27 de abril de 2024
Turismo

Dresden, a pérola do Rio Elba

Zwinger: construções barrocas belíssimas. (Foto: Mônica Sayão)

INTRODUÇÃO

Ela é mais conhecida como a “Florença do rio Elba” mas eu prefiro chamá-la de a “Pérola do rio Elba” – não importa, Dresden é absolutamente maravilhosa. Florença não me parece um nome muito apropriado se você pensar que a cidade italiana foi o celeiro da cultura e arte renascentista nos séculos 14 e 15. O centro histórico de Dresden é arrebatadoramente barroco e elegante. A maior parte disso foi ao chão por causa de devastador bombardeio das forças aliadas no final da Segunda Guerra Mundial. Mas isto vai ser assunto para mais adiante.

Dresden é a capital e segunda maior cidade do estado alemão da Saxônia, só superada por Leipzig. Sua população hoje está em torno de 550 mil habitantes.

A Saxônia (Sachsen) no mapa atual da Alemanha, e sua capital Dresden. (Foto: stepmap.de)

UM POUCO DA HISTÓRIA

A história de Dresden remonta ao início do século 13, quando foi fundada.

Vocês sabem que a história de povos antigos é sempre um pouco ou bastante complicada. Então o importante é saber sobre os Wettin: membros desta dinastia se tornaram príncipes-eleitores e reis que governaram a Saxônia, a Saxônia Anhalt, a Turingia, e Polônia eventualmente, por séculos.

O grande nome da dinastia Wettin foi Augusto II, o Forte. Sua ambição e amor pelas artes fizeram com que transformasse Dresden, nos séculos 17 e 18, numa belíssima e rica cidade, repleta de construções barrocas espetaculares, sendo chamado de o “Rei-Sol” da Alemanha – alusão ao rei francês Luís XIV.

Augusto II, o Forte, e Condessa de Cosel, sua amante influente. (Fotos: pt.wikipedia.org)

Augusto II, o Forte, nasceu em Dresden em 1670 e morreu em Varsóvia em 1733. Além do interesse pelos seus feitos como governante, há duas peculiaridades sobre sua vida particular: teve somente um filho legítimo, Augusto III, e pelo menos 350 filhos bastardos confirmados. É o que conta a lenda… E tinha uma amante oficial, Anna de Cosel, que logo foi transformada na condessa de Cosel, ganhando benefícios como um membro da família real, além do castelo de Pillnitz, nos arredores de Dresden.

Na cidade, ela morava ao lado do Palácio Real, e havia, inclusive, uma passagem coberta entre as duas residências. A condessa era muito inteligente e logo se envolveu na política, tornando-se uma figura influente. Augusto acabou se interessando por outra mulher com menos ambições intelectuais e políticas. Cosel caiu em desgraça e passou 49 anos encarcerada no castelo de Stolpen, onde morreu em 1765. Oh vida…

O QUE FAZER

Antes de falar das atrações, preciso falar sobre a destruição de Dresden na Segunda Guerra. Tudo o que vocês virem nas fotos do centro histórico foi bombardeado naquele fatídico fevereiro de 1945 pelas forças americanas e inglesas. Os aliados lançaram sobre a capital barroca da Alemanha um ataque tão brutal, que o resultado foi uma área destruída de 39 quilômetros quadrados no centro da cidade, principalmente na parte histórica. Isto é muita coisa!

Outra maneira de entender, é dizer que 75% do centro histórico de Dresden foi bombardeado. Berlim, capital alemã, teve aproximadamente 30% de destruição. A guerra já estava perdida para os alemães, e os eventuais alvos que seriam pontes e um parque industrial mais afastado, não foram atingidos. A única motivação dos aliados seria atingir o país no lugar que era o centro cultural e artístico do país, na Florença do rio Elba… Uma vingança, parece mais provável. Mas guerra é guerra, a razão foge à nossa compreensão.

Dresden após o bombardeio de 1945. (Foto: YouTube)

Quando a Alemanha foi dividida em 4 áreas distintas para serem geridas pelos aliados, a Saxônia fazia parte da área dos russos. O novo governo comunista pós-guerra renovou o que achou necessário em Dresden. Por exemplo, os russos amam música clássica, então a Ópera Semper foi restaurada. Mas na mesma praça da Ópera está o Zwinger, que foi deixado em ruínas.

