5 de dezembro de 2024
Joseph Agamol

Carioquismos


Muita gente escreve sobre o chamado Carioca Way of Life.
Mas muita gente dessa muita gente que escreve sobre os cariocas NÃO É CARIOCA – o que pode gerar graves distorções sobre como vivem, pensam e agem os nativos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Eu, como nascido no Complexo do Alemão e morador de Bonsuça, Ramos, Vila da Penha e Lapa, acredito que me capacito a tecer considerações legítimas sobre os ditos carioquismos.
Por exemplo: enquanto paulistas tem mania de aumentativos – domingão, Paulistão, etc. – cariocas são econômicos nas palavras.
São básicos. Os cariocas são os espartanos do Brasil, no que tange a gastar o mínimo de verborragia possível.
O cara mora no Rio e se chama Jair Bolsonaro. Logo ele vira Bolsonaro. Bolseiro. Bolso. B. …
Outra coisa: cariocas sofrem com falácias e inverdades a nosso respeito.
No restante do Brasil, chamam de “carioca” um café aguado, fraco e sem sabor, enquanto é sobejamente conhecido por todos que cariocas são grandes conoisseurs de cafés, e só os degustam fortes, encorpados e saborosos.
Aliás, o café é uma metáfora e uma síntese do carioca.
Querem mais? Todo mundo chama de “carioca” um feijão que ninguém come no Rio!!! No Rio, chama-se de “mulatinho” e só se consome o preto – diga-se de passagem, o feijão preto é o segundo alimento dos bebês cariocas, atrás apenas do leite materno.
Uma das grandes causas da fácil adaptação dos cariocas a morar no exterior é justamente o “fator feijão- preto”: cariocas que residem fora do Rio são obrigados a se adequar à uma insólita dieta de feijão preto apenas duas vezes por semana, às quartas feiras e sábados, quando o resto do Brasil consome o que eles acham que é feijoada.
(pausa para risos discretos)
Sim, porque a VERDADEIRA feijoada só se consome em locais inacessíveis à leigos e reservados à iniciados: um certo boteco na Mangueira. Um bar numa travessa recôndita na Cinelândia. Um pé-sujo em Anchieta.
Lugares tão misteriosos que, perto deles, o bar de Tattooine em Star Wars – frequentado pela escória da galáxia – , o Beco Diagonal de Harry Potter ou o Pônei Saltitante de O Senhor dos Anéis parecem a Disney.
(Não, não me peçam nomes. Se você é carioca, você sabe)
Por falar em nomes: nossos bairros tem os nomes mais bacanas do mundo! Olha só:
– Jacarepaguá: e tem jacaré lá!
– Jacarezinho: não, não tem jacaré. Só os criados em cativeiro mas pula essa parte.
– Bonsucesso: o bairro mais hiperbólico que existe.
– Glória. Lapa. Humaitá pra peixe.
E por aí vai.
Aliás, não é por nada, não, mas no Rio fala-se o melhor português do Brasil: o carioca criou uma espécie de novilingua, muito mais legal e benigna que a preconizada por George Orwell.
Exemplo: desenrolar. Se aplica a variados contextos e situações. Aí, ó:
– pô, fulano, desenrola uma água lá! Na moral!
– será que dá um desenrolo naquela mina?
– caraca! Acho que vai rolar assalto no ônibus! Vou ter que dar um desenrolo no ladrão!
Outra parada chata é dizer que carioca não gosta de sinal vermelho. Essa inverdade repetida mil vezes até virar uma verdade é bobagem, viu?
Cariocas não tem nada contra o sinal vermelho: nós não gostamos é do AMARELO: tanto que ele ameaça aparecer e a gente já acelera.
Agora, quer tirar o bom humor do carioca? Fala mal do Rio. Experimenta. Tenta a sorte. O carioca acha – NÓS achamos – que só nós conhecemos a fundo o Rio e suas mazelas. A ponto de, para cada problema, apontarmos ao menos uma solução.
A única piada que nós, cariocas, admitimos – porque é a pura e indefensável verdade – é a que cita nosso proverbial mau gosto na escolha de políticos.
O dedo carioca é tão podre nessa área que suspeito que escolhemos nossos representantes deliberadamente errado.
Só para podermos falar mal depois.
O que é bem carioca, aliás.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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