Ulisses Guimarães, Praça da Sé, São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, durante o movimento Diretas Já
(Foto: Antonio Carlos Piccino / Agência O Globo)
Por ignorância, esperteza ou má-fé, tem-se atribuído à eleição direta para presidente o status de elixir infalível, capaz de purgar todos os males que se abateram sobre o país. E, em um lastimável arremedo da História, acrescenta-se a ela o advérbio já, o mesmo usado em 1983-84, quando o Brasil lutava para emergir de duas décadas de ditadura.
Comparar os dias de hoje com aqueles é um acinte. Inadmissível até para os mais jovens, que não vivenciaram os limites e os horrores dos tempos de exceção. Quanto mais para os que combateram o regime que extirpou milhares da vida nacional, torturou e matou. Que impedia ir, vir, reunir, escrever, falar, cantar, atuar, pensar.
Longe de ser um movimento para beneficiar candidaturas de um ou outro, as diretas-já de 1983-84 pressupunham retomar direitos usurpados pelos militares. O que unia diferentes ideologias era a derrubada do regime. E, ao contrário da Rússia ou de Cuba, e das metralhadoras de José Dirceu e Dilma Rousseff, mirava-se a democracia – e a arma era o voto.
Ainda que seja um dos maiores instrumentos da expressão popular, o voto direto por si só não garante a democracia. Muito menos a liberdade e os direitos do cidadão. A vizinha Venezuela que o diga.
Desde Hugo Chávez sufoca-se qualquer um que discorde do mandatário. Criam-se distritos, juntas e leis eleitorais ao bel-prazer do presidente, convocam-se eleições a qualquer hora, muda-se a Constituição.
Ou seja: a urna tem pouca ou valia alguma se servir a casuísmos de eternos donos do poder, populistas e ditadores que nela se escoram para referendar seus desmandos.
Por aqui, as eventuais mudanças constitucionais de ocasião serviriam a propósitos igualmente duvidosos, abrindo precedentes perigosíssimos.
Em nome de se fazer o bem, como muitos creem, abrem-se janelas para o mal.
Se é urgente alterar a Constituição para resolver o pós-Temer – evento circunstancial, que duraria pouco mais de um ano se o presidente caísse hoje – quanta loucura bolivariana, fascista, de extremismos à direita e à esquerda não poderia ser feita amanhã, com respaldo em imediatismos?
Dirão alguns que o atual Congresso, com pelo menos um terço dos seus envolvidos em falcatruas, não teria legitimidade para escolher um presidente de forma indireta. Cabe a questão: e por que esses mesmos parlamentares seriam legítimos para aprovar uma emenda constitucional pelas diretas?
Agora, o tema diretas ganhou força pela fragilidade do presidente, abatido pela delação de Joesley Batista, o canalha, alcunha imposta pelo ex Lula em discurso no 6º Congresso Nacional do PT, que terminou ontem.
Aliás, Joesley conseguiu quase o impossível: ser igualmente odiado por Lula e Temer. E por todo o país, que considera excessivo o benefício que a ele foi concedido, rico, leve e solto. É o canalha que Lula mimou e a quem entregou R$ 12,8 bilhões de dinheiro dos brasileiros, via BNDES. E o carrasco de Temer, que estrangulou o presidente e o país.
Mesmo encurralado, Temer continua presidente, o que torna surrealista falar de eleições para sucedê-lo, sejam elas indiretas ou diretas.
Apresenta-se como um sobrevivente que tem conseguido, com aparelhos, manter a respiração. Perdeu fôlego no Congresso, mas não o suficiente para ser impedido, algo que pode vir – se vier – do TSE, que marcou para terça-feira, 6, o julgamento da ação do PSDB de cassação da chapa Dilma-Temer. Mas nada aponta que será condenado de imediato e, se for, que sairá rápido do Planalto, dadas as possibilidades de recursos.
Falar hoje em diretas-já avilta o movimento que enterrou a ditadura. Confunde as bolas. A não ser que os defensores da tese de eleições diretas para substituir Temer pretendam retirar o presidente à força. Aí, adeus democracia.
Fonte: Blog do Noblat
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Usamos cookies em nosso site para oferecer a você a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e visitas repetidas. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookies" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.