Eu não quero morrer, mas Deus discorda de mim. Acho muito desagradável sair no meio de uma festa. Apesar de tudo, ainda me divirto muito com o mundo e com a vida. E mais! Não gostaria de morrer antes de conhecer o Japão.
O Japão não. Não tenho mais tempo. Contentar-me-ia com Tóquio.
O Japão é muito doido, logo, fascinante. Vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.
Tenho umas histórias com o Japão. Pouca gente sabe que, a irmã caçula do meu pai, Tia Lenira, contraiu núpcias com um nissei, meu tio Mário Mayumi.
É raríssimo encontrar japoneses e descendentes de, em Minas, ainda mais em Barbacena, que só tem italianos e libaneses. Tia Lenira não só conseguiu um, como me brindou com dois primos queridos, Oyama e Soraya. Sobre o Oyama, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.
Tio Mário era baixinho e carinhoso, fumante inveterado e muito forte. Sempre que apertava minha mão me quebrava dois ou três dedos. Ainda bem que sempre tive 10 e não “nine”.
Quando morava em Campinas, lá pelos anos 80, com carteira de estudante devidamente falsificada, fui assistir ao filme “O Império dos Sentidos”, do japonês tarado – e quase todos são – Nagisa Ōshima (1932-2013). Sobre o filme, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer os pecados da prolixidade e da luxúria. Filme para poucos estômagos. Só perde pro Pasolini e Marco Ferreri.
Milênios depois, já em BH, lá pelo ano 2000; conheci outro nissei em Minas, na Livraria da Travessa, que atendia; se não cometo um sacrilégio, pelo sobrenome Kanadani. Ele detestava o primeiro nome, que acabei descobrindo: Ryuichi. Lindo!
Kanadani só deixou de ser o japonês mais engraçado do mundo, quando adoeceu e morreu de câncer, esta doença nojenta que, chamasse Covid, já teria mil vacinas.
Sobre o Kanadani, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade. Um cara muito inteligente, sarcástico que me arrancou risadas homéricas.
Isso tudo, até agora, pulando detalhes maravilhosos, é apenas para mostrar o quão gosto do Japão, mesmo como o papel horroroso que fez na Segunda Guerra Mundial, em Pearl Harbor e na Guerra do Pacífico.
Mas, sobre o Japão na Segunda Guerra, um de meus temas favoritos; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.
Meu tio Mário, tem nada a ver agora, mas Nagisa Ōshima, Ryuichi e principalmente Bernardo Bertolucci (1941-2018) têm tudo a ver.
Ah! Já ia esquecendo.
No meu terceiro livro, primeiro romance publicado, “5Garrafas” (2021), imaginei minha Tóquio e, para ela e nela, criei um personagem chamado Ryuichi.
Homenagem ao amigo Kanadani e principalmente ao músico, regente, pianista e principalmente compositor, Ryuichi Sakamoto, um dos meus contemporâneos favoritos.
Sobre Sakamoto, começo agora e só paro quando cometer o pecado da prolixidade. Afinal, esta crônica é para ele.
Pois bem, ontem tive um domingo ótimo, no Retiro das Pedras, em maravilhosas companhias.
Tudo que é bom dura mais ou menos seis horas e assim, lá pelas 19h, eu já me encontrava no lar doce bar, sozinho.
Continuei o domingo com um documentário, muito triste, sobre Simone Signoret. Tão triste quanto aquele sobre Camille Claudel, um dia antes.
Sobre Camille e Simone, minhas musas; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.
Voltemos ao tema!
Ao terminar, mui melancolicamente, a história de Simone Signoret – e o domingo é severo aliado da solidão e da melancolia – recebo, do amigo Zé Francisco, em Barbacena, a seguinte mensagem: “Perda: Morre Ryuichi Sakamoto, célebre compositor que levou o Oscar por ‘O Último Imperador’”.
Sempre desconfiei de jovens e velhas tardes de domingo. Nunca acabam como começaram e deveriam.
Sakamoto me visitou e ficou.
