17 de março de 2025
Sylvia Belinky

Mais uma vez, eu “ainda estou aqui”

Este é um assunto do qual todos estão sabendo, sobre o qual todos têm uma opinião e do qual, quase certamente, todos estão cheios, mas que, pelo menos, é um assunto que traz boas coisas, bons fluidos, boas notícias.
Trata-se do filme “Ainda Estou Aqui” que, quando fui assistir, fiquei, desde o início, impressionadíssima com a atuação da Fernanda Torres.

Fomos com uma pessoa que se propôs ver o filme uma segunda vez e me lembro de ter pensado que, possivelmente, eu não veria novamente um filme como aquele – antes mesmo de ter visto!

Meu marido saiu dizendo que era muito barulho por nada, pois o filme “não era nada disso”, diferentemente da atuação de Fernanda Torres.

Jamais fui panfletária para nada ou por nada político, muito especialmente no Brasil. Quando os fatos se passaram “eu já era gente”, já tinha conhecimento das coisas. Embora a ditadura tenha perseguido meus tios por serem de teatro e TV e, por causa dela, meu primo, filho mais novo deles, teve que fugir para a França, onde acabou morrendo em um desastre, eu tinha a impressão, na época, que, se não me manifestasse, poderia “passar incólume”.

Manifestar-me quando eu vivia tranquila, estudava, parecia, no mínimo, descabido, próprio da “esquerda festiva” que, à época, se dizia que tomava whisky escocês e comia caviar…

Mais tarde, estudei na USP e o CCC agia a todo vapor em frente à faculdade em que eu estudava, na rua Maria Antônia.

Entretanto, ao ver e rever cenas do filme na Internet, ao ouvir essa criatura extraordinária que é a Fernanda Torres em entrevistas, bem como sua mãe, cheguei à conclusão que não é só ela que brilha.

O filme todo é de uma sensibilidade incrível!

Eunice Paiva demonstrou uma força descomunal ao se “reinventar” sem ser panfletária nem por um segundo, sem falar para os próprios filhos sobre o que tinha acontecido com o pai deles: mudou para São Paulo, resolveu entrar para a faculdade…

Não ter um corpo para enterrar nunca me pareceu grave, mas no caso foi, e gravíssimo – quando meu primo não apareceu mais, “internalizar” que ele estava morto e que jamais voltaria foi difícil, sendo que até hoje tenho a impressão de que ele continua fora do país…

Só que, no caso deles era muito mais grave: mulher, marido, filhos e pai…

Indispensável ter um epílogo, uma explicação e esse corpo deveria ser essa explicação! Eunice Paiva foi em busca dela, sendo que quem estaria obrigado a dá-la seria o Estado, que “sumiu” com ele.

Continuo sem ser panfletária, mas esse filme, como ele se desenrola e como foi colocado, é simplesmente brilhante!

Não à toa, comoveu tanta gente no mundo todo, mesmo sem falarem português – merece todos os prêmios, já que o sentimento de impotência é compartilhado por todos, bem como a grandeza dessa mulher!

Sylvia Marcia Belinky

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a "falarem a mesma língua", traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma... Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar... De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena - só não tenho a menor contemplação com a burrice!

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