28 de março de 2024
Colunistas Sergio Vaz

Glória Feita de Sangue / Paths of Glory


De: Stanley Kubrick, EUA, 1957.
Nota: ★★★★
Quando a obra de arte é boa demais, o tempo – ao contrário do que canta o Cazuza – pára. Glória Feita de Sangue, que Stanley Kubrick lançou em 1957, tem portanto 61 anos, mas não envelheceu absolutamente nada. Poderia perfeitamente ter sido lançado um mês atrás.
Continua tão forte, poderoso, violento, virulento quanto na época do seu lançamento, em que assustou tanto que chegou a ser proibido em alguns países. Na França, o país que se passa a ação, ficou proibido por vários anos.
Forte, poderoso, violento, virulento – e genial. O filme solta faíscas de genialidade ao longo de seus 88 minutos. É um desfilar de sequências que merecem figurar em antologias das mais belas do cinema.
Glória Feita de Sangue é antológico pela beleza incrível, pela força descomunal das imagens, pelas interpretações magistrais, pelos diálogos que parecem ter sido esculpidos com o talento de finos ourives.
– “Senhores da Corte, há momentos em que tenho vergonha de ser membro da raça humana – e este é um deles”, diz o coronel Dax, ao ver que a Corte Marcial não está ali para fazer justiça, e sim para fingir que aquilo é de fato um julgamento.
Seis décadas depois, a obra-prima de Stanley Kubrick continua sendo um dos melhores, mais fortes, mais poderosos libelos que o cinema já fez contra as guerras, ao lado de algumas outras poucas maravilhas – eu citaria A Grande Ilusão/La Grande Illusion, de Jean Renoir, 1937, Johnny Vai à Guerra/Johnny Got His Gun, de Dalton Trumbo, de 1971, Feliz Natal/Joyeux Noël, de Christian Carrion, 2005.
Mas não é apenas um libelo contra as guerras. É também um libelo contra a hipocrisia, o militarismo, a autocracia – e contra a contrafação da Justiça, o uso de julgamentos com as cartas marcadas para simular uma normalidade que não existe. Essa terrível farsa que é tão típica das ditaduras, como a nazista e a soviética. E aconteceu na França, a pátria da liberdade igualdade fraternidade.

O autor do livro lutou nas trincheiras na França

Por mais incrível que pareça, por mais absurdo, sem sentido, ilógico que pareça, parte do que o filme mostra se inspira em acontecimentos reais.
Kubrick, Calder Willingham e Jim Thompson escreveram o roteiro soberbo, baseado no livro Paths of Glory, de Humphrey Cobb, que havia sido lançado em 1935 – 17 anos após o fim da Primeira Guerra, apenas 4 anos antes do início da Segunda.
Esse Humphrey Cobb, nascido em 1899 e morto em 1944, com apenas 45 anos de idade, parece ter sido uma figura absolutamente fascinante. Filho dos americanos Arthur e Alice Cobb, ele artista, ela médica, nasceu em Siena, na Itália, e teve o início de educação na Inglaterra. Só foi para a terra dos pais aos 13 anos, mas aos 17 foi expulso da escola. Queria lutar contra os alemães do Kaiser Wilhem, mas, como os Estados Unidos demoravam a se decidir se entravam na guerra ou não (exatamente como fariam de novo na Segunda Guerra), foi para o Canadá, alistou-se lá e foi enviado para o front de batalha na França – exatamente o front das trincheiras que mais tarde descreveria em seu livro.
De volta para os Estados Unidos depois que a guerra terminou em 1918, Humphrey Cobb – mais ou menos como seu contemporâneo Dashiell Hammett – passou pelos mais diferentes empregos. Trabalhou em financeiras, na marinha mercante, em editoras, em agências de publicidade e até mesmo o Office of War Information, a agência de inteligência do governo americano antes da criação da CIA. Escreveu Paths of Glory numa época em que estava trabalhando na agência de publicidade Young & Rubicam em Nova York.
O livro teve um sucesso apenas moderado. Chegou a ter, ainda em 1935, o ano do lançamento do livro, uma adaptação para o teatro por outro veterano da Primeira Guerra Mundial, Sydney Howard – que foi um imenso fracasso, com apenas 23 apresentações. Não havia muita gente querendo ver tanta dureza no palco, naqueles anos 30 da Grande Depressão.
Howard escreveu: “Me parece que nossa indústria de cinema deveria sentir a sagrada obrigação de fazer um filme”.

