24 de abril de 2024
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Crônica da violência anunciada

Não esqueço a primeira frase do livro “A crônica de uma morte anunciada” de Gabriel Garcia Márquez: “No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às cinco e meia da manhã (…)”.
A cidade inteira sabia que Santiago seria assassinado, inclusive a mãe dele. Mas, naquele dia, tudo deu errado para Santiago. Até uma porta, sempre aberta, apareceu trancada. Santiago não teve como escapar da vingança dos irmãos da moça que, supostamente, desonrara.

Lembrei-me do inescapável destino de Santiago Nasar ao saber dos acontecimentos do último fim de semana em Roraima. A explosão de violência que abalou a pequena Pacaraima também foi uma crônica da morte anunciada. A cidade inteira sabia que ela iria acontecer, era apenas questão de tempo.
Em janeiro desse ano, o prefeito solicitou socorro, alegando que Pacaraima, com doze mil habitantes, não tinha mais condições de absorver os milhares de refugiados venezuelanos que, diariamente, atravessavam a fronteira. Não lhe deram ouvidos, sequer responderam ao seu pedido de ajuda. Roraima fica longe demais dos salões refrigerados de Brasília. Os figurões que neles circulam sequer se lembram que o estado com o mais baixo PIB da Federação existe.
Em 2005, após estudos desenvolvidos durante a década de 1990, quase 70% das terras de Roraima passaram à propriedade dos índios ou se transformaram em reserva florestal. O estado, que já era pobre, ficou paupérrimo com o fim da produção de arroz e das pastagens que serviam à criação de gado, outra fonte de recursos.
“Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”, afirma a sabedoria popular. Quando começou a crise da Venezuela, Roraima, que mal dava conta de sua população, viu-se às voltas com uma enxurrada de migrantes necessitando de comida, habitação, escola, saúde, segurança, saneamento básico, etc e tal.
Sem condições de atender à demanda, o estado transformou-se num barril de pólvora que, naturalmente, acabou explodindo. Explodirá ainda mais se Brasília continuar brincando de enviar sessenta homens da Força de Segurança Nacional, dez bananas e meia dúzia de ovos na tentativa de acalmar os ânimos.
O assunto é muito sério para ser tratado levianamente. Como é costume no nosso sanatório geral, o governo federal fez uma reunião midiática e incluiu, no pacote de socorro à crise, além das bananas e dos ovos, centenas de barras de cereais das Organizações Tabajara. Por outro lado, como nós, os brasileiros, somos especialistas em todos assuntos, já surgiu quem acuse a população local de xenofobia. Sim, claro, as costumeiras antas de plantão também levantaram as suas vozes para alardear que a pancadaria foi pouca: refugiado deve mesmo ser tratado na porrada.
Apenas quem mora em Roraima – um roraimada, como quer a famosa linguista Dilma Roussef – sabe o nível de tensão social a que o estado está submetido. Afirmo que nada, absolutamente nada, justifica a violência. Porém, nada absolutamente nada, justifica deixar brasileiros jogados às baratas, convivendo com as mazelas da superpopulação e com doenças, como o sarampo e a pólio, que há tempos foram erradicadas de nosso território. O Brasil precisa socorrer Roraima, que não deve e não precisa se transformar na nossa crônica cotidiana das mortes anunciadas.
Em tempo: não aceito que Sua Excrescência, o sr. Nicolás Maduro, exija que Roraima respeite os compatriotas exilados, pessoas esfomeadas e violentadas que a sua própria política malsã expulsou da Venezuela.
A confusão é enorme, Sr. Maduro. Por favor, não ponha lenha na fogueira fazendo politicagem às nossas custas.
Aceite o meu gentil conselho: cale a boca e vá à me@#a.

O Boletim

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