Apesar da importância da análise dos especialistas e da repercussão internacional, a carnificina em Jacarezinho depende para mim também da opinião dos moradores.
Li no Portal das Favelas que foi um dia de terror. As pessoas foram surpreendidas com o tiroteio, tiveram celulares apreendidos e muitas viram execuções a sangue frio.
O Jacarezinho, segundo alguns dos seus moradores, vive sob o impacto da Covid-19. Algumas pessoas morreram em casa. Há um alto índice de desemprego e fome em alguns lares.
Olhando um pouco mais para trás, o lugar foi atingido também pela decadência do Rio. Uma fábrica da General Electric em Maria da Graça fechou e era bem próxima da comunidade. Uma multinacional do vidro, a Cisper, que atua na região, precarizou muito o trabalho, optando por serviços terceirizados.
Nesse quadro de decadência econômica na microrregião, parte da juventude foi atraída pelo tráfico de drogas.
Não é uma questão que possa ser solucionada pela polícia. Era preciso um trabalho de solidariedade na região, ampliação das oportunidades culturais para a juventude, enfim um programa de reconstrução.
Aplicar um conceito de guerra contra as drogas ali iria representar claramente uma guerra contra a própria população.
O interessante é que o Jacarezinho depende de um projeto de reconstrução, assim como a própria cidade do Rio. Ela foi capital do Brasil em decisivos momentos históricos e ainda é vista no exterior como um símbolo do Brasil, pelas suas belezas naturais como também uma cidade que abriga a diversidade nacional.
Será muito difícil o Rio sair de suas dificuldades sem um esforço nacional para apoiá-la. Esse esforço vai desde medidas econômicas até a criação de forças tarefas que possam contribuir efetivamente para liberar mais da metade da cidade do controle de forças não estatais, milícias e tráfico de drogas.
Todas essas possibilidades não podem ser reduzidas a simples e destrutivas ações policiais. Pelo contrário, um projeto econômico político e cultural seria o contexto adequado para o processo de liberação da cidade.
O momento é muito difícil. O governo do Rio ainda expressa a continuação da estratégia de Witzel, baseada na força bruta. As forças federais que poderiam amparar a cidade por sua vez são representadas também por um expoente da força bruta que é o próprio Bolsonaro.
Outras cidades do mundo decairam e foram reerguidas. Algumas delas foram destruídas pela II Guerra Mundial. Se olharmos para o processo de reconstrução veremos também um grande projeto político e econômico iluminando o seu caminho.
Talvez tenhamos de esperar não apenas a retomada pós pandemia mas também uma alternância no poder para sonhar de novo, embora sonhar não seja proibido desde já.
Na manhã de ontem, participamos de um grande debate sobre a retomada do Rio no âmbito da Prefeitura que criou um Conselho da Cidade. Quem sabe, a partir da própria cidade, não se pode criar um dinamismo? Até que ponto o Rio precisa depender apenas de políticos do estado e de Brasilia uma vez que a cidade está inserida no mundo?
Fonte: Blog do Gabeira