O filme tem um prólogo, dois longos atos, e um epílogo

A indústria de cinema americana não manifestou interesse, não. Consta que todos os grandes estúdios rejeitaram a idéia.
Ainda bem que havia Stanley Kubrick.
“Desde a publicação do livro, 25 anos atrás, ninguém ousou fazer este filme”, diz um locutor, com aquela voz empostada dos locutores dos anos 50, no trailer do filme, arredondando um pouquinho para cima o período de 22 anos. “Era chocante demais. Franco demais.”
Em seu roteiro com base no livro chocante demais, franco demais, Kubrick, Calder Willingham e Jim Thompson dividiram a narrativa em quatro diferentes atos, ou movimentos. Há um rápido prólogo, dentro de um elegante palácio no campo francês, e depois um longo ato no front de batalha.
Em seguida, na segunda metade do filme, temos outro longo ato com o tribunal, a Corte Marcial – e em seguida um fecho em que o filme remexe a faca que já havia enfiado no peito do espectador.
O prólogo começa com o letreiro “França, 1916”, a voz em off de um narrador que ajuda o espectador a se situar – uma rápida pincelada do contexto do que virá a seguir.
Enquanto vemos uma fachada de um daqueles palácios magníficos que a monarquia francesa mandava construir, com algumas dezenas de soldados perfilados diante dele, ouvimos o que diz o narrador:
“A guerra começara entre a França e a Alemanha em 3 de agosto de 1914. Cinco semanas depois, o exército alemão abriu caminho até 30 km de Paris. Então, os franceses miraculosamente reagruparam suas forças junto ao Rio Marne, e, numa série de contra-ataques inesperados, rechaçaram os alemães. O front ficou então estabilizado, numa linha de trincheiras fortemente armadas, em uma linha ziguezagueante de 800 km que ia do Canal da Mancha à fronteira com a Suíça. Em 1916, após dois anos de batalhas nas trincheiras, as linhas de batalha haviam mudado muito pouco. Ataques bem sucedidos eram medidos por centenas de metros, à custa da vida de centenas de milhares de soldados.”

A Primeira Guerra foi talvez a mais suja, a mais cruelmente obscena de todas

Lá dentro do gigantesco, suntuoso palácio, acontece uma conversa entre dois generais do exército da França, mas, antes de falar dela, faço aqui rápidas considerações.
Qualquer guerra é suja, dolorosa demais, insana demais, desumana demais, mas algumas têm características específicas. Há guerras em que potências externas intervêm, interferem, embora a rigor não tivessem absolutamente nada a fazer ali, como a Guerra do Vietnã, em que sucessivos presidentes americanos enfiaram seu país. Há guerras provocadas por potências militares que invadem nações independentes, como as napoleônicas do início do século XIX e a Segunda Guerra Mundial, em que há nitidamente um lado errado – o da potência invasora – e um lado correto – o da união de países aliados contra o invasor. Da Guerra Civil Espanhola se disse que foi a última guerra romântica, em que os dois lados defendiam ideologias opostas.
Da Primeira Guerra Mundial se dizia que era a guerra para acabar com todas as guerras. Ela não apenas não acabou com todas as guerras como a rigor preparou o terreno para a eclosão da Segunda. Mas, sobretudo, a Primeira Guerra Mundial foi talvez a mais suja de todas, a mais cruelmente obscena de todas. A que expunha mais escancaradamente, mais grotescamente o absurdo, a falta de lógica, a insanidade completa da coisa toda – que aquele texto de abertura já apresenta muito bem, e o filme expõe com um realismo apavorante.
Dois imensos, compridos, intermináveis buracos cavados no chão, um em frente ao outro, paralelos. Num buraco, os alemães. No buraco em frente, os aliados – franceses, ingleses, escoceses, canadenses. No caso específico mostrado no filme, apenas franceses.
Entre os dois buracos, a terra de ninguém.
De tempos em tempos, os de um lado atiram para o outro lado. E vice-versa. Posicionadas mais longe dos dois buracos, a artilharia de cada um dos lados, que de vez em quando joga bombas em direção ao inimigo.
E milhares, dezenas e dezenas de milhares de pessoas ficam ali dentro dos buracos. De tempos em tempos, um dos lados tenta um ataque – e morrem dezenas, centenas de pessoas.
Ninguém avança para lado nenhum. Ficam ali meses, anos, matando-se absolutamente à toa.
Toda guerra é suja, dolorosa demais, insana demais, desumana demais – mas a Primeira Guerra Mundial escancara mais que todas as outras a burrice, a estupidez, a imbecilidade da coisa toda.