A Frauenkirche, a mais importante construção protestante da cidade, desabou completamente naquele bombardeio. Assim foi deixada, por décadas, as pedras se amontoando pelo chão, sem nem mesmo serem retiradas. Um alemão local de 40 anos me disse que ele adorava brincar nas pedras, assim como outras crianças. Somente após a reunificação das duas Alemanhas em 1990, é que reais esforços foram feitos para resgatar à cidade a grandeza de antigamente. E justiça seja feita, os alemães foram e continuam sendo fantásticos neste processo de restauração de Dresden e de todo o país unificado.

Talvez agora Dresden devesse ser chamada de “A Fênix do rio Elba”…

1 – Principais atrações do centro antigo (Altstadt):

Mapa de Dresden. O centro histórico está na margem inferior do rio Elba. (Foto: www.welt-atlas.de)

– Palácio Real (Rezidenzschloss): o que mais impressiona no Palácio Real são as suas coleções de arte que foram colecionadas ao longo do tempo pelos Wettin, principalmente por Augusto II e seu filho Augusto III.

Duas coleções em especial precisam ser visitadas: a Neues Grünes Gewölbe e o Historisches Grünes Gewölbe. São coleções espetaculares do tesouro de reis e príncipes da Saxônia. Joias e todo tipo de objetos estão dispostos aos nossos olhos, muitas vezes incrédulos. Além da beleza, através das peças a gente passa a ter uma ideia mais clara da riqueza e poder dessa dinastia.

Final da tarde em frente ao Palácio Real. (Foto: Mônica Sayão)

– Zwinger: o Zwinger foi construído em 1709 por Augusto II como um espaço para festas e eventos diversos da corte. A construção se desenvolve em torno de um enorme pátio central gramado com fontes, e sua arquitetura barroca suntuosa logo o fez famoso pela Europa. Hoje abriga uma importante coleção de pinturas reunidas na Gemäldegalerie Alte Meister (Galeria de Arte dos Grandes Mestres Antigos). Os grandes pintores renascentistas e barrocos italianos assim como os mestres holandeses do século 17 estão expostos lá. Imperdível.

Há também a Coleção de Porcelanas, em outro pavilhão. São porcelanas saxônicas, principalmente as de Meissen, manufatura criada por Augusto, o Forte, em 1708, assim como importantes peças de porcelana chinesa e japonesa dos séculos XVII e XVIII.

Há também o Museu de Relógios Históricos, onde estão expostos globos terrestres, dispositivos astronômicos, além dos relógios, é claro.

Zwinger: enorme e impressionante estrutura para eventos mandada construir por Augusto II, o Forte, no início do séc. XVIII. (Foto: Mônica Sayão)
Pátio interno do Zwinger. (Foto: Mônica Sayão)
Zwinger: fachada externa posterior. (Foto: Mônica Sayão)

– Ópera Semper (Semperoper): originalmente construída em 1834, com projeto de Gottfried Semper, a Ópera Semper foi destruída 2 vezes ao longo dos anos: por fogo devastador e, décadas depois, por bombas em 1945.

Foi reconstruída em 1985 e hoje é uma das mais respeitadas casas de ópera, música clássica e balé da Europa. Está localizada na Theaterplatz (Praça do Teatro), praça essa onde também estão o Zwinger, a Hofkirche Igreja Católica de Dresden) e parte do Palácio Real.

É possível conhecer a Semperoper através de visita guiada, que fiz e foi ótima, e/ou assistindo a algum espetáculo, que também fiz, e foi emocionante. Seu interior é muito bonito e a atmosfera durante uma apresentação é sensacional: o povo alemão sabe muito sobre música clássica e é comum ver espectadores com partituras nas mãos para acompanhar a performance dos artistas.

Ópera Semper: uma das mais famosas da Europa. (Fonte: Mônica Sayão)

– Katholische Hofkirche (Igreja Católica):

Desde 1980 designada como a catedral de Dresden, é uma igreja católica em uma cidade protestante. Foi construída por Augusto III, no século 18, para uso da família real, que era católica. Seu pai, Augusto II, está enterrado lá.

