2 de maio de 2024
Editorial

Descriminalização das drogas… pelo STF?

Todos sabemos que as drogas matam, alimentam o tráfico nacional e internacional, criam quadrilhas, facções e milícias de várias formas, mas infelizmente, nossa Corte Suprema, novamente, se mete em assuntos que não são de sua responsabilidade. Estas tarefas vão muito além do normativo constitucional da função do STF. E seus ministros vão além, muito além… atualmente eles estão ditando leis e procedimentos, que é prerrogativa do Congresso Nacional.

Nossa Constituição, considerada “cidadã”, é complicada, por ser casuística demais com seus 250 artigos, com 128 emendas. Apenas citando como exemplo, a Constituição americana tem apenas 7 artigos e 27 emendas.

Nossas leis são ainda piores e, muitas vezes, o STF se vê diante do dilema de dizer se uma lei é ou não constitucional. Neste, e em outros assuntos, eles estão se metendo e, portanto, governando, já que os outros poderes têm que respeitar a sua decisão.

Foto: Google Imagens – Jovem Pan

Esta discussão nunca deveria estar no Supremo. Nossa Corte nunca deveria estar discutindo, como está, por exemplo, a taxa da remuneração do FGTS, nem o tempo que o governo federal tem para resolver o problema dos moradores de rua (120 dias?) e, muito menos a quantidade de drogas que deve ser considerada tráfico ou para uso próprio.

Que conhecimento eles têm para isso? O STF pode definir qual o índice deve ser adotado para corrigir as contas do FGTS? Eles são economistas ou analistas financeiros? Isso é sobre a Constituição? Esta tarefa é, por definição, do Executivo ou do Legislativo. Nunca do Judiciário!

Estão fazendo a mesma coisa no assunto “drogas”. Já existe uma lei, aprovada no Congresso Nacional, sancionada pelo Executivo, que define o que é tráfico e o que é uso próprio. Obviamente são coisas diferentes e a lei precisa contemplar os dois lados. Não serve? Tudo bem, o Congresso deverá decidir isso e mudar, se for o caso.

A postura do STF deveria ser: recusar de imediato o recurso ou ação, dizendo que a competência é de outro poder – interna corporis – como os ministros adoram dizer. Sim, porque não lhes cabe dizer nem qual o poder seria o responsável. Apenas dizer que não é de sua competência. Isso já estaria de bom tamanho.

Qual a quantidade é uso e qual é tráfico. Isso precisa estar definido em lei. A lei nº 11.343, de 23/08/2006 já prevê a quantidade que difere uso próprio e tráfico. Jamais os ministros do STF terão a capacidade de decidir qual a quantidade que difere o uso, do tráfico. Por quê?

Se o cara for pego com, por exemplo, 4kg de maconha, é tráfico sem dúvida, não é? A lei vai além: diz que qualquer quantidade, se o sujeito for pego, oferecendo ou vendendo, é tráfico. Ele pode ter um beck (cigarro de maconha), mas se ele estiver vendendo, é tráfico. Isto é óbvio pra mim. Alterar pra quê?

No entanto, limites são sempre complicados: imagine que seja estipulado que o limite para uso próprio seja, por exemplo, o absurdo de 15g. Se na pesagem tiver 15,1g já é tráfico. Seria tráfico por causa de 1dg a mais na quantidade? Ou, se 14,9g seria uso próprio… limites sempre criam estas situações. Deve-se avaliar em que condições houve a apreensão ou a detenção.

Importante lembrar que um cigarro de maconha pode conter uma média de 0,5 a 1,5 gramas, conforme Informação Técnica do SETEC/SR/DPF.

Então vamos ao problema principal: como definir o que é tráfico e o que é uso próprio?

Por mais incrível que se possa imaginar, aqui é o STF que vai decidir qual a quantidade será considerada uso próprio ou tráfico.

Os ministros têm notável saber jurídico, já que o Senado lhes deu esta condição, mas não têm conhecimento técnico para decidir qual a quantidade adequada. É preciso um conhecimento científico que eles não têm.

Eles não entendem nada de saúde pública. Isto tem que ser definido pelo Congresso Nacional, em audiências públicas, ouvidos os médicos, antropólogos, sociólogos, psicólogos, psiquiatras e demais cientistas da área, que podem dar os argumentos necessários para corroborar a decisão, mas nunca o STF, entretanto, é ele que vai dizer qual a quantidade irá diferenciar uso próprio ou tráfico!!!

O mais grave de tudo isso é a consequência. A lei não retroage para prejudicar o réu, mas pode retroagir para beneficiá-lo, outro absurdo de nossa legislação. Esta descriminalização pode levar à revisão de até 50% das apreensões por Cannabis.

Um estudo do IPEA mostra que, se adotada a faixa de quantidade ente 25 g e 100 g – lembre que um único cigarro pesa no máximo 1,5g – haverá a possibilidade de reclassificação dos casos condenados como porte para consumo pessoal, ou seja, os indivíduos envolvidos nestes crimes, com estas quantidades, estariam livres da pena privativa de liberdade, uma vez que a legislação atual não inclui essa punição para o consumo de entorpecentes. Lei retroage pro reu!!!

O objetivo deste processo todo é reduzir as prisões e condenações por pequenas quantidades, liberando vagas em presídios e, principalmente, reduzindo o número de ações no Judiciário, no entanto, é certo que para a revisão destes casos, cada indivíduo deverá apresentar recurso à Justiça solicitando a revisão da pena, ou seja, não será automática a revisão.

A decisão do STF criará uma Súmula vinculante que, praticamente obriga a todos os juízes das Instâncias inferiores a seguirem esta decisão.

O presidente do senado, Rodrigo Pacheco finalmente saiu de seu esconderijo e defendeu que cabe ao Congresso a discussão sobre este assunto e não ao STF, que mais uma vez invade a competência alheia. Não se poderia esperar outra posição. Ele não gostou nadinha de o STF estar se imiscuindo neste assunto…

A decisão do STF quanto ao RE 635.659 deveria ser, simplesmente: “Isto é um assunto interna corporis do Congresso. Recurso negado”!!!

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

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