Minha primeira viagem após imunização contra a Covid foi para Pedra Azul, na serra capixaba, em agosto de 2021. Como sempre acompanhei grupos em viagens ao exterior, raramente viajava pelo Brasil. No máximo, Itaipava, que gosto muito, próximo ao Rio de Janeiro.
A escolha por Pedra Azul teve razão de ser: queria muito retornar à região diretamente relacionada com a minha família. A história remonta a tempos idos, lá pela década de 1940, quando meu avô resolveu comprar uma fazenda a 90 km de Cachoeiro de Itapemirim. Foi uma aventura e tanto porque o acesso era difícil. Havia uma estrada de terra a partir de Cachoeiro, mas que terminava a meio caminho da fazenda, e aí meu avô seguia a cavalo. Cruzes!
O tempo passou, muitas melhorias foram feitas pelo meu avô, inclusive complemento da estrada e construção de um açude que gerava energia por queda d´água. Assim a família passou a frequentar a fazenda regularmente, nas férias escolares da garotada. Com altitude de 1.100m e metade da propriedade com mata intocada, era um verdadeiro paraíso. Leite quente tirado das vacas, queijo de minas, creme de leite, pães, doces, tudo feito em casa. Sem contar as carnes, tudo produzido lá, fresquinho e delicioso, cozinhado em fogão à lenha, que perfumava a casa toda.
Nossos vizinhos eram todos italianos ou descendentes deles. Aí começa a parte mais interessante, a da imigração italiana para o Brasil, mais especificamente para a serra do Espírito Santo, a partir da segunda metade do século XIX.
Foi em 1874 que chegou a Vitória a expedição de Pietro Tabacchi, marcando assim o início da imigração em massa de italianos para o Brasil. Os 388 italianos que desembarcaram do navio Sophia vieram do norte da Itália, principalmente da região do Trento e do Vêneto. Nascido em Trento, Pietro Tabacchi já morava no Brasil desde 1850, quando comprou uma fazenda ao norte de Vitória. Percebendo o interesse dos brasileiros pela mão de obra européia, tratou de promover a imigração de seus conterrâneos.
A Itália havia se unificado como nação em 1861, mas o povo ainda enfrentava dificuldades, com muito desemprego e fome, e muitos resolveram tentar uma vida melhor aí.
Após problemas iniciais, os imigrantes italianos se estabeleceram em Santa Teresa, já na serra capixaba, e depois se espalharam por Venda Nova dos Imigrantes e Pedra Azul. Há registro de 36 mil italianos que imigraram para o Espírito Santo naquela época.
E assim eles trabalharam como colonos, depois foram comprando suas próprias terras e hoje são grandes proprietários de terras, atualmente muito valorizadas. Os sobrenomes de hoje são os mesmo que escutava no meu tempo de menina, só que agora na terceira ou quarta geração. Estudaram, fizeram faculdade fora, e agora são empreendedores que nos surpreendem, e que transformaram Pedra Azul, por exemplo, num lugar lindo, que sempre foi, mas com um turismo diferenciado.
Só para terminar rapidamente a história familiar, a fazenda foi vendida há muitos anos, mas parte da família manteve propriedade por lá.
Resolvi passar uma semana no sítio dos meus tios, achando que seria suficiente para visitar o que pretendia ver. Ledo engano! Foi pouco, poderia ter ficado mais uns tantos dias, de tão bom que foi. Quem sabe até para sempre!
E, agora sim, aqui começa a minha viagem!
COMO CHEGAR:
O acesso mais fácil para quem vai do Rio de Janeiro é de avião até Vitória (1h de voo). Depois é só alugar um carro em Vitória (é necessário ter um carro para passear por Pedra Azul) e seguir pela estrada BR262 (Vitória – Belo Horizonte) por cerca de 1h40. Aliás, por uma linda estrada que vai subindo a serra, ladeada por áreas plantadas ou por mata, numa antecipação do que está por vir.
Há a opção também de ir por Cachoeiro de Itapemirim de carro ou ônibus leito (6h30 de viagem) e mais 1h20 numa estrada bem asfaltada, onde era a tal estrada de terra do meu avô.
Pedra Azul é um distrito que pertence ao município de Domingos Martins. A distância entre eles é de 53km, e a população de Domingos Martins é, majoritariamente, de imigrantes alemães. Mas essa é outra história.
A Pedra Azul, como todos sabem, é uma belíssima montanha de pedra, com a característica marcante de possuir numa de suas encostas, uma forma que parece com um lagarto, também de pedra, como se tentasse subir ao topo.
MINHAS DICAS:
1 – A Rota do Lagarto:
Tenho que começar pela Rota do Lagarto, não dá para escapar. Essa estrada com 7,2km (em azul no mapa abaixo) começa na BR262 e termina na ES164. É uma estradinha asfaltada, linda demais, com a vista constante da Pedra Azul, em diversos ângulos. Quem vem de Vitória chega pela BR262, à direita no mapa. Soube recentemente que a Rota do Lagarto também é conhecida como a “Rota Romântica do Espírito Santo”, nada mais justo!
Em cinza no mapa está a outra opção de acesso à Rota do Lagarto, pela ES164. Apesar de ser mais longa, é plana e tem menos curvas, então é mais rápida e acessível para uma chegada pela primeira vez.
