura da vida, fora o imponderável – por exemplo, a morte prematura dos meus irmãos –, sei que tudo de ruim que me aconteceu, se a culpa não foi 100% minha, sou responsável por parte dela. Minha vida, minhas escolhas.

Para não ser monótona, sempre repiso o mesmo assunto, nem falarei dos netos. Mas com eles aprendi a amar de verdade. Não quero saber se são altos, baixos, gordos ou magros. Para mim, os quatro são perfeitos. Eu simplesmente amo cada um como cada um é. Apenas pelo privilégio de tê-los, vale a pena a terceira idade.
Há outras vantagens. Morar em Portugal, opção minha, sem ingerência de ninguém, é uma delas. Adoro esse país, tudo aqui me envolve em afetos, carinhos e conforto. Desfruto uma rotina tranquila: leio, escrevo, passeio quando me dá vontade. Se a vontade é grande, dou um passeio grande. Pego um trem – comboio, dizem aqui – e decido na hora onde passarei o dia, ou dois dias, ou a semana inteira. A terceira idade permite-me ser livre, há coisa melhor?
Até mais bonita estou me achando. Na mocidade, implicava com o cabelo encaracolado, com o peso, com as gordurinhas que sobravam aqui e ali.
Hoje, nada me perturba. Apaixonei-me por mim: cuido da alimentação, faço ginástica e me visto com capricho. O cabelo não mais despenteia e as gordurinhas deixaram de incomodar. Olho-me no espelho e vejo uma vovó – na verdade, bisavó – tranquila, elegante e até charmosa. Linda, diria num acesso de modéstia.
A velhice trouxe-me a sabedoria e a segurança que, na juventude, não soube ter. Fui uma moça inacreditavelmente tola. A quantidade de gente que, hoje, não vacilaria em mandar à merda, meu Deus…
A maior tristeza é constatar que, a cada dia, tenho menos tempo para me curtir. Claro, existem outros aborrecimentos: a saúde vacilante, o medo de um tombo, o temor de dar adeus aos amados de nossa geração, os eventuais momentos em que confundo tudo e acabo chamando urubu de meu louro. Esforço-me, porém, para não pensar em tais assuntos. O esquecimento seletivo também faz parte da estratégia de uma velhinha feliz.
Enfim, a terceira idade é, é, é….
De que eu estava falando mesmo?

O Boletim

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