“Mais da metade dos meus homens vão ser mortos?”

O general Paul Mireau (George Macrteady) é alto, comprido. O general George Broulard (Adolphe Menjou) é mais baixinho, atarracado, gordinho – mas manda mais que o outro, tem mais estrelas que o outro, pertence ao Alto Comando. O general Mireau é o chefe dos destacamentos que estão enfiados nas trincheiras ali perto daquele castelo agora ocupado pelas forças armadas francesas.
O general Broulard propõe ao outro, que é seu amigo particular, mas é inferior hierárquico, a tomar de assalto uma fortaleza alemã localizada numa colina do outro lada da trincheiro deles, o Ant Hill.
O general Mireau diz que é impossível.
O general Broulard diz que é importante para a França – e fundamental para que seu amigo obtenha mais uma estrela e assuma um lugar no Alto Comando.
O general Mireau topa.
Para ele é muito fácil topar: ele não vai se sujar. Não vai estar perto da trincheira francesa na hora do ataque. Muitíssimo menos na terra de ninguém, entre as duas trincheiras, onde caem bombas de canhões e tiros de fuzil disparados de um lado e de outro.
O general Mireau passa a bola para seu subalterno imediato, o já mencionado coronel Dax – o papel de Kirk Douglas.
Todo o diálogo entre os dois é antológico, dos mais apavorantes que já houve em qualquer filme de guerra, seja ela qual for.
O general: – “Coronel, seu regimento vai tomar o Ant Hill amanhã.”
O coronel (depois de algum tempo, surpreso, chocado): – “O senhor sabe as condições dos meus homens. Naturalmente, alguns serão mortos.”
O general: – “Possivelmente muitos deles. Vão absorver balas e estilhaços. E, ao fazer isso, tornarão possível que os outros sigam em frente.”
O coronel: – “Que apoio terei?”
O general: – “Não tenho nenhum para lhe dar.”
O coronel (tateando): – “Quantas baixas o senhor prevê?”
O general: – “Digamos 5% niortos em nossas trincheiras; 10% quando passarem pela terra de ninguém. E 20% quando chegarem aos arames. Isso deixa 65% para a pior parte do trabalho. Vamos dizer que outros 25% ao tomar a coluna. Nós ainda teremos uma força mais do que adequada para suportar.”
O coronel: – “General, o senhor está dizendo que mais da metade dos meus homens vão ser mortos?”
O general: – “Sim, é um preço terrível a pagar, coronel. Mas teremos a colina.”
O coronel: – “Teremos?”
O general: – “Eu dependo do senhor, coronel. Toda a França está dependendo do senhor.”

Depois das sequências de batalha terríveis, vem o segundo ato: a Corte Marcial

As cenas de batalha são absurdamente bem feitas.
O cinema filma cenas de batalha praticamente desde que nasceu – e há dezenas e dezenas de filmes com extraordinárias cenas de batalha. As deste Glória Feita de Sangue estão entre as melhores de todas as que já foram feitas.
A trama tem coisas impressionantes, apavorantes: ao perceber que parte do regimento não está saindo das trincheiras para tentar avançar sobre a terra de ninguém – ou melhor, para morrer assim que puser a cabeça para fora dos trincheiras –, o general Mireau, de seu ponto bem distante das balas dos fuzis e dos canhões, manda sua artilharia lançar fogo sobre sua própria trincheira.
Há ainda uma subtrama entre a inimizade antiga de dois homens que se conheciam bem de antes da guerra, um cabo, Philippe Paris (Ralph Meeker) e um tenente incompetente, bêbado, covarde, um traste, Roget (Wayne Morris).
São pontos importantes da história.
Para não alongar demais o relato, basta dizer que a tentativa de ataque do regimento do coronel Dax às forças alemãs redunda – como era de se prever – num absoluto fracasso, com dezenas e dezenas de vítimas fatais. Não por falta de coragem dos soldados franceses, de forma alguma – simplesmente porque era impossível um ataque naquelas circunstãncias. Se os alemães tivessem tentado algo parecido, teriam fracassado exatamente da mesma forma.
E é o fim da primeira metade do filme.
Começa em seguida o outro grande ato – o tribunal. A Corte Marcial.
Para limpar sua barra, para botar a culpa pelo fracasso da tentativa de ataque às forças alemãs no pescoço de alguém que não ele mesmo, o general Paul Mireau exige que uma Corte Marcial – nomeada por ele, instruída por ela – julgue um número de soldados do regimento do coronel Dax das acusações de covardia diante do inimigo.
Diante do general George Broulard, do Alto Comando, Dax se oferece para ser ele o julgado, em vez de quaisquer de seus homens. O general recusa. Acaba admitindo que sejam julgados três homens – cada um escolhido pelo tenente de um dos três pelotões do regimento.