No encontro da ES164 com a Rota do Lagarto está o Quadrado, uma área com várias opções gastronômicas, de presentes e artigos para a casa e também uma pousada linda. É o point de Pedra Azul, com certeza. Nos finais de semana o Quadrado fica cheio, é uma animação.
Fora do Quadrado, há dezenas de outras opções gastronômicas maravilhosas, algumas vezes escondidas do visitante de primeira vez. Abaixo cito alguns exemplos que adorei conhecer:
2 – Um restaurante:
O Passarim é um desses lugares que você já se encanta ao chegar. Uma casa cercada de plantas, no topo de uma colina, e com aquela vista de dar gosto. Além disso, os proprietários são muito simpáticos e atenciosos. Quando terminamos o almoço a primeira coisa que pensei foi: “tenho que voltar”!
Almoço divino. As entradas de tomate e abacaxi confitados foram de comer rezando. Os pratos foram muito apreciados e o meu, em particular, um ravioli com recheio de banana da terra e molho de camarões, provocou em mim suspiros de alegria.
3 – Uma pizzaria:
A melhor pizza a lenha de Pedra Azul é, sem dúvida, a da Estação Pedra Azul, que é também uma pousada com 5 chalés. A pizza é sensacional, de massa fininha, e ótimos ingredientes. E a vista de lá para quem se hospedar é sensacional.
4 – Uma gelateria:
Jamais poderia imaginar que encontraria uma gelateria na serra com a qualidade da Blu Gelatos. A gente pensa em gelato só como um nome de origem italiana dado ao nosso velho e conhecido sorvete.
Mas gelato é mais do que isso: é feito aos poucos, diariamente, sem conservantes ou espessantes e com ingredientes de alta qualidade. Encontrei tudo isso na Blu Gelatos, escondida numa estradinha de terra que nasce na Rota do Lagarto.
Os gelatos são sensacionais: escolhi pistache e caramelo salgado, que veio com calda de caramelo e macadâmias. E com casquinha extra, de tão boa que é, deita na hora. Tudo dos deuses!
A gelateria hoje funciona em um casarão antigo, típico da arquitetura dos imigrantes italianos de mais de 100 anos atrás. O lugar é bucólico e encantador.
Em breve a Blu vai se mudar para o Quadrado, que vocês já sabem o que é, certo?
5 – Uma padaria:
Aqui está um exemplo do descendente de imigrantes italianos que fez faculdade e depois foi para a Europa fazer cursos de culinária na França e na Bélgica. Voltou para Pedra Azul, onde sua família sempre viveu, e abriu a melhor padaria da região: a Farinha e Água, de pães artesanais.
Mais uma surpresa para mim: encontrar pães de tamanha qualidade e sabor, com ingredientes sofisticados, de fermentação natural, em um ambiente rústico que esbanja charme e bom gosto. Parecia que estava na Europa!
Lá a gente pode só comprar os pães e outras delícias (por exemplo: um sonho que desmancha na boca e é recheado com creme de pistache) no balcão ou sentar nas mesinhas para um café da manhã ou da tarde. E enquanto tomávamos nosso cappuccino ficamos sabendo pelo dono, que é quem está à frente do atendimento, que ele e a esposa acordam às 3h da madrugada para colocar, literalmente, a mão na massa.
Atenção: os pães saem do forno em horas diferentes. Quem já é cliente, e tem os seus favoritos, sabe a que horas chegar.
Os croissants, que são tão bons quanto os franceses, e os sonhos, só são oferecidos nos finais de semana.
6 – Um restaurante com jardins lindos:
O restaurante Quinta dos Manacás não estava aberto porque era uma quarta-feira. Sabíamos disso, mas não haveria outra oportunidade para irmos lá. Sabia pelos meus tios que era um lugar com lindos jardins e gastronomia de primeira, com foco em produtos naturais. O chef é um americano que foi importado de Vitória, e antes trabalhou em vários restaurantes famosos nos Estados Unidos.
A essa altura me perguntei: “só um minuto, essa é aquela região da minha juventude, que era simplíssima e muito rústica?”. Impressionante a mudança, mas sempre mantendo as características essenciais dos antepassados.
Os jardins são realmente lindos, com mesas em espaços externos cobertos, se a pessoa preferir almoçar do lado de fora. O salão tem decoração provençal, tudo com muito bom gosto.
A proprietária está com projeto de construir também uma pousada na Quinta dos Manacás.
7 – Um lavandário:
Só faltava essa: um lavandário em Pedra Azul! Sabia do lavandário de Cunha, não Estado do Rio de Janeiro, mas não no Espírito Santo. Foi uma ótima surpresa! O lavandário é pequeno, mas rodeado por natureza que dá gosto de apreciar. Ao fundo, de outro ângulo, sempre ela, a Pedra Azul.
Lá dentro há uma casa de chá que tem um delicioso chocolate quente. Leitor, eu não sou exatamente muito gulosa, mas sim uma pessoa que aprecia o que é bom!
Gostaria de ressaltar que vários estabelecimentos em Pedra Azul só abrem todos os dias na alta estação, principalmente durante o mês de julho e também em janeiro. Fora isso, é necessário checar os dias de funcionamento.
Vou parar por aqui hoje. Deixarei o resto para a próxima coluna. Ainda há muito para contar.
“Arquiteta de formação e de ofício por muitos anos, desde 2007 resolveu mudar de profissão. Desde então trabalha com turismo, elaborando roteiros e acompanhando pequenos grupos ao exterior. Descobriu que essa é sua vocação maior.”
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