Catedral católica (à esquerda) ao lado do Palácio Real: originalmente para uso da família real. (Foto: Mônica Sayão)

– Frauenkirche:

Talvez o maior símbolo da cidade de Dresden, a Frauenkirche (Igreja de Nossa Senhora), como nós vemos hoje, foi inaugurada e consagrada em 1734. Já contei aqui que ela foi totalmente destruída no final da guerra e reconstruída após a reunificação da Alemanha, exatamente como era em 1734.

Antes, porém, nesse mesmo lugar havia uma igreja do século 11, com fins missionários, com o propósito de converter ao Cristianismo tribos vizinhas. Ao longo dos séculos, houve várias modificações no prédio, talvez a mais importante de cunho religioso, porque após a reforma de Martinho Lutero, a Frauenkirche se transformou em uma igreja protestante, o que é até hoje.

Não é à toa que, bem em frente à igreja encontra-se a estátua de Martinho Lutero.

Frauenkirche: o símbolo da reconstrução de Dresden após a queda do muro de Berlim. As pedras escuras da fachada são as originais de antes do bombardeio de 1945. A estátua de Martim Lutero na frente da igreja mostra que ela se tornou protestante. (Foto: Mônica Sayão)

– Fürstenzug (Procissão dos Príncipes):

Uma das atrações mais lindas de Dresden é a Fürstenzug, que é um painel de mais de 100 metros de comprimento que reveste a parede externa do Stallhof (Pátio dos Estábulos Reais), ao lado do Palácio Real. O painel mostra a linhagem da família real da Saxônia. Lá estão retratados todos os governantes da Saxônia do século 12 ao século 20.

São 25 mil peças de porcelana pintadas à mão uma a uma, com grande riqueza de detalhes. É claro que Augusto II está retratado lá, com vocês podem ver em detalhe abaixo. Imperdível! A propósito, o último rei da Saxônia abdicou em 1918.

O monumental painel de 25 mil peças de porcelana pintadas à mão. (Foto: Mônica Sayão)
Detalhe das figuras de Augusto II e de seu filho Augusto III. (Foto: Mônica Sayão)

– Simplesmente flanar pelas ruas do centro histórico: parece óbvio, mas no caso de Dresden é especialmente importante.

Estive na cidade quatro vezes, e ela sempre está em processo de reconstrução. Da última vez foi em 2018. Já estava diferente de quando fui em maio de 2016. Em 2018 acontecia a reconstrução do bairro judeu. Sempre há uma grande placa na frente do canteiro de obras mostrando como a área ficará depois de pronta.

Caminhar pelas ruas do centro histórico é uma delícia. (Foto: Mônica Sayão)

Há bons restaurantes e hotéis para todos os gostos e bolsos. Há lojas de chocolates deliciosos! Há rua de comércio tradicional que começa no centro histórico e termina na estação de trem.

Há muitas lojas interessantes, como a que vende a porcelana de Meissen, mundialmente famosa. Imaginem quem quis que a Saxônia produzisse a melhor porcelana do mundo, de alta qualidade? Claro, Augusto II…

Tudo pode ser feito a pé se você estiver hospedado no centro antigo. Passear e apreciar a vista do rio Elba é fundamental e isto pode ser feito no Terraço de Brühl – um longo terraço elevado ao longo do rio, com bancos para a gente deixar o tempo passar. Há turistas, mas não tantos, o que torna a vida mais fácil… Como se eu basicamente não fosse uma!

2 – Atravessar o rio Elba e visitar a Neustadt (Cidade Nova):

Do outro lado do rio Elba, em frente ao centro histórico, encontra-se a região de Neustadt, que também foi afetado pelo bombardeio de 1945. Mas foi restaurada e é muito simpática. É uma área cheia de restaurantes, cafés e lojas locais. É muito fácil chegar: é só atravessa uma das pontes da cidade, de preferência a Augustusbrück (Ponte de Augusto), que liga o coração da cidade antiga ao coração da cidade nova.

