3 de dezembro de 2024
Editorial

O STF e as CPI’s

O que determina o que pode ou o que não pode fazer uma CPI é mais do que a lei, são as decisões do STF. Sim, eles são mais do que a Lei, já que a interpretam a seu bel prazer, política e judicialmente, interferindo e intervindo, indevidamente, nos demais Poderes, mas há casos que isto vem para o bem. São raros, mas há!

Foto: Google Imagens – Congresso em Foco – UOL

É por isso que sempre que vamos analisar os limites de uma CPI a gente tem que olhar para o STF. E por quê?

Ao longo dos últimos 20 anos, os trabalhos das CPI’s vieram sendo balizados pelo STF.

Por exemplo: de 1996 a 1999, advogados saíam presos da CPI pelo simples fato de orientarem seus clientes nas respostas, cuidando para que eles não se autoincriminassem. Depoentes eram presos por se recusarem a responder perguntas. Coisas do “arco da velha”, diria minha avó…

Graças às decisões do STF, estas incongruências foram sendo norteadas e a gente vê o que acontece na CPI atual. O Senador Omar Aziz, presidente desta CPI da COVID disse, textualmente, “não serei carcereiro”. Evita-se dar voz de prisão; evita-se interferência no trabalho dos advogados, que podem trabalhar na orientação de seus clientes, conforme reza o Estatuto da OAB e seu Regimento.

Mas por que isso? Porque a CPI pode muito, mas não pode tudo.

Pode requisitar documentos da administração pública, decretar busca e apreensão, acareação, quebrar sigilo fiscal, bancário e de dados de telefonia.

Exatamente por tudo isso e por ter poderes de investigação – que são itens próprios de autoridade judiciária – a CPI deve garantir a depoentes, a investigados e a quaisquer pessoas que vão à Comissão ou que sejam alvos de atos da CPI, os mesmos direitos que estas pessoas têm diante de um juiz.

E assim, chego ao ponto: A CPI pode convocar o Presidente da República? O entendimento mais comum é o de que não pode. Pode sim, convidar, mas não convocar. Qual a diferença? Como convidado você pode recusar-se a comparecer à CPI, no entanto como convocado, não pode haver recusa, você é obrigado a ir sob pena de sofrer condução coercitiva.

Por que se diz que o entendimento comum é que a CPI não pode convocar o Presidente da República?

O artigo 50 da Constituição Federal (CF) diz que:

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas comissões, poderão convocar Ministro de Estado para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada”.

Ou seja, qualquer funcionário, titular de qualquer cargo diretamente subordinado à Presidência da República pode ser convocado para prestar informações.

E aí, o que se defende numa corrente muito importante do Judiciário é que se a CF quisesse permitir a convocação do Presidente da República, o artigo deveria mencioná-la explicitamente, não limitando apenas aos Ministros de Estado ou Autarquias ou Secretarias ou similares, fica automática e claramente implícita a exclusão do Presidente da República desta obrigação, mas…

A outra corrente no Judiciário diz que: como não há proibição expressa para a referida convocação do Presidente, ele pode ser convocado.

Briga justa e prontinha para o Judiciário resolver e interferir, de novo, em outro Poder…

Então, se a CPI aprovasse, por exemplo, o requerimento daquela “figura” do Senador Randolfe Rodrigues, obviamente, teríamos mais uma vez a judicialização de ato de um Poder confirmado (ou negado) por outro. Esta é outra característica das CPI’s: os membros têm que aprovar o requerimento, seja ele de quem for – do presidente, do relator, do vice ou de qualquer dos membros – por maioria simples. Não basta apresentar o requerimento. Ele tem que ser aprovado. Logo, se a CPI aprovar o requerimento convocando o Presidente da República, certamente teremos uma batalha no STF.

Há um precedente. Em 2012 o Ministro Marco Aurélio deu um Habeas Corpus ao Governador de Goiás, Marconi Perillo, para que ele pudesse faltar à convocação da CPI do Cachoeira. Ele não compareceu, graças ao HC que disse claramente que “o Congresso, por ser Poder Legislativo, não pode impor o comparecimento obrigatório de um chefe do Poder Executivo à uma CPI”, no caso, o governador. Show, se fosse realmente a intenção da interferência indevida de um Poder em outro.