“Momentos que nos fazem ter vergonha de pertencer à raça humana”

E esse é o ponto em que Humphrey Cobb se baseou em fatos reais, ao escrever o livro que descreve a vida nas trincheiras em que ele lutou contra os alemães.
Houve julgamentos em cortes marciais de soldados franceses durante a Primeira Guerra – escolhidos a esmo, escolhidos entre dezenas e dezenas e dezenas de companheiros que agiram exatamente da mesma forma. Escolhidos no meio da multidão para – como se diz no filme – dar um exemplo aos demais soldados. Para levantar o moral da tropa.
– “Se esses covardes se recusam a enfrentar balas alemãs, terão que enfrentar balas francesas”, diz o grotesco general Mireau.
E o não menos grotesco general Broulard diz: – “Há poucas coisas mais fundamentalmente encorajantes e estimulantes do que ver outra pessoa ser morta”.
O general Mireau tenta impedir que Dax atue na Corte Marcial como advogado dos três soldados escolhidos para morrer em nome do regimento inteiro. (Claro que, na hora de escolher, o tenente Roget, o tal pustema, escolhe o cabo Paris, seu inimigo pessoal.) Mas aí já seria demais, e o general Broulard permite que Dax – que, na vida civil, era um grande advogado criminalista – atue.
De nada adiantaria mesmo a atuação de um advogado, por melhor que fosse – tudo já estava mesmo previamente combinado.
Exatamente como aconteceria nos processos soviéticos da Era Stálin, transmitidos pelo rádio para todas as Rússias, com os quais o ditador aproveitava para se livrar dos inimigos, dos ex-amigos, dos que eram simpáticos aos ex-amigos, de quem quer que fosse – os processos que Trótski acompanhava do exílio, como recontou o cubano Leonardo Padura no extraordinário O Homem Que Amava Cachorros. Como nos processos da Checoslováquia da mesma época, mostrados em outra obra excepcional, A Confissão (1970), de Costa-Gavras.
Momentos que nos fazem ter vergonha de pertencer à raça humana, como diz o coronel Dax.
– “O ataque de ontem de manhã não é mácula alguma sobre a honra da França – discursa Dax para uma Corte Marcial que não está nem aí para o que ele possa discursar. – “E seguramente não é uma desgraça para os soldados desta nação. Mas esta Corte Marcial é, sim, uma tal mácula, uma tal desgraça. Este processo armado contra estes homens é uma zombaria de toda a Justiça humana.”

Nem o melhor manual do comunismo mostraria tão bem o abismo entre classes

Palavras impressionantes.
Imagens impressionantes.
As duas longas sequências em que a câmara vai percorrendo as trincheiras francesas têm que figurar em qualquer antologia do que de mais belas, mais impressionantes o cinema já fez, nestes seus primeiros 120 anos.
Uma das grandes características do filme é o absoluto choque entre as imagens do front, de dentro das trincheiras, da terra de ninguém – aquela coisa suja, imunda, insana, pavorosa, tétrica – e aquelas do interior do castelo ocupado pelo comando, aquela coisa perfeita, imaculada, luxuosa, ostentosa demais da conta, a não mais poder.
Não creio que haja qualquer outro filme que tenha exposto tão cruamente, tão cruelmente, o fosso entre a mais absurda riqueza e a mais absoluta miséria. Nem o mais bem feito manual do marxismo, do comunismo, seria capaz de colocar tão cara a cara o abismo que o ser humano é capaz de cavar entre um grupo e outro.
O próprio Stanley Kubrick, e de novo com Kirk Douglas como o grande astro, iria fazer outras sequências da mais pura beleza sobre as disparidades, no seu filme seguinte, Spartacus (1960). Creio que faz uns 40 anos que não revejo Spartacus, mas as tomadas das coortes romanas – impecáveis, organizadíssimas, limpíssimas – se preparando para a batalha contra os escravos – aquela coisa desalinhada, caótica, maltrapilha, multicolorida – jamais saíram da minha memória.
Mas Spartacus é outra história.