A Hauptstrasse e a Konigstrasse são as principais ruas de comércio da Neustadt, sendo que a Konigstrasse é a mais elegante e sofisticada. (Foto: Mônica Sayão)

A Neustadt traz algumas surpresas bem interessantes, como a Leiteria Pfunds (Molkerei Pfunds). Ela é linda, totalmente revestida com azulejos coloridos, do piso ao teto, pintados à mão.

A história da leiteria também é muito interessante. Em 1879 o agricultor Paul Pfund resolveu deixar seu vilarejo e foi morar em Dresden, acompanhado pela esposa e por seis vacas leiteiras, com o intuito de abastecer a cidade com seu leite. Até então o leite de Dresden vinha de vilarejos próximos, em carros abertos, em precárias condições de higiene.

Seu negócio deu tão certo que, em pouco tempo abriu filiais pelo país, além de desenvolver novos produtos, sempre com atenção na higiene. Como curiosidade, ele foi o primeiro na Alemanha a Produzir leite condensado. E em 1900 introduziu o processo de pasteurização em sua produção.

A Leiteria Pfund resistiu aos bombardeios da Segunda Grande Guerra, assim como ao período socialista da RDA. Hoje é administrada por descendentes do fundador. Desde 1998 ela está registrada como a “leiteria mais linda do mundo” no Guinness Book.

A foto foi tirada do site da leiteria. Além de ser proibido tirar fotos lá dentro, há sempre dezenas de visitantes e compradores,
o que torna impossível tirar uma boa foto. (Foto: www.pfunds.de)
Mas não resisti e tirei essa foto, enquanto descia do andar de cima, onde há um café/restaurante também da Leiteria Pfund,
muito simpático. (Foto: Mônica Sayão)

Quando a gente vai se afastando do rio Elba, ainda em Neustadt (Cidade Nova), surge uma nova região, que é facilmente identificável por causa dos grafites, das lojas super descoladas, dos brechós, de muitos bares, das casas de jazz, de pequenos restaurantes e galerias de arte. É a Äussere Neustadt (Cidade Nova “Externa”), onde estão os jovens, artistas, casais com crianças, idosos, todos vivendo em harmonia. Dá para sentir isso no ar. Não há turistas, só os locais, é uma sensação muito interessante.

Meu lugar favorito na Äussere Neustadt é a Kunsthofpassage, um complexo de áreas internas onde há lojas e cafés /restaurantes veganos, ou quase isso, e arte, tudo com a maior criatividade. Recomendo a visita. E se puder ficar até à noite, recomendo o Blue Note para uma boa música. Aliás, nessa mesma rua do Blue Note, a Görlitzer Strasse, há várias opções de pequenos restaurantes para um fim de noite

Grafite pelas ruas de Äussere Neustadt. (Foto: Mônica Sayão)
Kunsthofpassage (Foto: Mônica Sayão)
Kunsthofpassage (Foto: Mônica Sayão)
Kunsthofpassage (Foto: Mônica Sayão)

Ainda em Äussere Neustadt há uma igreja imperdível de ser visitada, e que nunca aparece nos guias de turismo. Nem o ônibus turístico passa por ela porque é mais afastada do centro de Dresden. É a Igreja de São Martinho (Sankt Martin Kirche). Foi construída no século 19, o que significa que é muito jovem para os padrões europeus, mas sua arquitetura neo-românica é muito linda. E tem uma particularidade: a igreja é tanto católica como protestante. Há missas e cultos em horários diversos e sempre especificados na entrada.

Sankt Martin Kirche (Igreja de São Martinho): surpreendente! (Foto: Mônica Sayão)

Dresden é uma dessas cidades que a gente tem que visitar pelo menos uma vez na vida. Há muito o que ver e com que se surpreender.

Mônica Sayão

“Arquiteta de formação e de ofício por muitos anos, desde 2007 resolveu mudar de profissão. Desde então trabalha com turismo, elaborando roteiros e acompanhando pequenos grupos ao exterior. Descobriu que essa é sua vocação maior.”

“Arquiteta de formação e de ofício por muitos anos, desde 2007 resolveu mudar de profissão. Desde então trabalha com turismo, elaborando roteiros e acompanhando pequenos grupos ao exterior. Descobriu que essa é sua vocação maior.”

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