Por aí a gente já vê que esta enxurrada de pedidos de convocação de governadores que foi aprovada ontem na CPI, muito provavelmente, vai parar no STF e daí teremos algumas sessões bastante movimentadas no Supremo e na CPI.

Daí a minha pergunta: qual a chance desta CPI virar água, acabar em pizza, dar em nada, ou qualquer outro conceito que vocês queiram dar?

Pra mim, o risco gritante é a banalização de depoimentos e a banalização das convocações.

Há que ser feito um trabalho muito sério, calcado em dados, informações, fatos e menos em espetáculo.

A gente tem visto algumas, por exemplo, a CPI do Judiciário, há 20 anos rendeu frutos que a gente enxerga até hoje: a cassação do primeiro Senador da República, Luiz Estevão; a descoberta dos milhões de Reais desviados da construção do Fórum Trabalhista em SP; a prisão e exoneração do Juiz Nicolau dos Santos Neto. O Nico Lau-lau, lembram?

Estes fatos fizeram com que fossem criados o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça, ambos Conselhos de controle externo do Poder Judiciário, que acabaram não sendo bem de “controle externo”, porque têm mais membros de carreira do Judiciário do que gente de fora, mas enfim, são Conselhos de controle para melhor administrar o Judiciário e o Ministério Público.

Tudo isso surgiu da CPI do Judiciário, porque o trabalho foi muito bem feito de investigação e a CPI usou mais das suas armas. O problema é que a gente vê que os participantes, por quererem aparecer nos seus 15 minutos, focam muito nos depoimentos, mas as CPI’s têm uma série de outras ferramentas para fazer uma investigação muito mais eficiente e eficaz do que com a simples tomada de depoimentos.

Então, a meu ver, o risco de esta CPI “dar em água” é focar muito em depoimentos e banalizá-los. Há que se usar outras ferramentas, como eu disse acima e transcrevo agora: “requisitar documentos da administração pública; decretar busca e apreensão, acareação, quebrar sigilo fiscal, bancário e de dados de telefonia”.

A CPI quando age, tem que fazê-lo com fundamento. Seus requerimentos, convites e convocações têm que ser fundamentados, tal como um juiz o faz numa sentença – nem sempre é assim, mas esta é a regra.

Agindo desta forma, ela evita ou fortalece sua defesa numa eventual judicialização ao STF.

Sou totalmente favorável às CPI’s. Primeiro porque elas emanam do Legislativo, nosso “maior” Poder, tendo em vista a representação.

Só não as admito politizadas e com espetáculo, como tem sido feito nesta CPI da COVID.

Os senadores, gulosos, querendo seus 15 minutos ao vivo, com alta audiência, em véspera de ano eleitoral quer aparecer para seu “curral”, daí acontecem fatos como o de ontem ou anteontem quando a “Capitã Cloroquina” foi advertida por um senador, não me lembro qual, que levou quase 10 minutos para fazer uma única pergunta e pediu que a depoente não se estendesse na resposta para não lhe tirar o tempo de fala… ora, a “Capitã”, pra mim deu show nesta resposta: “tudo bem, senhor Senador: minha resposta é NÃO, NÃO ACHO!

O Senador nem se deu ao trabalho de discutir, partiu pra outra pergunta, ou seja, ele só queria falar o maior tempo possível e não estava nem um pouco preocupado com as respostas. Isso é o absurdo inútil da CPI.

Será que se não houvesse transmissão ao vivo, haveria tantos senadores querendo aparecer?

Sabemos que o trabalho maior e mais eficiente de uma CPI é feito nos bastidores e não nos depoimentos… vamos trabalhar, apurar, investigar para produzir um relatório consistente para que seja votado, aprovado ou não, pra mim não importa, o que devemos ter em mente é um trabalho investigativo bem feito e apolítico.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

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Advogado, analista de TI e editor do site.

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