Depois de ouvir uma hora de sua magia, no YouTube, arrisquei e achei o filme “Furyo, Em Nome da Honra” (1983), de quem? Sim, dele mesmo, o bom e velho depravado, Nagisa Ōshima.
Que filme chato e pretensioso!
O que salva a película são os atores protagonistas, David Bowie e o próprio Sakamoto. É a história de um campo de prisioneiros japonês, para ingleses capturados. Quando? Durante minha querida Segunda Guerra Mundial… Vão vendo… Lendo…
Sobre David Bowie, outro Picasso e Einstein; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.
Outro mérito do filme “Furyo” é trilha sonora, de quem? Sim, dele mesmo, Sakamoto. Um primor, fina porcelana, como diz o amigo Luiz Fernando.
Outro defeito do filme, altamente previsível, com o tema “amor entre iguais”; para variar, é a tradução brasileira. O título original é infinitamente mais instigante: “Merry Christmas, Mr. Lawrence”.
Lawrence era o “líder heroico” e bobinho do campo de prisioneiros, no melhor estilo do clássico, “A Ponte do Rio Kwai” (1957), onde o Lawrence, não era o Peter O’Toole das Arábias, mas Sir Alec Guinness. Outros dois grandes atores britânicos.
Pronto, mesmo prometendo, acabo de cometer o pecado da prolixidade. Leia o resto quem quiser e puder.
Mas, como toda semana, sou bonzinho, vou tentar resumir. Mesmo porque consegui um vinho branco e um queijo de cabra que pretendo assassinar com mais vagar.
Pra terminar, como eu dizia, estes japoneses e romanos são loucos!
Sakamoto morreu dia 28, aos 71 anos, em Tóquio, e só ontem me contaram.
Ele ficou conhecido mundialmente pelas trilhas sonoras e premiadas, de “O Último Imperador” e “Merry Christmas, Mr. Lawrence”.
Quem é o diretor de “O Último Imperador”? Ninguém menos que o mesmo da Vinci, Bernardo Bertolucci. Sobre Bertolucci, um de meus faróis; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, continuar e exagerar o pecado da prolixidade.
Só vou falar uma coisa. Bertolucci também é diretor do meu filme de cabeceira, “O Último Tango em Paris”. E de “Beleza Roubada”, “Os Sonhadores”, “1900”, entre outros milagres de pão e vinho.
Sobre “O Último Tango em Paris”, paro por aqui, caso contrário, vocês já decoraram a ladainha.
Agora, sério, pra terminar, juro e prometo.
Eu amo Sakamoto, pela trilha sonora de outro filme, que recomendo a todos que ainda estão vivos: “O Céu que nos Protege”.
De quem, de quem? Bertolucci. O cara é foda!
Filme perfeito, só perde para o livro, o que é normal. Livro de Paul Bowles.
E sobre Paul Bowles, um de meus loucos favoritos; paro por aqui, caso contrário vou aumentar o pecado da prolixidade.
Coitado do padre que ouvir meus pecados! Vai ficar com inveja.
Mas, agora vem, finalmente, a chave de ouro ou de platina. De quem é a trilha sonora de “O Céu que nos Protege”? Sakamoto! Coisa sem igual. Coisa de esgotar o vinho branco e as cabras do mundo.
E tem outra coisa. A tradução é boa: “O Céu que nos Protege” é do original em inglês, “The Sheltering Sky”. Só perde para a tradução francesa: “Um Chá no Saara”.
E ainda tem, no elenco, John Malkovich e uma Debra Winger de fazer Deus ter pensamentos libidinosos com a filha!
Sobre o livro e o filme, “O Céu que nos Protege”, que mata de inveja “O Último Tango em Paris”, “Casablanca” e “La Dolce Vita”; paro por aqui, caso contrário vou pecar e andar pra vocês.
Sobre, “Casablanca” e “La Dolce Vita”; nem vou começar, caso contrário, não sei mais o que fazer, para parar de escrever. Só chamando Tio Mário para quebrar meus dedos.
Sei parar sim: Feliz Páscoa, Mr. Sakamoto! Domo arigato!
PS: Sakamoto? Sério? Imaginem Erik Satie tocando piano com dois pauzinhos…
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.