28 de março de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Mais além de Machu Pichu

A América Latina não gosta da América Latina. Ou isso é coisa de brasileiro?

Não se vê por aqui quase nada sobre os países do continente, quiçá da macrorregião de língua hispânica, que vai até o México na fronteira com os Estados Unidos, e inclui ilhas caribenhas. Apenas notícias distribuídas pelas agências e de caráter geral são divulgadas na mídia.

Quem tem interesse específico sobre os países fronteiriços deve recorrer a jornais de lá para saber o que está acontecendo. Porque aqui não se fala nada. E parece que a recíproca é verdadeira.

O Brasil se parece com um enorme muro invisível, que separa o Pacífico do Atlântico, cujo povo fala uma língua diferente. O contato só é maior nas fronteiras, até porque, na prática não existem.

O Tratado de Tordesilhas, celebrado em 1494 entre Portugal e Espanha continua tendo um efeito separatista cultural desde então. Sem contar as Guianas que parecem não existir no continente.

Mas vamos falar do Peru, nosso vizinho de fronteira, que vai além de Machu Pichu.

No final de julho, foi definido pelas urnas o novo presidente do país andino, que vai governar pelos próximos quatro anos.

Pedro Castillo é o nome que surgiu para derrotar a candidata da Força Popular, partido de direita, representado por Keiko Fujimori, filha do ex-ditador, Alberto Fujimori, que por lá muita gente quer esquecer.

A disputa foi acirrada e teve recontagem de votos, cujo resultado deu a Castillo a maioria com 50,1%. Margem que revela o quanto o país está dividido.

O fato é que Pedro Castillo se encaixa no perfil de líder popular, sindical que parece não ter surgido de nenhum escritório de Lima, mas como um simples professor de escola rural do interior peruano. Fato que muitos duvidam. Ele foi fabricado ou surgiu “das massas”? Talvez de um pouco dos dois.

Na verdade ele apareceu como alternativa dentro do partido de ultra esquerda, Peru Libre, de orientação marxista-leninista, como resposta à direita organizada do país, em oposição à representante Keiko Fujimori.

O novo presidente é natural de Puña, cidade da província de Tajamarca, a região mais pobre do Peru, embora seja uma das maiores produtoras de diamantes do mundo.

Desconhecido fora do país, ele foi apontado como alternativa porque Vladimir Cerrón, presidente do Peru Libre e esquerdista radical, que na verdade aspirava ao cargo, foi impedido por envolvimento com corrupção no país.

Castillo, apesar de dizer não ser militante do seu partido, nem mesmo marxista-leninista, se orgulha de ter como ídolos Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, e Rafael Correa, ex-presidente do Equador.

Até mesmo o traje usado por ele na celebração da nomeação ao cargo foi idêntico ao do ex-líder cocaleiro, fora o chapelão branco, que é de sua tradição regional.

Mas, ele deu um chega pra lá em Nicolás Maduro logo de cara, por querer pegar carona na pauta comunista da América do Sul. E o recado foi claro: “ele que cuide dos problemas de seu país”.

No discurso de posse o novo mandante causou constrangimento ao rei da Espanha, Filipe VI, que estava presente, por criticar a ocupação espanhola e seus líderes estrangeiros.

A colonização e as temáticas étnicas e culturais, que habitam o inconsciente popular peruano frente ao massacre sofrido pelos povos indígenas no passado, serão temas recorrentes.

A intenção é manter 80% do que for produzido no país nas mãos do Estado. Uma fórmula que já se provou errônea em muitos países.

O fato é que Castillo não é independente como quer parecer. Junto com ele, entrou para o governo Guido Bellido, o primeiro-ministro, que passa a ser o presidente do Conselho de Ministros, por quatro anos. Suposto “criador” do novo presidente, junto com o impedido Vladimir Cerrón. Vamos ver como se comportam criadores e criatura. Mas não quer dizer que o novo presidente seja uma farsa institucional.

Para a imprensa internacional fica uma discreta satisfação por tratar-se de um novo governo de esquerda, certa simpatia por ele se livrar do atrasado chavismo, mas a dúvida da independência de Pedro Castillo no comando do Peru.

O partido Peru Libre pode ter mais ambições do que o próprio presidente. O tempo dirá com quem fará alianças, até porque sozinho ninguém governa.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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