Estou lendo um livro excelente, a vida de Michele Obama. Nele, ela se refere à morte prematura de seu pai, dizendo: “É doloroso viver depois da morte de alguém… O luto é solitário a esse ponto”.
Essa assertiva me chamou a atenção porque, dias atrás, morreu um sobrinho, também prematuramente – embora fosse uma morte anunciada, dados os “maus tratos à própria carcaça” como teria dito meu pai.
Não tínhamos um relacionamento próximo e, por tudo que eu sabia dele, foi uma pessoa que não estudou e nem, apesar da inteligência brilhante, trabalhou ou fez alguma coisa de útil, além de beber até cair. Discutia e polemizava nas redes sociais a validade das vacinas, incitando toda a família a segui-lo – lembrando que sua mãe já está próxima dos 80 anos.
Por toda a maluquice, enfim… foi uma figura, no mínimo, controversa.
O pai da Michele Obama, diferentemente disso, foi uma pessoa amável, responsável, respeitada por toda a família e pelos amigos e por seu posicionamento em relação à comunidade. Morreu aos 55 anos, tendo sido um pai maravilhoso para ela e seu irmão.
Acredito que se vá a velórios e enterros em consideração a quem fica e não em função de quem morreu e não acho que, porque morreu, a criatura expiou todos os seus pecados.
Este pensamento não pode nem deve ser expresso – a sociedade condena veementemente – mas, minha incredulidade diante de certas elegias, que são feitas porque a criatura morreu, é um fato.
Pode parecer que sou muito dura e talvez até seja; mas quando minha própria mãe se foi aos 95 anos – e esta pode ser tudo, menos uma morte prematura – respirei aliviada!
Não transcorre um dia sequer sem que eu tenha um sobressalto achando que, se estou bem e em paz, esqueci de alguma coisa, de alguma efeméride em relação a ela, que sempre foi pródiga em coisas desagradáveis para dizer sempre que nos encontrávamos…
Outra criatura que quando morreu me causava sobressaltos – eu achava que ela fosse imortal – foi minha avó. Eu descia as escadas da casa em que morava com ela e ia até o quarto “checar” se ela de fato não estava mais lá e voltava ao meu, feliz e aliviada de descobrir que ela tinha, de fato, morrido!
Com relação à minha mãe, é mais ou menos a mesma coisa, com a diferença de que, mesmo existindo esse profundo desamor, tive a oportunidade de, já adulta, fazer tudo que estava a meu alcance por ela.
Vale aqui dizer duas coisas: nem todas as mães são fantásticas, nem todos os que morrem merecem ser pranteados e “viram” bonzinhos – e essas são coisas que uma pessoa “de bem” não pode dizer porque corre o risco de ficar mal vista!
A racionalidade e a filosofia são fundamentais, mas não têm a capacidade de explicar tudo o que ocorre no mundo. Shakespeare, em Hamlet, já ensinava: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia.”
E toda essa história me lembrou de um pequeno e extremamente lúcido poema de Francisco Otaviano:
ILUSÕES DA VIDA
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!