Uma única mulher aparece no filme. Kubrick casou-se com ela

Falta registrar uma palavrinha sobre o quarto movimento desta sinfonia kubrickiana.
Há o intróito, depois o longo ato da frente de batalha, depois o outro longo ato da Corte Marcial. E aí vem o quarto movimento, o quarto ato, o fecho, que, como falei, remexe a faca que já havia enfiado no peito do espectador.
Não teria sentido, é óbvio, relatar o que se passa nesse epílogo – mas não chega a ser spoiler dizer que a cantora alemã que é forçada a cantar, e canta uma triste, lindíssima canção folclórica, aparece nos créditos com o nome de Susanne Christian.
É a única mulher que aparece na tela ao longo dos 88 minutos de filme.
Nasceu Christiane Susanne Harlan, em 1932, em Brunswick, Alemanha – um ano antes de Adolf Hitler ser nomeado chanceler e seu Partido Nazista assumir o poder.
Ela e Kubrick se conheceram durante as filmagens.
Em 1957, ano em que o filme foi lançado, Stanley Kubrick divorciou-se de sua segunda mulher, Ruth Sobotka. Em 1958, casou-se com Christiane, que adotou o sobrenome do marido. Foi com ela que ele teve seus dois únicos filhos; viveram juntos até a morte dele, em 1999.

O filme foi proibido em diversos países europeus. A França só o liberou em 1975

Outras histórias e fatos e curiosidades acerca da produção do filme, a maioria delas tirada da página de Trívia do IMDb:
* Estudiosos notam que os personagens Paul Mireau e George Brulrd parecem ter sido inspirados em dois generais franceses que de fato existirem, Robert Nivelle e Philippe Pétain. Nivelle foi um comandante-em-chefe que ordenou um assalto a posições alemãs – o que resultou num rotundo fracasso, com a morte de dezenas de franceses. Ele foi retirado do cargo e substituído por Pétain, que ordenou a execução de dezenas de soldados franceses que haviam se rebelado ao saberem que seriam enviados para tentar o mesmo ataque fracassado.
* Os direitos de filmagem foram vendidos à produção pela viúva do escritor Humphrey Cobb por meros US$ 10 mil.
* O filme teve um orçamento de US$ 1 milhão – dos quais quase um terço, US$ 300 mil, era o salário de Kirk Douglas. Ao contrário do diretor, que em 1957, aos 29 anos, tinha feito apenas dois longa-metragens (A Morte Passou Por Perto/Killer’s Kiss, 1955, e O Grande Golpe/The Killing, 1956), Kirk Douglas já era um ator de imenso prestígio. Tinha 41 anos e uma filmografia extensa, com vários filmes de diretores respeitados em que havia sido o protagonista, como Êxito Fugaz (1950), A Montanha dos Sete Abutres (1951), Chaga de Fogo (1951), Assim Estava Escrito (1952), Ulisses (1954), 20.000 Léguas Submarinas (1954), Sem Lei e Sem Alma (1957)
* Consta que, depois de ler o roteiro, o astro disse para o jovem diretor: “Stanley, acho que esse filme não vai arender um centavo, mas nós temos que fazer”.
* Kubrick não recebeu salário. O acordo com os produtores foi de que ele receberia uma percentagem dos lucros do filme. Os lucros, como se sabe, foram mínimos.
* Já na realização deste que foi seu terceiro longa-metragem (de um total de apenas 12, ao longo de 46 anos) Stanley Kubrick começou a firmar sua imagem de perfeccionista. Um dos fatos responsáveis por isso: ele filmou 68 vezes a sequência da última ceia dos condenados. Como um deles aparece de fato comendo o pato, a equipe teve que preparar 68 vezes o prato de pato.
* Boa parte das filmagens foi na Alemanha, perto de Munique. As sequências das batalhas e das trincheiras foram feitas em uma fazenda alugada pela produção. Cerca de 600 policiais de Munique foram contratados como extras para, em suas horas de folga, trabalhar como se fossem solados franceses. Algo bastante irônico, já que fazia então apenas 12 anos que franceses e alemães haviam batalhado em lados opostos na Segunda Guerra Mundial.
* O filme foi proibido na França – aparentemente porque o governo da época entendeu que ele deixava muito ruim a imagem de altas autoridades militares francesas. A exibição na pátria do cinema, onde toda a ação se passa, só foi liberada em 1975!
* A Suíça também proibiu a exibição do filme, acusando-o de ser “propaganda subversiva contra a França”; a proibição só foi levantada em 1978.
* A Bélgica exigiu que houvesse uma introdução dizendo que a história representava um caso isolado que não refletia “a galhardia dos soldados franceses”.
* Proibido na Espanha na época do lançamento, só pôde ser exibido lá a partir de 1986, 11 anos depois da morte do ditador Francisco Franco.

