3 de outubro de 2024
Walter Navarro

Sushi de Debussy

Eu não quero morrer, mas Deus discorda de mim. Acho muito desagradável sair no meio de uma festa. Apesar de tudo, ainda me divirto muito com o mundo e com a vida. E mais! Não gostaria de morrer antes de conhecer o Japão.

O Japão não. Não tenho mais tempo. Contentar-me-ia com Tóquio.

O Japão é muito doido, logo, fascinante. Vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.

Tenho umas histórias com o Japão. Pouca gente sabe que, a irmã caçula do meu pai, Tia Lenira, contraiu núpcias com um nissei, meu tio Mário Mayumi.

É raríssimo encontrar japoneses e descendentes de, em Minas, ainda mais em Barbacena, que só tem italianos e libaneses. Tia Lenira não só conseguiu um, como me brindou com dois primos queridos, Oyama e Soraya. Sobre o Oyama, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.

Tio Mário era baixinho e carinhoso, fumante inveterado e muito forte. Sempre que apertava minha mão me quebrava dois ou três dedos. Ainda bem que sempre tive 10 e não “nine”.

Quando morava em Campinas, lá pelos anos 80, com carteira de estudante devidamente falsificada, fui assistir ao filme “O Império dos Sentidos”, do japonês tarado – e quase todos são – Nagisa Ōshima (1932-2013). Sobre o filme, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer os pecados da prolixidade e da luxúria. Filme para poucos estômagos. Só perde pro Pasolini e Marco Ferreri.

Milênios depois, já em BH, lá pelo ano 2000; conheci outro nissei em Minas, na Livraria da Travessa, que atendia; se não cometo um sacrilégio, pelo sobrenome Kanadani. Ele detestava o primeiro nome, que acabei descobrindo: Ryuichi. Lindo!

Kanadani só deixou de ser o japonês mais engraçado do mundo, quando adoeceu e morreu de câncer, esta doença nojenta que, chamasse Covid, já teria mil vacinas.

Sobre o Kanadani, vou parar por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade. Um cara muito inteligente, sarcástico que me arrancou risadas homéricas.

Isso tudo, até agora, pulando detalhes maravilhosos, é apenas para mostrar o quão gosto do Japão, mesmo como o papel horroroso que fez na Segunda Guerra Mundial, em Pearl Harbor e na Guerra do Pacífico.

Mas, sobre o Japão na Segunda Guerra, um de meus temas favoritos; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.

Meu tio Mário, tem nada a ver agora, mas Nagisa Ōshima, Ryuichi e principalmente Bernardo Bertolucci (1941-2018) têm tudo a ver.

Ah! Já ia esquecendo.

No meu terceiro livro, primeiro romance publicado, “5Garrafas” (2021), imaginei minha Tóquio e, para ela e nela, criei um personagem chamado Ryuichi.
Homenagem ao amigo Kanadani e principalmente ao músico, regente, pianista e principalmente compositor, Ryuichi Sakamoto, um dos meus contemporâneos favoritos.
Sobre Sakamoto, começo agora e só paro quando cometer o pecado da prolixidade. Afinal, esta crônica é para ele.

Pois bem, ontem tive um domingo ótimo, no Retiro das Pedras, em maravilhosas companhias.

Tudo que é bom dura mais ou menos seis horas e assim, lá pelas 19h, eu já me encontrava no lar doce bar, sozinho.

Continuei o domingo com um documentário, muito triste, sobre Simone Signoret. Tão triste quanto aquele sobre Camille Claudel, um dia antes.

Sobre Camille e Simone, minhas musas; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.

Voltemos ao tema!

Ao terminar, mui melancolicamente, a história de Simone Signoret – e o domingo é severo aliado da solidão e da melancolia – recebo, do amigo Zé Francisco, em Barbacena, a seguinte mensagem: “Perda: Morre Ryuichi Sakamoto, célebre compositor que levou o Oscar por ‘O Último Imperador’”.

Sempre desconfiei de jovens e velhas tardes de domingo. Nunca acabam como começaram e deveriam.

Sakamoto me visitou e ficou.

