28 de março de 2024
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Tempo, tempo, tempo, tempo…

Minha descoberta nas festas do fim de 2018 foi que o tempo, além de merecer os adjetivos habituais – rápido, cruel, insensível, etc. e tal – também é uma entidade, se é que posso defini-lo assim, sem nenhuma imaginação. O tempo não é criativo. Pior, ele é burro. Sai ano, entra ano, os sustos que prega são os mesmos, as suas surpresas não mudam.

Na antevéspera do Natal, perdi, de repente, um amigo de vida inteira. Senti-me atropelada. Conheci-o ainda solteira – imaginem, há quanto tempo. Fui, várias vezes, a sua “amiga oculta” nas ceias que compartilhamos durante décadas. Com ele, a sua mulher e os seus filhos vivi grande parte da minha vida. Com ele, dividi bons e maus momentos. A vida nos separou, mas não apagou o afeto que senti e sinto por ele e por sua família. Meu amigo soube viver, deixou lembranças de muita alegria. Homenageio-o como posso e sei, com as minhas palavras. Descanse em paz, Christiano.
Ainda sob o impacto dessa morte inesperada – mas, apesar de tudo, feliz, estava rodeada pelos netos, bisnetos e pela filha -, vi o tempo repetir a sua velha brincadeira de colocar em alguém características das antigas gerações. Não é que a Anna, minha bisneta, uma princesinha escocesa de três anos, adora buchada de bode, que come com a competência de uma autêntica nordestina?
Anna é um caldeirão genético. O pai é holandês, a mãe, sul-africana. Os avós maternos dividem-se entre a Edimburgo e Joanesburgo. Os paternos entre o Rio de Janeiro e Eindhoven. Somam-se a estes, outros antepassados: portugueses, índios de Mato Grosso do Sul, ingleses, alemães, suiços, franceses, uma longa lista de histórias, lembranças e paladares.
Já vivi demais. Sabia que, um dia, aconteceria e acontecerá a morte inesperada de amigos ou que ficarei alegre com alguma inclinação/vocação de um descendente. O tempo, como já disse, é monótono. Com a sua falta de imaginação habitual apenas termina e recomeça, nada além. Dessa vez, levou quem não devia e colocou em Anna o paladar dos meus ancestrais Menezes, família do Rio Grande do Norte, que deve ter crescido e se espalhado às custas de muita buchada de bode.
Assim, ele passa. Entre mortes descontentes e renascimentos inesperados. Um se foi, a outra continua. Perdas e ganhos.
Nada de novo no meu front emocional. 2019 começou igual a 2018, 2017 e todos os anos que os antedeceram: muitos fogos de artifício, muita alegria forçada e alguma esperança burra, pois o tempo sempre vira rotina.
Sua banalidade me espanta.

O Boletim

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