“Impressionante estudo da insanidade da guerra”

Consta que Winston Churchill elogiou o filme como sendo um descrição acurada tanto da guerra de trincheiras quanto dos erros que podem ser cometidos pela mente militar. Churchill conhece o assunto: como oficial do exército britânico, combateu na Índia, no Sudão e na África do Sul. E foi primeiro-ministro durante praticamente todo o tempo em que durou a Segunda Guerra Mundial.
Roger Ebert, que pode não entender de guerra, mas sabe tudo sobre cinema, incluiu Paths of Glory em sua lista de “Grandes Filmes”.
Pauline Kael fez um verbete maior que o normal em seu livro 5001 Nights at the Movies, que no Brasil saiu como 1001 Noites no Cinema. Alguams das observações da prima donna da crítica americana:
– “Não é tanto um filme antiguerra quanto um ataque ao pensamento militar. Parte da imprensa se apaixonou (“lacerante em sua intensidade, e coisas desse tipo), mas o filme não foi popular.
– “O ritmo do filme é impressionante – sente-se o temperamento do diretor. E há um componente de implacabilidade na maneira como ele decide dcmonstrar a inexorável crueldade do ‘sistema’”.
– “É um filme muito irado, que parece pretender aplicar-se a todas as forças armadas.”
Leonard Maltin dá a nota máxima, 4 estrelas, é claro: “Durante a Primeira Guerra Mundial, o general francês Macready ordena que seus homens façam um ataque suicida; quando eles falham, ele escolhe três soldados para ser julgados e executados por covardia. (Não é ele diretamente que escolhe, mas tudo bem.) Impressionante estudo da insanidade da guerra tem ficado cada vez mais profundo ao longo dos anos; impressionantemente atuado e dirigido. Calder Willingham, Jim Thompson e Kubrick adaptaram a novela de Humphrey Cobb – baseada em fatoz reais.”
O livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer diz: “Amargo, inteligente e com atuações maravilhosas, este é o melhor filme de guerra: ele deixa os espectadores com raiva.”
É um brilho, uma obra-prima, um filmaço.
Anotação em julho de 2018
Glória Feita de Sangue/Paths of Glory
De Stanley Kubrick, EUA, 1957.
Com Kirk Douglas (coronel Dax), Ralph Meeker (cabo Philippe Paris), Adolphe Menjou (general George Broulard), George Macready (general Paul Mireau), Wayne Morris (teente Roget), Richard Anderson (major Saint-Auban), Joseph Turkel (soldado Pierre Arnaud), Susanne Christian, ou Christiane Kubrick (a cantora alemã), Jerry Hausner (o dono do Café), Peter Capell (o narrador da sequência de abertura / juiz chefe da Corte Marcial), Emile Meyer (padre Dupree), Bert Freed (sargento Boulanger), Kem Dibbs (soldado Lejeune), Timothy Carey (soldado Maurice Ferol), Fred Bell (soldado em estado de choque)
Roteiro Stanley Kubrick & Calder Willingham e Jim Thompson
Baseado no livro Paths of Glory, de Humphrey Cobb
Fotografia Georg Krause
Música Gerald Fried
Montagem Eve Kroll
Produção James B. Harris, Bryna Productions.
P&B, 88 min (1h28)

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