Depois de ouvir uma hora de sua magia, no YouTube, arrisquei e achei o filme “Furyo, Em Nome da Honra” (1983), de quem? Sim, dele mesmo, o bom e velho depravado, Nagisa Ōshima.

Que filme chato e pretensioso!

O que salva a película são os atores protagonistas, David Bowie e o próprio Sakamoto. É a história de um campo de prisioneiros japonês, para ingleses capturados. Quando? Durante minha querida Segunda Guerra Mundial… Vão vendo… Lendo…

Sobre David Bowie, outro Picasso e Einstein; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, cometer o pecado da prolixidade.

Outro mérito do filme “Furyo” é trilha sonora, de quem? Sim, dele mesmo, Sakamoto. Um primor, fina porcelana, como diz o amigo Luiz Fernando.

Outro defeito do filme, altamente previsível, com o tema “amor entre iguais”; para variar, é a tradução brasileira. O título original é infinitamente mais instigante: “Merry Christmas, Mr. Lawrence”.

Lawrence era o “líder heroico” e bobinho do campo de prisioneiros, no melhor estilo do clássico, “A Ponte do Rio Kwai” (1957), onde o Lawrence, não era o Peter O’Toole das Arábias, mas Sir Alec Guinness. Outros dois grandes atores britânicos.

Pronto, mesmo prometendo, acabo de cometer o pecado da prolixidade. Leia o resto quem quiser e puder.

Mas, como toda semana, sou bonzinho, vou tentar resumir. Mesmo porque consegui um vinho branco e um queijo de cabra que pretendo assassinar com mais vagar.

Pra terminar, como eu dizia, estes japoneses e romanos são loucos!

Sakamoto morreu dia 28, aos 71 anos, em Tóquio, e só ontem me contaram.

Ele ficou conhecido mundialmente pelas trilhas sonoras e premiadas, de “O Último Imperador” e “Merry Christmas, Mr. Lawrence”.

Quem é o diretor de “O Último Imperador”? Ninguém menos que o mesmo da Vinci, Bernardo Bertolucci. Sobre Bertolucci, um de meus faróis; paro por aqui, caso contrário vou, de novo, continuar e exagerar o pecado da prolixidade.

Só vou falar uma coisa. Bertolucci também é diretor do meu filme de cabeceira, “O Último Tango em Paris”. E de “Beleza Roubada”, “Os Sonhadores”, “1900”, entre outros milagres de pão e vinho.

Sobre “O Último Tango em Paris”, paro por aqui, caso contrário, vocês já decoraram a ladainha.

Agora, sério, pra terminar, juro e prometo.

Eu amo Sakamoto, pela trilha sonora de outro filme, que recomendo a todos que ainda estão vivos: “O Céu que nos Protege”.

De quem, de quem? Bertolucci. O cara é foda!

Filme perfeito, só perde para o livro, o que é normal. Livro de Paul Bowles.

E sobre Paul Bowles, um de meus loucos favoritos; paro por aqui, caso contrário vou aumentar o pecado da prolixidade.

Coitado do padre que ouvir meus pecados! Vai ficar com inveja.

Mas, agora vem, finalmente, a chave de ouro ou de platina. De quem é a trilha sonora de “O Céu que nos Protege”? Sakamoto! Coisa sem igual. Coisa de esgotar o vinho branco e as cabras do mundo.

E tem outra coisa. A tradução é boa: “O Céu que nos Protege” é do original em inglês, “The Sheltering Sky”. Só perde para a tradução francesa: “Um Chá no Saara”.
E ainda tem, no elenco, John Malkovich e uma Debra Winger de fazer Deus ter pensamentos libidinosos com a filha!

Sobre o livro e o filme, “O Céu que nos Protege”, que mata de inveja “O Último Tango em Paris”, “Casablanca” e “La Dolce Vita”; paro por aqui, caso contrário vou pecar e andar pra vocês.

Sobre, “Casablanca” e “La Dolce Vita”; nem vou começar, caso contrário, não sei mais o que fazer, para parar de escrever. Só chamando Tio Mário para quebrar meus dedos.

Sei parar sim: Feliz Páscoa, Mr. Sakamoto! Domo arigato!

PS: Sakamoto? Sério? Imaginem Erik Satie tocando piano com dois pauzinhos…

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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